Mauro Vieira reassume Itamaraty com crítica à ‘ideologia limitante’ da era Bolsonaro


Embaixador volta ao cargo 6 anos e meio depois de sair após o impeachment de Dilma Rousseff e promete reatar contatos com todos os governos no que chamou de ‘ideologia da integração’

Por Beatriz Bulla e Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA – Ao ser empossado nesta segunda-feira, 2, o novo chanceler, Mauro Vieira, indicou uma reorientação de rota na política externa brasileira e criticou o que chamou de “retrocesso sem precedentes em nossa política externa”. “Estivemos alijados do cenário internacional nos últimos anos por força de uma visão ideológica limitante. Com bom senso e muito trabalho e dedicação, reconquistaremos nosso lugar”, afirmou o novo chanceler diante do antecessor, Carlos França.

Vieira detalhou a política externa a ser implementada por Luiz Inácio Lula da Silva, com forte presença do próprio presidente. Ele não se comprometeu em dar prosseguimento a todo o processo de adesão à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), disse que o Brasil não adotará “alinhamento automático” na relação com os Estados Unidos, deu ênfase à relação com os países da própria região e à política climática como pilar da diplomacia. Em relação à América Latina, Vieira disse que o Brasil quer manter diálogo com todos os atores da região, em um recado sobre o restabelecimento de conversas com o venezuelano Nicolás Maduro.

Mauro Vieira com Celso Amorim na posse no Itamaraty / Foto: Felipe Frazão Foto: Felipe Frazão
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“Teremos de recompor relações bilaterais danificadas e retomar o protagonismo construtivo nos foros e organismos internacionais onde temos uma contribuição singular a oferecer”, disse Vieira. “O retorno do Brasil à sua própria região significará o engajamento e o diálogo com todas as forças políticas, para que possamos recuperar a capacidade de defender nossos interesses e contribuir para o desenvolvimento e a estabilidade regionais. Nossa ideologia na região será a ideologia da integração.”

De acordo com ele, o Brasil será “um parceiro confiável, um ator incontornável, uma liderança e uma força positiva em favor de um mundo mais equilibrado, racional, justo e pacífico”.

Carlos França estava na plateia. Questionado se a crítica não gerou desconforto, o ex-chanceler desconversou e recorreu a um ditado caipira: “Em festa de inhambu, Jacu não pia”. Ele se disse soldado do novo general, uma referência, em termos militares, a Vieira. Antes disso, em discurso, França – um dos poucos ministros do governo Bolsonaro a participar da transmissão de cargo ao sucessor – disse haver “ritos” que, pela força da solenidade, “reforçam a vida institucional”.

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As críticas ao governo Bolsonaro foram consideradas amenas por alguns diplomatas na plateia, que comparavam o discurso com falas mais duras dos demais ministros que assumiram o cargo no mesmo dia. Para quem era da gestão anterior, no entanto, o recado político foi duro.

Assim como Lula tem feito, ele afirmou que a questão climática será importante para a diplomacia brasileira e recolocação do país no cenário internacional. “O Brasil tem todas as condições de consolidar-se como modelo de transição energética e economia de baixo carbono. Isso exigirá esforço interno, mas também uma ativa política de atração de investimentos”, disse o embaixador, diante da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a única titular da Esplanda presente. “Demandará recursos próprios, sem que deixemos de cobrar com firmeza a implementação, pelos países desenvolvidos, de seus compromissos em matéria de financiamento. E exigirá uma diplomacia ambiental e climática de primeira grandeza, ativa e determinada a defender nossos interesses e a desempenhar o papel de facilitador e de gerador de consensos que, desde a preparação da Rio-92, o Brasil sempre soube exercer até recentemente.”

O discurso seguiu as mesmas linhas de política externa do que é defendido pelo ex-chanceler Celso Amorim, presente na cerimônia. A chegada de Vieira ao cargo reflete a influência que Amorim teve na escolha e a que deve ter na política externa do atual governo. Ele disse que o mais longevo ministro das Relações Exteriores, que será assessor especial de Lula no Planalto, é um amigo e modelo de diplomata e chefe do Itamaraty.

