O publicitário Sidônio Palmeira, 65 anos, marqueteiro de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais do ano passado, está em uma cruzada contra os memes. Avesso a redes sociais, o baiano tem afirmado que esse tipo de conteúdo esvazia o debate político.
“O mais grave é no Congresso. Cada vez mais as pessoas estão lá para fazer memes e brincadeiras com agressões. Isso é muito ruim para a sociedade como um todo, para a conscientização, para a formação política e também para as leis que vão ser aprovadas”, afirma em entrevista ao Estadão. “O que eu levanto é o seguinte: que se use a criatividade, mas sem o debate ficar raso.”
Apesar da crítica, Palmeira admite que o deputado André Janones (Avante -MG), a quem classifica como “sensacionalista”, contribuiu para a eleição do presidente Lula. O deputado abusou de memes e fake news como estratégia para promover o petista nas redes sociais, método que o marqueteiro diz condenar.
“A mentira não leva a lugar nenhum e não acho que isso seja correto”, disse o publicitário. Uma das peças de desinformação compartilhadas por Janones nas eleições de 2022 dizia que Bolsonaro daria o Ministério da Previdência para o ex-presidente Fernando Collor, que confiscou poupanças na década de 1990, caso eleito.
Nascido em Vitória da Conquista e formado em engenharia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), o marqueteiro militou no movimento estudantil e atuou pela primeira vez em uma campanha eleitoral para a ex-prefeita de Salvador e hoje deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA). Venceu quatro eleições para o governo da Bahia, com os petistas Jaques Wagner (2006 e 2010) e Rui Costa (2014 e 2018), atual ministro-chefe da Casa Civil. É um dos sócios da empresa Leiaute e mora em Salvador.
Palmeira conta que prepara um livro sobre a campanha de Lula, que julga ter sido a mais importante da história brasileira. Recentemente, o sócio dele, Raul Rabelo, atuou diretamente na campanha derrotada do peronista Sergio Massa na Argentina, com um grupo de publicitários ligados a Sidônio. A disputa no país vizinho foi marcada por memes e até o uso de Inteligência Artificial.
Leia a entrevista.
O senhor diz que o meme está derrotando o debate política. Por que?
Você tem visto no Congresso que, em vez de ter uma discussão política sobre determinados temas, fazem um meme para ganhar repercussão. Os políticos buscam cliques e nada melhor do que um meme. No Dia Internacional da Mulher, quando se poderia discutir a luta pelos direitos das mulheres, o que passou foi um meme de um deputado (Nikolas Ferreira, do PL-MG) que colocou uma peruca na cabeça. No caso da Argentina, o meme foi uma motosserra. Na eleição aqui do Brasil, no ano passado, o meme era fazer uma ‘arminha’ com o dedo. Isso termina simplificando, deixando muito raso o debate político. E o mais grave é no Congresso. Cada vez mais as pessoas estão lá para fazer memes e brincadeiras com agressões. Isso é muito ruim para a sociedade como um todo, para a conscientização, para a formação política e também para as leis que vão ser aprovadas.
O que pode substituir a linguagem do meme?
A questão é comunicar as coisas de forma mais criativa e simples. O que eu levanto é o seguinte: que se use a criatividade, mas sem o debate ficar raso. Passar uma mensagem com conteúdo político num tempo bem curtinho, sem ficar uma coisa enfadonha ou usar mentiras. A fake news é muito mais interessante do que a verdade, porque a verdade é uma mera constatação da realidade, enquanto que com a mentira se pode desenvolver a imaginação. O problema da mentira é a ética, o sofrimento que ela causa, o ódio que ela gera. E as fake news são alimentadas pelos algoritmos. A primeira coisa para enfrentá-las é a regulação, que não é uma censura à liberdade de expressão.
O governo sucumbiu a pressão das big techs e desistiu do projeto de lei das fake news. Qual a consequência disso?
Não acompanhei lá e não sei exatamente porque o governo tomou essa atitude. O que eu posso afirmar é que é importante ter uma votação sobre isso e tomar medidas sérias sobre as fake news e a regulamentação das redes sociais. Não é perder a liberdade de expressão, pelo contrário, é fortalecer aquilo que é correto e verdadeiro.
