Moraes pode ser assistente de acusação em casos que o atingem? Especialistas explicam


‘Brecha’ no artigo 268 do Código de Processo Penal permite a medida, mas especialistas apontam necessidade de aprofundar o debate e modernizar a lei

Por Isabella Alonso Panho

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli de permitir o ingresso do também ministro Alexandre de Moraes e familiares dele como assistentes de acusação no inquérito em que são vítimas tem como único fundamento um artigo do Código de Processo Penal (CPP). Segundo especialistas, a legislação tem uma “brecha”, que permite, na prática, que a vítima participe da fase de investigação. A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu nesta segunda-feira, 30.

“Inicio admitindo Alexandre de Moraes, Viviane Barci de Moraes, Gabriela Barci de Moraes, Alexandre Barci de Moraes e Giuliana Barci de Moraes, na qualidade de assistentes, nos termos do art. 268, CPP”, escreveu Dias Toffoli na decisão monocrática (individual) que foi publicada no último dia 23. No recurso, a PGR argumenta que é inconstitucional ter assistente de acusação na fase de inquérito e que as vítimas não poderiam desempenhar esse papel.

Dias Toffoli (dir.) permitiu o ingresso de Alexandre de Moraes (esq.) como assistente de acusação no caso das agressões no aeroporto de Roma Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO
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O artigo do Código de Processo Penal diz que “em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal”. Ou seja, o texto da lei é claro ao dizer que a intervenção como assistente deve ocorrer na fase de processo. Porém, ao mesmo tempo, a lei não proíbe a intervenção na fase de inquérito.

O assistente de acusação age no processo penal como um “auxiliar” do Ministério Público e, a partir do momento em que um juiz concede a alguém esse status, a pessoa tem alguns direitos, como apresentar alegações finais e interpor recursos. Podem ser assistente de acusação a vítima do crime investigado ou, se ela não estiver mais viva, os seus familiares.

Processo penal vem mudando para dar mais espaço para a vítima

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Um fenômeno parecido ocorreu na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco. Embora a dinâmica do crime tenha sido esclarecida pela polícia, ainda não se sabe quem foi o mandante da execução. Diferentemente de Moraes, que teve seu pedido atendido de pronto, a família de Marielle teve que recorrer até Brasília para poder participar do inquérito.

“A 6ª Turma do STJ reverteu uma decisão da Justiça Estadual do Rio de Janeiro, para dar acesso aos autos da investigação aos familiares das vítimas (Marielle e Anderson), permitindo que contribuam com a investigação”, aponta José Carlos Abissamra Filho, advogado e doutor em Direito Penal pela PUC São Paulo.

A família da vereadora assassinada Marielle Franco foi até o STJ para ter o direito de ser assistente de acusação das investigações do caso Foto: MAURO PIMENTEL/AFP
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O Código de Processo Penal Brasileiro é de 1941 e, de lá para cá, muita coisa mudou nas outras legislações e também nas polícias. “O papel de vítima, que antes era secundário no nosso sistema, vem cada vez ganhando mais espaço. O tema está em constante discussão na jurisprudência, mas o fato é que a vítima, segundo o entendimento mais moderno, tem o direito de contribuir com as investigações, seja como assistente acusação ou como cidadão”, afirmou o advogado.

Participação da vítima está relacionada à produção de provas

De acordo com o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alexis de Couto Brito, doutor em Processo Penal pela USP, o Código quase não trata do inquérito policial e, por isso, a intervenção da vítima não está prevista na lei, mas sobrevive na prática.

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“Como o inquérito é um procedimento administrativo investigatório, formalmente conduzido por um delegado de polícia que tem total autonomia, não faria sentido a vítima participar ativamente”, disse. O ingresso como assistente ficaria para a fase de processo, porque ali há contraditório.

No relatório que a Polícia Federal fez sobre as imagens enviadas pelas autoridades italianas, os peritos concluíram que o empresário Roberto Mantovani ‘aparentemente’ bateu no rosto do filho do ministro Alexandre de Moraes Foto: Reprodução/STF

Brito explica que, no dia a dia do processo penal, é comum que as vítimas participem do inquérito, “mesmo que não haja um despacho judicial admitindo-a como assistente”. Ele lembra que há investigações, inclusive, que começam por representações encaminhadas à polícia. A vítima, por meio de um advogado, leva às autoridades o caso e alguns elementos de prova que ela julga importantes.

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Outra questão levantada pelo professor é que as provas que vão fundamentar o processo são produzidas na fase de inquérito. No caso de Alexandre de Moraes, por exemplo, a Polícia Federal elaborou um laudo com descrições do vídeo recebido das autoridades italianas. O material está em segredo de Justiça e apenas o perito indicado pelo advogado dos investigados pode ver as imagens, para fazer outro laudo com a sua interpretação sobre elas.

Decisão de Toffoli ignora a complexidade da discussão

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O ex-defensor público e professor Caio Paiva lembra que já existem recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, acolhidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para que se faça uma alteração legal para regulamentar a participação das vítimas na fase de inquérito.