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Vieira, que foi ministro de Relações Exteriores de Dilma Rousseff, relembrou o impeachment. A exemplo de França, ele foi um o único da equipe de Dilma a transmitir o cargo ao sucessor, José Serra. “Não é comum que a nós seja dada uma segunda oportunidade de voltar a fazer algo que foi brusca, involuntariamente interrompido. Em maio de 2016, deixei o cargo a que hoje regresso, em meio a um doloroso processo de impeachment que fraturou o país e deixou marcas profundas”, afirmou.

O novo chanceler também disse que a política externa trará a visão de um país “generoso, com mais justiça social, comprometido com os direitos humanos, apegado ao direito internacional e disposto a dar uma forte contribuição à sua região e ao mundo”.

Mauro Vieira recebe cumprimentos de diplomatas na posse no Itamaraty, na Sala Brasília Foto: Felipe Frazão Foto: Felipe Frazão/Estadão
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“O Brasil realinhará a política externa em direitos humanos aos parâmetros da Constituição Federal e do direito internacional dos direitos humanos, sobretudo na promoção da igualdade de gênero; no combate à discriminação e à violência em função de orientação sexual e identidade de gênero; na promoção da igualdade racial e o combate ao racismo e a xenofobia; e na defesa dos direitos dos povos indígenas”, disse Vieira.

Ele afirmou o Brasil irá retornar “imediatamente” ao Pacto Global de Migrações da ONU e também vão trabalhar com parlamentares para aprovar, no Congresso, a Convenção da ONU sobre direitos dos trabalhadores migrantes.

Nas Nações Unidas, disse que o Brasil vai atuar em prol da “solução negociada de conflitos”, sem citar a guerra na Ucrânia, de “manutenção e construção da paz, cooperação humanitária e a implementação da Agenda de Mulheres, Paz e Segurança”. “Retomaremos nosso protagonismo em desarmamento e não-proliferação nuclear, valorizando o Tratado para a Proibição das Armas Nucleares em um mundo de exacerbadas rivalidades geopolíticas”, afirmou.

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Sobre o processo de adesão do Brasil na OCDE, que teve início durante o governo Temer e foi uma das prioridades do Ministério da Economia no governo Bolsonaro, Vieira não se comprometeu com a continuidade. Ele afirmou que o Brasil irá “manter a cooperação com as instâncias da OCDE que geram benefícios para o país e examinar, à luz do interesse nacional, o convite que nos foi feito para a ela aderirmos”. Ele havia antecipado ao Estadão que o governo faria um reexame do assunto.

Com relação à América Latina, uma prioridade do novo governo, Vieira afirmou que “de todas as ausências do Brasil, o abandono” da região “talvez seja a que nos ocasionou maiores prejuízos”. Ele defendeu diálogo com “todas as forças políticas”, um reforço à ideia de que o governo Lula 3 pretende manter canal aberto com o governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega, da Nicarágua, cujos regimes políticos são questionados internacionalmente por perseguição a opositores e violações de direitos humanos. Cuba, governada por Miguel Díaz-Canel, está no mesmo pacote. Nenhum dos países foi citado pelo chanceler, mas ele já disse não ver motivos para o presidente realizar visitas de Estado a nenhum dos três no momento.

Ele afirmou que o Brasil entende a importância de “fortalecer as instituições democráticas, contribuindo, pelo diálogo e os bons ofícios, para a superação de tensões internas, sempre com respeito à soberania dos países e sem nunca perder de vista o compromisso universal com os direitos humanos e com a democracia”.

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O novo chanceler disse que o o País se interessa por um “acordo MERCOSUL-União Europeia equilibrado e com ganhos reais para a economia brasileira, tanto em comércio como em investimentos, e evitando que o meio ambiente, tema muito caro ao Brasil, seja utilizado como pretexto para o protecionismo”. Ele também afirmou que irá trabalhar pelo aprofundamento da parceria estratégica com Argentina, Uruguai e Paraguai. E pela concretização dos acordos do Mercosul com Egito, Israel e Palestina.