Na campanha de Lula contra Bolsonaro uma parte da esquerda aplaudiu a atuação de Janones. Como o senhor avalia?
Ele tem uma característica de ir mais para o embate, de uma forma mais sensacionalista que acaba chamando mais a atenção das pessoas. Não tenho dúvida que isso contribui. Olha só: estou falando mais da coisa sensacionalista, do embate político, do enfrentamento, que é algo importante no debate. Isso está longe e não tem nada a ver com fake news. A campanha foi propositiva. O Janones tem o estilo dele, de defender as ideias no jeito dele, de polemizar e de enfrentar o adversário, e contribuiu da sua forma.
Janones divulgou informações que não condiziam com a verdade, como a de que Fernando Collor seria ministro de Bolsonaro...
Eu não defendo fake news. A mentira não leva a lugar nenhum e não acho que isso seja correto. Não sei exatamente como ele falou, se ele achava que era isso e depois não era. Aí tem que ver com ele. Não sou eu que vou fazer a análise.
A esquerda tem condições de equilibrar a disputa com a direita nas redes?
Acho que estamos perdendo, mas em alguns momentos durante a campanha (de Lula em 2022) a gente bateu (os demais candidatos) nessa área. É preciso ter também as pessoas, porque eles têm militantes de rede, digamos assim, com o hábito de trabalhar nas redes sociais.
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Como foi a atuação do grupo de publicitários brasileiros contra o Milei na Argentina?
A atuação deles não foi contra o Milei, é bom ressaltar isso. Eles foram lá ajudar na campanha do Massa. Tem a disputa política e também o lado propositivo. A primeira coisa a se fazer numa campanha é trabalhar o candidato, valorizar e mostrar as coisas positivas, além de mostrar o que tem de ruim no adversário.
Por que marqueteiros brasileiros?
O Brasil tem uma experiência grande no marketing eleitoral. O Brasil tem vários profissionais e exporta tecnologia. Eles quiseram um reforço nesse sentido. O Milei também poderia ter buscado, é natural.
A campanha de Lula contra Bolsonaro em 2022 trouxe algum ensinamento para lá?
Acho que a campanha na Argentina foi mais parecida com a do Brasil em 2018. O Bolsonaro era desconhecido, como agora era o Milei, e o (Fernando) Haddad enfrentava. O Bolsonaro tem uma característica similar ao Milei, talvez também tenha sido por isso (que importaram marqueteiros do Brasil), de conhecer a experiência, guardando claro as devidas proporções.
Pode resumir como foi a campanha?
Acho que a estratégia lá foi correta, identificando o principal adversário como Milei, polarizando com ele, e a Patrícia (Bullrich) caiu com a gravidade. A gente estava trabalhando para ir para o segundo turno, mas era uma situação difícil. Os três estavam equilibrados. Agora, termina sendo uma campanha de rejeição. O Massa pega um governo com rejeição de 70% e inflação de 140%, sendo o ministro da Economia. O outro é uma loucura. Defende venda de órgãos, acabar com ministérios, a economia sem interferência nenhuma do Estado, armar a população, derrubar o prédio do Banco Central...
Lula está conseguindo deixar uma marca no seu terceiro governo?
Acho que sim. A primeira marca de Lula é retomar todos os programas sociais, o que fez em pouco tempo. Os ministérios da Mulher, da Cultura, dos Povos Originários, o Bolsa Família com R$ 150 para crianças de até seis anos, o Desenrola Brasil ele conseguiu efetivar e foi impressionante. Na política externa também tem ido bem, assim como nessa guerra, com resgate de brasileiros na Faixa de Gaza.
Por que o senhor recusou ser ministro da Secretaria de Comunicação (Secom)?
Não sou governo, não tenho a característica. Sou um homem de criação, de planejamento. É isso.
Qual sua avaliação sobre a comunicação do governo?
O governo tem muito e precisa chegar mais na ponta. É difícil falar das coisas sem estar ali dentro.
O senhor fará campanha em 2024?
Não sei, mas acho que não vou fazer campanha para prefeito. Faz algum tempo que não faço aqui em Salvador.