BRASÍLIA - Depois de ter afirmado reiteradamente que não tinha conhecimento de nenhum conjunto de joias enviado pelo regime da Arábia Saudita, a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro admitiu que recebeu, no Palácio da Alavorada, o segundo pacote de joias que entrou ilegalmente no Brasil e que está avaliado em, pelo menos, R$ 1 milhão.
Ao chegar nesta terça-feira, 25, no Congresso Nacional, para uma reunião com lideranças do PL, Michelle foi questionada pela imprensa a respeito do depoimento revelado pelo Estadão, no qual uma funcionária do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) e que atuava no setor durante a gestão Bolsonaro afirmou, à Polícia Federal, que a então primeira-dama recebeu os itens no dia 29 de novembro de 2022.
Questionada sobre o assunto, Michelle tentou argumentar que, quando disse ter desconhecimento sobre os presentes milionários, se referia apenas aos itens avaliados em cerca de R$ 16,5 milhões e que ficaram retidos na alfândega de Guarulhos, em 3 de março, quando a comitiva do governo Bolsonaro tentou entrar no Brasil sem declarar os itens à fiscalização. Segundo a ex-primeira-dama, seu desconhecimento não incluiria “joias masculinas”, mas apenas as femininas, que, conforme disse o então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, eram destinadas a Michelle Bolsonaro.
“Essas joias que chegaram no Alvorada foram joias masculinas. Então, estão me associando ao primeiro caso (do conjunto de diamantes apreendido pela Receita Federal), quando eu falei que não sabia, e não sei mesmo, tanto que essas joias continuam apreendidas, e essa, do Alvorada, está na Caixa Econômica Federal. O que que eu tenho a ver com isso?”, questionou a ex-primeira-dama, ao ser abordada por jornalistas.
O conjunto só foi entregue à Caixa após a revelação do caso pelo Estadão, o que culminou na determinação do Tribunal de Contas da União, para que Bolsonaro devolvesse os itens recebidos ilegalmente. Até aquele momento, o casal Bolsonaro silenciou sobre a existência deste segundo pacote de joias, bem como de um terceiro pacote, que também foi enviado à Caixa depois de nova reportagem revelar que este havia ficado irregularmente com Bolsonaro.
Perguntada sobre o fato de ter recebido joias que entraram ilegalmente no País, Michelle se esquivou do assunto. A ex-primeira-dama resistiu em reconhecer o fato de que recebeu as joias em suas próprias mãos, mas acabou por admitir que teve a posse do segundo pacote. “Foi tudo feito pelo trâmite administrativo. Eu não (recebi em mãos). Ela (a caixa joias) estava no Alvorada. Ela é passada pela administração. Ela estava no Alvorada. Eu morava onde? No alvorada”, afirmou, o que significa, na prática, que recebeu e ficou com os itens irregulares, mantendo-os guardados na Fazenda Piquet e sem o conhecimento das autoridades.
Como mostrou o Estadão, o segundo kit de joias chegou ao Brasil pelas mãos da comitiva do então ministro de Minas e Energia (MME), Bento Albuquerque, em outubro de 2021, e entrou ilegalmente no País, burlando a Receita Federal. O estojo de cinco itens inclui um relógio da marca Chopard que custa cerca de R$ 800 mil. O modelo suíço, conhecido como L.U.C. Tourbillon Qualité Fleurier Fairmined, teve apenas 25 unidades produzidas em todo o mundo. As outras quatro joias são uma caneta, um anel, um par de abotoaduras e um rosário, todos em ouro cravejado de diamantes.
Estimativa iniciais apontam que o valor desse kit ultrapassa facilmente a cifra de R$ 1 milhão. À Polícia Federal, o Departamento de Documentação Histórica declarou que o conjunto, quando despachado para o Palácio da Alvorada, chegou a ser estimado em cerca de US$ 500 mil, o que equivale a R$ 2,5 milhões.
Desde que o escândalo foi revelado pelo Estadão em 3 de março, Michelle vinha negando conhecimento sobre as joias presenteadas pelos sauditas. As novas revelações colocam a ex-primeira-dama diretamente dentro do caso e mostram que não era apenas Bolsonaro que tinha conhecimento dos presentes.
A caixa trazida por assessores do Ministério de Minas e Energia foi recebida pela funcionária, além de seu chefe Erick Moutinho Borges e o museólogo Raniel Fernandes. Naquele momento, foi informado pelos funcionários do MME que Bolsonaro já tinha visualizado o presente. Foi quando os funcionários fizeram uma pesquisa para ter uma avaliação, ainda que informal, dos valores das joias. Após checarem as avaliações, o chefe do GADH à época, Marcelo Vieira, informou que, por razões de segurança, o conjunto deveria ser entregue ao Palácio da Alvorada.
A partir deste momento, conforme relatou a funcionária, um servidor do Alvorada foi até o Palácio do Planalto para buscar a caixa com as joias. Momentos depois, então, o administrador do Alvorada, responsável por gerenciar a residência oficial no governo Bolsonaro, entrou em contato diretamente com a servidora. Tratava-se do pastor Francisco de Assis Castelo Branco, braço-direito de Michelle e que atuava como um “síndico” da residência oficial. Em seu contato com a funcionária, Castelo Branco foi claro, “informando que a caixa com as joias já estava na posse da primeira-dama, Michelle Bolsonaro”, conforme a funcionária declarou à PF.