Na questão Palestina, disse que o governo retomará sua posição tradicional de equilíbrio, que sob Bolsonaro quase foi modificada, após uma aproximação política do ex-presidente com governantes de Israel. “Com relação a Israel e Palestina, dois países amigos do Brasil, retornaremos à posição tradicional e equilibrada mantida há mais de sete décadas, apoiando a solução de dois Estados plenamente viáveis, coexistindo lado a lado em segurança, e com fronteiras internacionalmente reconhecidas. Nossa bússola nesse tema voltará a ser, como sempre foi, o direito internacional”, afirmou o chanceler.

Com relação à relação com os Estados Unidos, Vieira disse que o Brasil manterá “relações em pé de igualdade, baseadas em valores e interesses comuns, sem qualquer tipo de preconceito sobre temas e assuntos, e isentas de alinhamentos automáticos”.

O único momento em que Vieira foi interrompido por aplausos, durante seu discurso, foi quando o chanceler citou o nome da nova secretaria-geral, Maria Laura da Rocha, a primeira mulher ao chegar ao cargo, que é a posição número 02 no ministério, e a última exclusiva da carreira.

Em seu discurso, ele criticou a subrepresentação de negros e mulheres no Itamaraty e disse que trabalhará em política interna sobre o tema, abrindo canais de diálogo e . “Buscaremos recrutar mais mulheres, negros, indígenas para o serviço exterior”, disse. “Ampliaremos sua presença em cargos de liderança”, afirmou Vieira.

BRASÍLIA – Ao ser empossado nesta segunda-feira, 2, o novo chanceler, Mauro Vieira, indicou uma reorientação de rota na política externa brasileira e criticou o que chamou de “retrocesso sem precedentes em nossa política externa”. “Estivemos alijados do cenário internacional nos últimos anos por força de uma visão ideológica limitante. Com bom senso e muito trabalho e dedicação, reconquistaremos nosso lugar”, afirmou o novo chanceler diante do antecessor, Carlos França.

Vieira detalhou a política externa a ser implementada por Luiz Inácio Lula da Silva, com forte presença do próprio presidente. Ele não se comprometeu em dar prosseguimento a todo o processo de adesão à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), disse que o Brasil não adotará “alinhamento automático” na relação com os Estados Unidos, deu ênfase à relação com os países da própria região e à política climática como pilar da diplomacia. Em relação à América Latina, Vieira disse que o Brasil quer manter diálogo com todos os atores da região, em um recado sobre o restabelecimento de conversas com o venezuelano Nicolás Maduro.

Mauro Vieira com Celso Amorim na posse no Itamaraty / Foto: Felipe Frazão Foto: Felipe Frazão

“Teremos de recompor relações bilaterais danificadas e retomar o protagonismo construtivo nos foros e organismos internacionais onde temos uma contribuição singular a oferecer”, disse Vieira. “O retorno do Brasil à sua própria região significará o engajamento e o diálogo com todas as forças políticas, para que possamos recuperar a capacidade de defender nossos interesses e contribuir para o desenvolvimento e a estabilidade regionais. Nossa ideologia na região será a ideologia da integração.”

De acordo com ele, o Brasil será “um parceiro confiável, um ator incontornável, uma liderança e uma força positiva em favor de um mundo mais equilibrado, racional, justo e pacífico”.

Carlos França estava na plateia. Questionado se a crítica não gerou desconforto, o ex-chanceler desconversou e recorreu a um ditado caipira: “Em festa de inhambu, Jacu não pia”. Ele se disse soldado do novo general, uma referência, em termos militares, a Vieira. Antes disso, em discurso, França – um dos poucos ministros do governo Bolsonaro a participar da transmissão de cargo ao sucessor – disse haver “ritos” que, pela força da solenidade, “reforçam a vida institucional”.

As críticas ao governo Bolsonaro foram consideradas amenas por alguns diplomatas na plateia, que comparavam o discurso com falas mais duras dos demais ministros que assumiram o cargo no mesmo dia. Para quem era da gestão anterior, no entanto, o recado político foi duro.