O assunto foi parar na mesa da entidade internacional pelo caso Favela Nova Brasília, no qual o Brasil foi condenado por violações a direitos humanos. Em operação policial na comunidade carioca, que fica dentro do Complexo do Alemão, feita nos dias 18 de outubro de 1994 e 8 de maio de 1995, 26 homens foram assassinados e três mulheres foram vítimas de violência sexual. O local é palco constante de conflitos e é onde o jornalista Tim Lopes foi assassinado em 2002.

Policiais militares na Favela de Nova Brasília, no Rio de Janeiro, na operação que procurava o corpo do jornalista Tim Lopes, assassinado dentro da comunidade em 2002 Foto: WILTON JUNIOR / AE

“O ministro Dias Toffoli ignorou qualquer discussão a respeito do tema e simplesmente admitiu o ministro Alexandre de Moraes e seus familiares como assistentes. Isso é ruim e gera uma evitável exposição do Tribunal a críticas”, afirmou.

PGR argumenta que decisão é inconstitucional e estabelece ‘privilégio’

No recurso apresentado nesta segunda-feira, a PGR disse que a medida autorizada por Toffoli é “inconstitucional”, porque permitiria que Moraes e seus familiares fizessem o papel da acusação.

“Admitir referida ‘assistência’ na fase inquisitorial desvirtua, inconstitucional e ilegalmente, o escopo do instituto da assistência à acusação, que é o de possibilitar às supostas vítimas intervirem na ação pública, mas jamais o de conduzirem ou produzirem provas no inquérito policial”, diz o recurso.

Elizeta Maria de Paiva Ramos, PGR interina, chamou de "privilégio" a condição de assistente de acusação deferida a Moraes Foto: Carlos Moura/STF

A PGR também fala que o que foi decido por Toffoli “não tem precedente” e é um “privilégio”. “Tal privilégio jamais foi admitido para quaisquer das autoridades acima elencadas, nem mesmo para o presidente da República”, dizem a procuradora-geral da República interina, Elizeta Maria de Paiva Ramos, e a vice-procuradora-geral da República, Ana Borges Coêlho Santos.

O pedido também é para que a Corte revise o sigilo decretado sobre o vídeo, pedindo que ele seja tornado público, assim como o restante do inquérito.

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli de permitir o ingresso do também ministro Alexandre de Moraes e familiares dele como assistentes de acusação no inquérito em que são vítimas tem como único fundamento um artigo do Código de Processo Penal (CPP). Segundo especialistas, a legislação tem uma “brecha”, que permite, na prática, que a vítima participe da fase de investigação. A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu nesta segunda-feira, 30.

“Inicio admitindo Alexandre de Moraes, Viviane Barci de Moraes, Gabriela Barci de Moraes, Alexandre Barci de Moraes e Giuliana Barci de Moraes, na qualidade de assistentes, nos termos do art. 268, CPP”, escreveu Dias Toffoli na decisão monocrática (individual) que foi publicada no último dia 23. No recurso, a PGR argumenta que é inconstitucional ter assistente de acusação na fase de inquérito e que as vítimas não poderiam desempenhar esse papel.

Dias Toffoli (dir.) permitiu o ingresso de Alexandre de Moraes (esq.) como assistente de acusação no caso das agressões no aeroporto de Roma Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

O artigo do Código de Processo Penal diz que “em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal”. Ou seja, o texto da lei é claro ao dizer que a intervenção como assistente deve ocorrer na fase de processo. Porém, ao mesmo tempo, a lei não proíbe a intervenção na fase de inquérito.

O assistente de acusação age no processo penal como um “auxiliar” do Ministério Público e, a partir do momento em que um juiz concede a alguém esse status, a pessoa tem alguns direitos, como apresentar alegações finais e interpor recursos. Podem ser assistente de acusação a vítima do crime investigado ou, se ela não estiver mais viva, os seus familiares.

Processo penal vem mudando para dar mais espaço para a vítima

Um fenômeno parecido ocorreu na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco. Embora a dinâmica do crime tenha sido esclarecida pela polícia, ainda não se sabe quem foi o mandante da execução. Diferentemente de Moraes, que teve seu pedido atendido de pronto, a família de Marielle teve que recorrer até Brasília para poder participar do inquérito.

“A 6ª Turma do STJ reverteu uma decisão da Justiça Estadual do Rio de Janeiro, para dar acesso aos autos da investigação aos familiares das vítimas (Marielle e Anderson), permitindo que contribuam com a investigação”, aponta José Carlos Abissamra Filho, advogado e doutor em Direito Penal pela PUC São Paulo.

A família da vereadora assassinada Marielle Franco foi até o STJ para ter o direito de ser assistente de acusação das investigações do caso Foto: MAURO PIMENTEL/AFP

O Código de Processo Penal Brasileiro é de 1941 e, de lá para cá, muita coisa mudou nas outras legislações e também nas polícias. “O papel de vítima, que antes era secundário no nosso sistema, vem cada vez ganhando mais espaço. O tema está em constante discussão na jurisprudência, mas o fato é que a vítima, segundo o entendimento mais moderno, tem o direito de contribuir com as investigações, seja como assistente acusação ou como cidadão”, afirmou o advogado.

