O médico José Roberto de Souza, cujo nome aparece como responsável pelo laudo falso divulgado pelo candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) para acusar o adversário Guilherme Boulos (PSOL) de ter sido internado em surto por uso de cocaína, faleceu em 2022 e não tinha especialização em psiquiatria, segundo dados da inscrição do profissional no Conselho Federal de Medicina (CFM).
Conforme a ficha de Sousa no órgão da classe médica, ele se inscreveu pela primeira vez no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) em 1972, e também tinha uma inscrição secundária ativa no Espírito Santo (CRM-ES). Em São Paulo, ele tinha o número de registro 17064-SP e aparece sem especialidade registrada. Nos dados do Espírito Santo (nº ES/13972), é apontado como especialista em medicina do trabalho e em patologias clínicas e medicina laboratorial – a área responsável por realizar exames. Caso a internação fosse verdadeira, Boulos deveria ter sido atendido por um médico especializado em psiquiatria.
O Estadão descobriu que a assinatura de Souza que aparece no laudo também não corresponde às encontradas em documentos oficiais, como a CNH do médico e uma procuração assinada por ele em um processo contra a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
Em 2019, Souza, então com 79 anos e portador de Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), uma doença rara do sangue, entrou com um pedido de mandado de segurança exigindo que o Estado fornecesse o medicamento Eculizumabe Soliris, necessário para controlar sua condição e evitar complicações graves. A assinatura presente nessa procuração é diferente da presente no documento divulgado por Marçal.
Segundo uma secretária que trabalhou com Souza durante 31 anos, o médico nunca atendeu na clínica Mais Consultas, a que aparece no laudo. Em entrevista ao jornal O Globo, Iolanda Rodrigues afirmou que desejava zelar pelo nome do falecido patrão. Ela mencionou que ele era patologista e hematologista, ou seja, estudava o sangue e órgãos internos, especialidades normalmente associadas à realização de diagnósticos. Souza ainda fundou o Instituto de Hematologia e Hemoterapia de Campinas (IHHC).
Inconsistências
A assinatura do médico é apenas uma das inconsistências encontradas no laudo divulgado por Marçal. Confira outras:
- O documento afirma que Boulos teria sido atendido às 16h45, mas naquela tarde o psolista se encontrou com o vereador Emerson Osasco (PCdoB). O vereador publicou uma foto naquela mesma data e nesta sexta-feira, 5, confirmou que o encontro ocorreu no dia 19;
- Boulos publicou uma transmissão ao vivo no Facebook na manhã do dia 19;
- Boulos participou de distribuição de cestas básicas na Comunidade do Vietnã em 20 de janeiro. Foto publicada no Facebook comprova isso;
- O RG de Boulos no suposto laudo tem um erro de digitação. O número correto pode ser conferido nas certidões disponíveis no site DivulgaCand, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE);
- O nome da clínica também está errado: segundo o registro no CNPJ, o nome correto é “Mais Consultas”, e não “Mais Consulta”;
- O documento tem erros de português: “por minha atendido” e “apresentou com quadro de surto psicótico grave”;
- Boulos republicou foto e vídeo em que o dono da clínica em que teria ocorrido o atendimento, Luiz Teixeira da Silva Júnior, aparece ao lado de Marçal. A rede social dele aparece na manhã deste sábado, 5, como privada;
- Luiz Teixeira foi condenado por falsificação de documento, como mostrou o Estadão. Ele teria pagado R$ 27 mil a falsários para obter uma documentação necessária para se inscrever no Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul;
- Boulos já foi internado aos 19 anos, devido a um quadro de depressão. Na ocasião, ele foi admitido no Hospital do Servidor Público Estadual. O psolista é filho de dois médicos e professores de medicina da Universidade de São Paulo (USP). Isso levanta dúvidas de que ele tenha procurado uma clínica de menor prestígio.