Assim como Lula tem feito, ele afirmou que a questão climática será importante para a diplomacia brasileira e recolocação do país no cenário internacional. “O Brasil tem todas as condições de consolidar-se como modelo de transição energética e economia de baixo carbono. Isso exigirá esforço interno, mas também uma ativa política de atração de investimentos”, disse o embaixador, diante da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a única titular da Esplanda presente. “Demandará recursos próprios, sem que deixemos de cobrar com firmeza a implementação, pelos países desenvolvidos, de seus compromissos em matéria de financiamento. E exigirá uma diplomacia ambiental e climática de primeira grandeza, ativa e determinada a defender nossos interesses e a desempenhar o papel de facilitador e de gerador de consensos que, desde a preparação da Rio-92, o Brasil sempre soube exercer até recentemente.”

O discurso seguiu as mesmas linhas de política externa do que é defendido pelo ex-chanceler Celso Amorim, presente na cerimônia. A chegada de Vieira ao cargo reflete a influência que Amorim teve na escolha e a que deve ter na política externa do atual governo. Ele disse que o mais longevo ministro das Relações Exteriores, que será assessor especial de Lula no Planalto, é um amigo e modelo de diplomata e chefe do Itamaraty.

Vieira, que foi ministro de Relações Exteriores de Dilma Rousseff, relembrou o impeachment. A exemplo de França, ele foi um o único da equipe de Dilma a transmitir o cargo ao sucessor, José Serra. “Não é comum que a nós seja dada uma segunda oportunidade de voltar a fazer algo que foi brusca, involuntariamente interrompido. Em maio de 2016, deixei o cargo a que hoje regresso, em meio a um doloroso processo de impeachment que fraturou o país e deixou marcas profundas”, afirmou.

O novo chanceler também disse que a política externa trará a visão de um país “generoso, com mais justiça social, comprometido com os direitos humanos, apegado ao direito internacional e disposto a dar uma forte contribuição à sua região e ao mundo”.

Mauro Vieira recebe cumprimentos de diplomatas na posse no Itamaraty, na Sala Brasília Foto: Felipe Frazão Foto: Felipe Frazão/Estadão

“O Brasil realinhará a política externa em direitos humanos aos parâmetros da Constituição Federal e do direito internacional dos direitos humanos, sobretudo na promoção da igualdade de gênero; no combate à discriminação e à violência em função de orientação sexual e identidade de gênero; na promoção da igualdade racial e o combate ao racismo e a xenofobia; e na defesa dos direitos dos povos indígenas”, disse Vieira.

Ele afirmou o Brasil irá retornar “imediatamente” ao Pacto Global de Migrações da ONU e também vão trabalhar com parlamentares para aprovar, no Congresso, a Convenção da ONU sobre direitos dos trabalhadores migrantes.

Nas Nações Unidas, disse que o Brasil vai atuar em prol da “solução negociada de conflitos”, sem citar a guerra na Ucrânia, de “manutenção e construção da paz, cooperação humanitária e a implementação da Agenda de Mulheres, Paz e Segurança”. “Retomaremos nosso protagonismo em desarmamento e não-proliferação nuclear, valorizando o Tratado para a Proibição das Armas Nucleares em um mundo de exacerbadas rivalidades geopolíticas”, afirmou.

Sobre o processo de adesão do Brasil na OCDE, que teve início durante o governo Temer e foi uma das prioridades do Ministério da Economia no governo Bolsonaro, Vieira não se comprometeu com a continuidade. Ele afirmou que o Brasil irá “manter a cooperação com as instâncias da OCDE que geram benefícios para o país e examinar, à luz do interesse nacional, o convite que nos foi feito para a ela aderirmos”. Ele havia antecipado ao Estadão que o governo faria um reexame do assunto.

