BRASÍLIA – Desde que o PL começou a campanha de filiação online, há seis meses, 29.514 mulheres entraram no partido. O número corresponde a quase 8% da representação feminina na sigla, estimada hoje em 371,8 mil. O avanço é atribuído pela cúpula liberal à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que há um ano preside o PL Mulher.
Michelle tem sido preparada nas fileiras do PL para ser uma espécie de ‘plano B’, herdeira do capital político do marido, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível até 2030. Ela já visitou 20 capitais e até maio sua agenda inclui compromissos em outras sete.
A partir da segunda quinzena deste mês, a ex-primeira-dama começará a gravar vídeos para candidatos a prefeito, que serão liberados durante a campanha eleitoral. A lista começa por Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo que concorre ao segundo mandato, com apoio de Bolsonaro.
A incursão da evangélica Michelle na política fez acender o sinal de alerta no Palácio do Planalto num momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta queda de popularidade nas pesquisas até mesmo no Nordeste, reduto do PT. Não é à toa que Lula tem tentado se aproximar dos evangélicos – segmento perdido para o bolsonarismo – e vem citando Deus em seus discursos.
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Ainda não está definido se a ex-primeira-dama vai disputar uma cadeira no Senado, à sucessão de Lula ou mesmo a vice, mas o fato é que ela tomou gosto pelo palanque e seu nome estará na urna eletrônica de 2026.
Nos atos do PL Mulher, Michelle faz treinamentos motivacionais de candidatas a prefeituras e a Câmaras Municipais, promove filiações e ataca Lula. A estratégia usada para arrebanhar as discípulas do ex-presidente ocorre quase todos os fins de semana. Neste sábado, 6, por exemplo, ela e Bolsonaro estavam em Maceió (AL). No último dia 23, em Boa Vista (AC), Michelle acusou o governo de ter jogado os holofotes sobre a denúncia do desaparecimento de móveis no Palácio da Alvorada – encontrados meses depois – como “álibi” para poder fazer compras. “Não se encontra o que não se perdeu”, fustigou.
Até outubro, quando haverá o primeiro turno das eleições municipais, Michelle visitará 150 cidades. “Todo o nosso pessoal que é candidato quer que ela passe no seu município”, disse Costa Neto. Tanto aliados de Lula como seguidores de Bolsonaro avaliam que o embate será “nacionalizado”.
O PL pretende eleger 1,3 mil prefeitos. Em São Paulo, o partido de Bolsonaro terá o candidato a vice na chapa de Ricardo Nunes. No fim de março, o Tribunal de Justiça de São Paulo multou Nunes em R$ 50 mil por ter entregue o título de cidadã honorária à ex-primeira-dama, no Theatro Municipal, quando havia decisão proibindo o uso daquele espaço por desvio de funcionalidade. O prefeito recorreu da sentença.
Autor do projeto que concedeu a homenagem, o vereador Rinaldi Digilio (União Brasil-SP) declarou ter feito um empréstimo de R$ 100 mil para pagar o aluguel do Municipal. O PSOL impetrou ações na Justiça e no Ministério Público por considerar que o prefeito e seus aliados usaram o teatro para fins eleitorais.
“Gente, vamos criar juízo. Que democracia é essa? Democracia da hipocrisia?”, reagiu Nunes, numa referência a seu adversário Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura. “Michelle Bolsonaro é uma cidadã paulistana como qualquer outra.”
‘Ela tem os votos de Bolsonaro tanto para o bem como para o mal’
Uma sondagem encomendada pelo PP do senador Ciro Nogueira (PI) ao instituto Paraná Pesquisas, no mês passado, indicou qual seria o potencial de Michelle em um confronto com Lula. O levantamento mostrou que, se as eleições para o Planalto fossem hoje, a ex-primeira-dama ficaria em situação de empate técnico com o presidente, caso tivesse o aval de Bolsonaro.
No cenário em que os entrevistados são instados a escolher alguns nomes apresentados, Lula aparece com 44,5% das intenções de voto e Michele, com 43,4%. Ela fica à frente até mesmo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que, com a ajuda do ex-presidente, chega a 40,8%. Tarcísio é, até agora, o nome mais citado por aliados de Bolsonaro para a corrida ao Planalto, em 2026.
“Quem sabe não está na hora de ter uma mulher da direita como candidata ao Planalto?”, perguntou Ciro Nogueira, presidente do PP. “Mas isso é uma decisão do presidente Bolsonaro. Quem ele apoiar, eu garanto que levo o apoio do Progressistas”, emendou o senador, que foi ministro da Casa Civil.
