Aliados de Ricardo Nunes (MDB) projetam que o bolsonarista Ricardo de Mello Araújo (PL) não será um vice decorativo em um eventual segundo mandato do emedebista. Longe de ter sido o favorito do prefeito e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para compor a chapa, o ex-comandante da Rota ganhou pontos com uma ala da campanha por ter atuado no convencimento de Jair Bolsonaro (PL), que declarou voto no prefeito às vésperas do primeiro turno.
O candidato a vice tem feito agendas de campanha tanto ao lado de Nunes quanto sozinho e se encontrado com integrantes da Prefeitura para se inteirar do funcionamento da máquina municipal. Se, de um lado, interlocutores apostam que ele terá espaço na gestão, do outro manifestam receio sobre como a atuação se daria na prática e preveem que o estilo do coronel da reserva, que militarizou a Ceagesp quando esteve à frente da empresa pública e teve problemas com o sindicato dos funcionários, pode causar atritos.
Mello Araújo disse em uma entrevista na última quinta-feira, 17, que quebrará “paradigmas” como vice e indicou que o prefeito deve lhe delegar responsabilidades. “Não necessariamente a gente precisa de cargo. Tenho conversado com o Ricardo e acredito que ele vai dar algumas responsabilidades para mim. Mas mesmo em uma situação extrema, que não vai acontecer, que o prefeito diga ‘fique na sua sala e não amola’, eu vou sair para ver se as coisas estão funcionando”, disse ele ao canal AuriVerde Brasil no YouTube.
Segundo o coronel, como vice-prefeito, ele pode ligar para o secretário da Saúde e ordenar que demita funcionários que não estejam trabalhando e também cobrar subprefeitos que não tenham desempenho satisfatório — esses cargos, normalmente, são indicações de vereadores. Mello Araújo não quis dar entrevista ao Estadão.
Inicialmente, o entorno de Nunes era contra a indicação do coronel como vice porque o consideravam um radical muito atrelado a Bolsonaro. Essa característica, avaliavam, reforçaria a ligação de Nunes com o ex-presidente e nacionalizaria a eleição, prejudicando a estratégia do prefeito de se colocar como um candidato de centro-direita preocupado em resolver os problemas da capital paulista.
Tarcísio, por exemplo, preferia a indicação da sua então secretária da Mulher, Sonaira Fernandes (PL), como vice, enquanto outros aliados defendiam que Aldo Rebelo (MDB) fosse o escolhido. Bolsonaro, no entanto, não cedeu e condicionou seu apoio à indicação de Mello Araújo.
O que era visto como problema se tornou um trunfo depois da entrada de Pablo Marçal (PRTB) e da necessidade de estancar a migração de eleitores bolsonaristas para o ex-coach. Mello Araújo atuou como uma “ponte” nos momentos mais críticos entre a campanha e Bolsonaro, preocupado em se preservar politicamente diante da simpatia de seus eleitores por Marçal. O trabalho rendeu frutos: às vésperas da votação, o ex-presidente fez uma transmissão ao vivo ao lado do coronel e pediu votos para Nunes.
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Nunes e Bolsonaro farão uma agenda conjunta nesta terça-feira, 22. A previsão é que eles almocem em um restaurante no Morumbi, na zona sul paulistana, com dezenas de aliados, em seguida participem de um podcast junto com Tarcísio e, depois, de um culto com o pastor Robson Rodovalho, fundador da Igreja Sara Nossa Terra.
“O Mello tem ajudado muito, inclusive em agendas solo. Toda vez que a gente precisa, porque o Ricardo às vezes tem acúmulo de agendas, ele tem feito agendas sozinho”, disse Baleia Rossi (MDB), coordenador da campanha e presidente do MDB. “Ele tem colaborado nessa interlocução com Bolsonaro e participado efetivamente de visitas, caminhadas e reuniões”, acrescentou.
O quadro contrasta com o enfrentado pelo próprio prefeito há quatro anos. Escolhido para ser vice de Bruno Covas (PSDB), Nunes foi escanteado pelos tucanos após vir à tona o boletim de ocorrência registrado por sua esposa em 2011, na qual ela relata que o prefeito, inconformado com a separação, a ameaçava diariamente por mensagens e ligações.
“Éramos tratados quase como párias”, diz um aliado de Nunes que acompanhou de perto a eleição anterior e agora integra o núcleo da campanha do emedebista. Ele relata que o prefeito, pela experiência de 2020, pediu para os correligionários darem atenção especial a Mello Araújo de modo que ele se sentisse parte da campanha.
Guilherme Boulos (PSOL), por sua vez, tenta utilizar a presença do indicado de Bolsonaro na chapa para desgastar Nunes. O psolista recuperou uma fala de Mello Araújo em 2017: quando era comandante da Rota, ele disse em uma entrevista que os policiais deveriam ter abordagens diferentes no Jardins e na periferia.
“O coronel Mello Araújo prestou mais de 30 anos de serviço para a Polícia Militar. Ele recebeu a medalha Cruz de Sangue, quando o policial está em uma ação e é alvejado com um tiro”, disse Nunes ao sair em defesa do aliado no debate da Band na segunda-feira passada, 14, após Boulos mencionar o assunto. Como mostrou o Estadão, Mello Araújo foi investigado oito vezes por homicídio em sua atuação como policial — a campanha diz que todos os casos foram arquivados pela Justiça ainda na fase de investigação.
O coronel da reserva entrou no radar de Bolsonaro em 2018 quando, como comandante da Rota, declarou voto no então candidato. Dois anos depois, foi convidado pelo agora presidente para comandar a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp).
A gestão na Ceagesp foi marcada pela militarização da empresa pública e por confrontos com o Sindicato dos Empregados em Centrais de Abastecimento de Alimentos do Estado de São Paulo (Sindbast). O ex-comandante da Rota preencheu a maioria dos cargos comissionados com policiais militares aposentados. Ele também instalou um clube de tiro na sede da companhia, na Vila Leopoldina, zona oeste da capital.
Mello Araújo tentou expulsar o Sindbast da Ceagesp, mas foi impedido pela Justiça. A direção da entidade acusa o coronel de ter invadido o sindicato com seguranças armados após a decisão judicial. Em nota divulgada à época, o Sindbast alegou que os funcionários e os diretores da entidade de classe foram intimidados pelos homens armados que acompanhavam o ex-comandante da Rota.