Com relação à América Latina, uma prioridade do novo governo, Vieira afirmou que “de todas as ausências do Brasil, o abandono” da região “talvez seja a que nos ocasionou maiores prejuízos”. Ele defendeu diálogo com “todas as forças políticas”, um reforço à ideia de que o governo Lula 3 pretende manter canal aberto com o governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega, da Nicarágua, cujos regimes políticos são questionados internacionalmente por perseguição a opositores e violações de direitos humanos. Cuba, governada por Miguel Díaz-Canel, está no mesmo pacote. Nenhum dos países foi citado pelo chanceler, mas ele já disse não ver motivos para o presidente realizar visitas de Estado a nenhum dos três no momento.

Ele afirmou que o Brasil entende a importância de “fortalecer as instituições democráticas, contribuindo, pelo diálogo e os bons ofícios, para a superação de tensões internas, sempre com respeito à soberania dos países e sem nunca perder de vista o compromisso universal com os direitos humanos e com a democracia”.

O novo chanceler disse que o o País se interessa por um “acordo MERCOSUL-União Europeia equilibrado e com ganhos reais para a economia brasileira, tanto em comércio como em investimentos, e evitando que o meio ambiente, tema muito caro ao Brasil, seja utilizado como pretexto para o protecionismo”. Ele também afirmou que irá trabalhar pelo aprofundamento da parceria estratégica com Argentina, Uruguai e Paraguai. E pela concretização dos acordos do Mercosul com Egito, Israel e Palestina.

Na questão Palestina, disse que o governo retomará sua posição tradicional de equilíbrio, que sob Bolsonaro quase foi modificada, após uma aproximação política do ex-presidente com governantes de Israel. “Com relação a Israel e Palestina, dois países amigos do Brasil, retornaremos à posição tradicional e equilibrada mantida há mais de sete décadas, apoiando a solução de dois Estados plenamente viáveis, coexistindo lado a lado em segurança, e com fronteiras internacionalmente reconhecidas. Nossa bússola nesse tema voltará a ser, como sempre foi, o direito internacional”, afirmou o chanceler.

Com relação à relação com os Estados Unidos, Vieira disse que o Brasil manterá “relações em pé de igualdade, baseadas em valores e interesses comuns, sem qualquer tipo de preconceito sobre temas e assuntos, e isentas de alinhamentos automáticos”.

O único momento em que Vieira foi interrompido por aplausos, durante seu discurso, foi quando o chanceler citou o nome da nova secretaria-geral, Maria Laura da Rocha, a primeira mulher ao chegar ao cargo, que é a posição número 02 no ministério, e a última exclusiva da carreira.

Em seu discurso, ele criticou a subrepresentação de negros e mulheres no Itamaraty e disse que trabalhará em política interna sobre o tema, abrindo canais de diálogo e . “Buscaremos recrutar mais mulheres, negros, indígenas para o serviço exterior”, disse. “Ampliaremos sua presença em cargos de liderança”, afirmou Vieira.

BRASÍLIA – Ao ser empossado nesta segunda-feira, 2, o novo chanceler, Mauro Vieira, indicou uma reorientação de rota na política externa brasileira e criticou o que chamou de “retrocesso sem precedentes em nossa política externa”. “Estivemos alijados do cenário internacional nos últimos anos por força de uma visão ideológica limitante. Com bom senso e muito trabalho e dedicação, reconquistaremos nosso lugar”, afirmou o novo chanceler diante do antecessor, Carlos França.

Vieira detalhou a política externa a ser implementada por Luiz Inácio Lula da Silva, com forte presença do próprio presidente. Ele não se comprometeu em dar prosseguimento a todo o processo de adesão à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), disse que o Brasil não adotará “alinhamento automático” na relação com os Estados Unidos, deu ênfase à relação com os países da própria região e à política climática como pilar da diplomacia. Em relação à América Latina, Vieira disse que o Brasil quer manter diálogo com todos os atores da região, em um recado sobre o restabelecimento de conversas com o venezuelano Nicolás Maduro.