Na prática, Ciro trabalha para ser vice em uma chapa apoiada por Bolsonaro. “Terei muito orgulho”, disse ele ao Estadão. O diretor do instituto Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo, afirmou, porém, que Michelle também puxa a rejeição de Bolsonaro.
“Ela tem os votos dele tanto para o bem como para o mal”, constatou Hidalgo. “Mas, atualmente, vejo mais potencial na ex-primeira-dama por ser mulher, por não ter o desgaste do poder e por ser evangélica.”
Hoje vendedora de produtos de beleza assinados por ela e pelo maquiador e influenciador digital Agustin Fernandez, Michelle já frequentou a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, liderada por Silas Malafaia, pastor que celebrou seu casamento e financiou o ato de 25 de fevereiro na Avenida Paulista, em São Paulo. Depois de um tempo, no entanto, deixou aquela denominação e se tornou intérprete de Libras da Igreja Batista. Em todos os encontros e cultos dos quais participa, a ex-primeira-dama adota tom de pregação ao microfone e, muitas vezes, se ajoelha e chora.
“Nem eu sabia que a Michelle falava tão bem assim”, confidenciou Bolsonaro a Costa Neto, quando ainda podia conversar com ele. Alvos de investigação da Polícia Federal sobre tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023, Bolsonaro e Costa Neto foram impedidos de manter contato pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
“Como é difícil para nós, mulheres, estarmos à frente da política”, discursou Michelle na Avenida Paulista, em 25 de fevereiro, no ato de apoio a Bolsonaro.
Vestida com uma camiseta na qual se destacavam as cores da Bandeira e a inscrição “Ore pelo Brasil”, a ex-primeira-dama cumpriu ali o papel que vem desempenhando sem alarde: reunir o eleitorado religioso em torno do bolsonarismo.
“Por um bom tempo, fomos negligentes a ponto de dizer que não poderia misturar política com religião. E o mal ocupou o espaço”, afirmou Michelle naquele dia. “Chegou o momento, agora, da libertação. (...). Continuem orando, continuem clamando porque eu sei que o nosso Deus, do alto dos céus, irá nos conceder um socorro”, continuou ela, aplaudida pelos eleitores.
Discurso é de que denúncia de golpe foi gerada no ‘mundo espiritual’
Às mais diferentes plateias, Michelle sempre diz que todas as acusações contra Bolsonaro foram geradas “no mundo espiritual”. Ao cumprir mandados de busca e apreensão, a Polícia Federal já encontrou três minutas golpistas, uma delas na sede do PL, que previam a declaração de estado de sítio no País e, como ato contínuo, um decreto de Garantia da Lei e da Ordem, para impedir a posse de Lula.
“Tudo isso não passa de narrativa. É uma provação que o casal está passando”, resumiu a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. “A Michelle é uma mulher movida a muita fé e entende que eles estão sendo testados. Mas Deus vai fazer justiça.”
Damares observa que a ex-primeira-dama, de quem é amiga, deve ser candidata ao Senado, mas não à cadeira de Sergio Moro (União Brasil-PR), caso o ex-juiz da Lava Jato tenha o mandato cassado.
“Ela não que mudar para o Paraná por causa das filhas, mas hoje aceita bem a ideia de ser senadora pelo Distrito Federal”, relatou Damares. “Tenho para mim que ela também seria um belo nome para candidata a vice-presidente pela direita.”
Ao ser perguntada sobre a oposição de Bolsonaro a esse arranjo, a senadora não titubeou na resposta. “Ele também não queria que eu fosse candidata, em 2022″, devolveu, rindo. À época, Michelle fez campanha para Damares, enquanto Bolsonaro pedia votos para Flávia Arruda, também ex-ministra.
Secretária nacional do movimento Mulheres Republicanas, Damares revelou ter um pacto com Michelle: uma não vai no mesmo mês no Estado em que a outra está promovendo a catequese feminina.
“Claro que eu quero roubar todas as mulheres do PL para mim e a Michelle quer as do Republicanos para ela. Mas a gente entende que, lá na ponta, esses dois partidos vão caminhar juntos”, argumentou a senadora.
As duas são tão amigas que mantêm até hoje um grupo também formado por Angela Gandra, ex-secretária da Família, e Ives Gandra Martins Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), além do casal Marcos e Fabiane Carvalho.
Batizado de “Confraria Damaroca”, apelido dado por Michelle a Damares, o grupo se reúne para jantar, tomar vinhos e assistir a filmes. “Tomamos uns vinhos longe dos pastores”, diverte-se Damares. “É um momento para a gente rir, conversar e fazer reflexões. Mas, neste ano, a confraria ainda não se encontrou.”