Mauro Vieira com Celso Amorim na posse no Itamaraty / Foto: Felipe Frazão Foto: Felipe Frazão

“Teremos de recompor relações bilaterais danificadas e retomar o protagonismo construtivo nos foros e organismos internacionais onde temos uma contribuição singular a oferecer”, disse Vieira. “O retorno do Brasil à sua própria região significará o engajamento e o diálogo com todas as forças políticas, para que possamos recuperar a capacidade de defender nossos interesses e contribuir para o desenvolvimento e a estabilidade regionais. Nossa ideologia na região será a ideologia da integração.”

De acordo com ele, o Brasil será “um parceiro confiável, um ator incontornável, uma liderança e uma força positiva em favor de um mundo mais equilibrado, racional, justo e pacífico”.

Carlos França estava na plateia. Questionado se a crítica não gerou desconforto, o ex-chanceler desconversou e recorreu a um ditado caipira: “Em festa de inhambu, Jacu não pia”. Ele se disse soldado do novo general, uma referência, em termos militares, a Vieira. Antes disso, em discurso, França – um dos poucos ministros do governo Bolsonaro a participar da transmissão de cargo ao sucessor – disse haver “ritos” que, pela força da solenidade, “reforçam a vida institucional”.

As críticas ao governo Bolsonaro foram consideradas amenas por alguns diplomatas na plateia, que comparavam o discurso com falas mais duras dos demais ministros que assumiram o cargo no mesmo dia. Para quem era da gestão anterior, no entanto, o recado político foi duro.

Assim como Lula tem feito, ele afirmou que a questão climática será importante para a diplomacia brasileira e recolocação do país no cenário internacional. “O Brasil tem todas as condições de consolidar-se como modelo de transição energética e economia de baixo carbono. Isso exigirá esforço interno, mas também uma ativa política de atração de investimentos”, disse o embaixador, diante da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a única titular da Esplanda presente. “Demandará recursos próprios, sem que deixemos de cobrar com firmeza a implementação, pelos países desenvolvidos, de seus compromissos em matéria de financiamento. E exigirá uma diplomacia ambiental e climática de primeira grandeza, ativa e determinada a defender nossos interesses e a desempenhar o papel de facilitador e de gerador de consensos que, desde a preparação da Rio-92, o Brasil sempre soube exercer até recentemente.”

O discurso seguiu as mesmas linhas de política externa do que é defendido pelo ex-chanceler Celso Amorim, presente na cerimônia. A chegada de Vieira ao cargo reflete a influência que Amorim teve na escolha e a que deve ter na política externa do atual governo. Ele disse que o mais longevo ministro das Relações Exteriores, que será assessor especial de Lula no Planalto, é um amigo e modelo de diplomata e chefe do Itamaraty.

Vieira, que foi ministro de Relações Exteriores de Dilma Rousseff, relembrou o impeachment. A exemplo de França, ele foi um o único da equipe de Dilma a transmitir o cargo ao sucessor, José Serra. “Não é comum que a nós seja dada uma segunda oportunidade de voltar a fazer algo que foi brusca, involuntariamente interrompido. Em maio de 2016, deixei o cargo a que hoje regresso, em meio a um doloroso processo de impeachment que fraturou o país e deixou marcas profundas”, afirmou.

O novo chanceler também disse que a política externa trará a visão de um país “generoso, com mais justiça social, comprometido com os direitos humanos, apegado ao direito internacional e disposto a dar uma forte contribuição à sua região e ao mundo”.

Mauro Vieira recebe cumprimentos de diplomatas na posse no Itamaraty, na Sala Brasília Foto: Felipe Frazão Foto: Felipe Frazão/Estadão

“O Brasil realinhará a política externa em direitos humanos aos parâmetros da Constituição Federal e do direito internacional dos direitos humanos, sobretudo na promoção da igualdade de gênero; no combate à discriminação e à violência em função de orientação sexual e identidade de gênero; na promoção da igualdade racial e o combate ao racismo e a xenofobia; e na defesa dos direitos dos povos indígenas”, disse Vieira.

Ele afirmou o Brasil irá retornar “imediatamente” ao Pacto Global de Migrações da ONU e também vão trabalhar com parlamentares para aprovar, no Congresso, a Convenção da ONU sobre direitos dos trabalhadores migrantes.

Nas Nações Unidas, disse que o Brasil vai atuar em prol da “solução negociada de conflitos”, sem citar a guerra na Ucrânia, de “manutenção e construção da paz, cooperação humanitária e a implementação da Agenda de Mulheres, Paz e Segurança”. “Retomaremos nosso protagonismo em desarmamento e não-proliferação nuclear, valorizando o Tratado para a Proibição das Armas Nucleares em um mundo de exacerbadas rivalidades geopolíticas”, afirmou.

Sobre o processo de adesão do Brasil na OCDE, que teve início durante o governo Temer e foi uma das prioridades do Ministério da Economia no governo Bolsonaro, Vieira não se comprometeu com a continuidade. Ele afirmou que o Brasil irá “manter a cooperação com as instâncias da OCDE que geram benefícios para o país e examinar, à luz do interesse nacional, o convite que nos foi feito para a ela aderirmos”. Ele havia antecipado ao Estadão que o governo faria um reexame do assunto.

Com relação à América Latina, uma prioridade do novo governo, Vieira afirmou que “de todas as ausências do Brasil, o abandono” da região “talvez seja a que nos ocasionou maiores prejuízos”. Ele defendeu diálogo com “todas as forças políticas”, um reforço à ideia de que o governo Lula 3 pretende manter canal aberto com o governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega, da Nicarágua, cujos regimes políticos são questionados internacionalmente por perseguição a opositores e violações de direitos humanos. Cuba, governada por Miguel Díaz-Canel, está no mesmo pacote. Nenhum dos países foi citado pelo chanceler, mas ele já disse não ver motivos para o presidente realizar visitas de Estado a nenhum dos três no momento.

Ele afirmou que o Brasil entende a importância de “fortalecer as instituições democráticas, contribuindo, pelo diálogo e os bons ofícios, para a superação de tensões internas, sempre com respeito à soberania dos países e sem nunca perder de vista o compromisso universal com os direitos humanos e com a democracia”.

O novo chanceler disse que o o País se interessa por um “acordo MERCOSUL-União Europeia equilibrado e com ganhos reais para a economia brasileira, tanto em comércio como em investimentos, e evitando que o meio ambiente, tema muito caro ao Brasil, seja utilizado como pretexto para o protecionismo”. Ele também afirmou que irá trabalhar pelo aprofundamento da parceria estratégica com Argentina, Uruguai e Paraguai. E pela concretização dos acordos do Mercosul com Egito, Israel e Palestina.

Na questão Palestina, disse que o governo retomará sua posição tradicional de equilíbrio, que sob Bolsonaro quase foi modificada, após uma aproximação política do ex-presidente com governantes de Israel. “Com relação a Israel e Palestina, dois países amigos do Brasil, retornaremos à posição tradicional e equilibrada mantida há mais de sete décadas, apoiando a solução de dois Estados plenamente viáveis, coexistindo lado a lado em segurança, e com fronteiras internacionalmente reconhecidas. Nossa bússola nesse tema voltará a ser, como sempre foi, o direito internacional”, afirmou o chanceler.

Com relação à relação com os Estados Unidos, Vieira disse que o Brasil manterá “relações em pé de igualdade, baseadas em valores e interesses comuns, sem qualquer tipo de preconceito sobre temas e assuntos, e isentas de alinhamentos automáticos”.

O único momento em que Vieira foi interrompido por aplausos, durante seu discurso, foi quando o chanceler citou o nome da nova secretaria-geral, Maria Laura da Rocha, a primeira mulher ao chegar ao cargo, que é a posição número 02 no ministério, e a última exclusiva da carreira.

Em seu discurso, ele criticou a subrepresentação de negros e mulheres no Itamaraty e disse que trabalhará em política interna sobre o tema, abrindo canais de diálogo e . “Buscaremos recrutar mais mulheres, negros, indígenas para o serviço exterior”, disse. “Ampliaremos sua presença em cargos de liderança”, afirmou Vieira.

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