Participação da vítima está relacionada à produção de provas

De acordo com o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alexis de Couto Brito, doutor em Processo Penal pela USP, o Código quase não trata do inquérito policial e, por isso, a intervenção da vítima não está prevista na lei, mas sobrevive na prática.

“Como o inquérito é um procedimento administrativo investigatório, formalmente conduzido por um delegado de polícia que tem total autonomia, não faria sentido a vítima participar ativamente”, disse. O ingresso como assistente ficaria para a fase de processo, porque ali há contraditório.

No relatório que a Polícia Federal fez sobre as imagens enviadas pelas autoridades italianas, os peritos concluíram que o empresário Roberto Mantovani ‘aparentemente’ bateu no rosto do filho do ministro Alexandre de Moraes Foto: Reprodução/STF

Brito explica que, no dia a dia do processo penal, é comum que as vítimas participem do inquérito, “mesmo que não haja um despacho judicial admitindo-a como assistente”. Ele lembra que há investigações, inclusive, que começam por representações encaminhadas à polícia. A vítima, por meio de um advogado, leva às autoridades o caso e alguns elementos de prova que ela julga importantes.

Outra questão levantada pelo professor é que as provas que vão fundamentar o processo são produzidas na fase de inquérito. No caso de Alexandre de Moraes, por exemplo, a Polícia Federal elaborou um laudo com descrições do vídeo recebido das autoridades italianas. O material está em segredo de Justiça e apenas o perito indicado pelo advogado dos investigados pode ver as imagens, para fazer outro laudo com a sua interpretação sobre elas.

Decisão de Toffoli ignora a complexidade da discussão

O ex-defensor público e professor Caio Paiva lembra que já existem recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, acolhidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para que se faça uma alteração legal para regulamentar a participação das vítimas na fase de inquérito.

O assunto foi parar na mesa da entidade internacional pelo caso Favela Nova Brasília, no qual o Brasil foi condenado por violações a direitos humanos. Em operação policial na comunidade carioca, que fica dentro do Complexo do Alemão, feita nos dias 18 de outubro de 1994 e 8 de maio de 1995, 26 homens foram assassinados e três mulheres foram vítimas de violência sexual. O local é palco constante de conflitos e é onde o jornalista Tim Lopes foi assassinado em 2002.

Policiais militares na Favela de Nova Brasília, no Rio de Janeiro, na operação que procurava o corpo do jornalista Tim Lopes, assassinado dentro da comunidade em 2002 Foto: WILTON JUNIOR / AE

“O ministro Dias Toffoli ignorou qualquer discussão a respeito do tema e simplesmente admitiu o ministro Alexandre de Moraes e seus familiares como assistentes. Isso é ruim e gera uma evitável exposição do Tribunal a críticas”, afirmou.

PGR argumenta que decisão é inconstitucional e estabelece ‘privilégio’

No recurso apresentado nesta segunda-feira, a PGR disse que a medida autorizada por Toffoli é “inconstitucional”, porque permitiria que Moraes e seus familiares fizessem o papel da acusação.

“Admitir referida ‘assistência’ na fase inquisitorial desvirtua, inconstitucional e ilegalmente, o escopo do instituto da assistência à acusação, que é o de possibilitar às supostas vítimas intervirem na ação pública, mas jamais o de conduzirem ou produzirem provas no inquérito policial”, diz o recurso.

Elizeta Maria de Paiva Ramos, PGR interina, chamou de "privilégio" a condição de assistente de acusação deferida a Moraes Foto: Carlos Moura/STF

A PGR também fala que o que foi decido por Toffoli “não tem precedente” e é um “privilégio”. “Tal privilégio jamais foi admitido para quaisquer das autoridades acima elencadas, nem mesmo para o presidente da República”, dizem a procuradora-geral da República interina, Elizeta Maria de Paiva Ramos, e a vice-procuradora-geral da República, Ana Borges Coêlho Santos.

O pedido também é para que a Corte revise o sigilo decretado sobre o vídeo, pedindo que ele seja tornado público, assim como o restante do inquérito.

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli de permitir o ingresso do também ministro Alexandre de Moraes e familiares dele como assistentes de acusação no inquérito em que são vítimas tem como único fundamento um artigo do Código de Processo Penal (CPP). Segundo especialistas, a legislação tem uma “brecha”, que permite, na prática, que a vítima participe da fase de investigação. A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu nesta segunda-feira, 30.

“Inicio admitindo Alexandre de Moraes, Viviane Barci de Moraes, Gabriela Barci de Moraes, Alexandre Barci de Moraes e Giuliana Barci de Moraes, na qualidade de assistentes, nos termos do art. 268, CPP”, escreveu Dias Toffoli na decisão monocrática (individual) que foi publicada no último dia 23. No recurso, a PGR argumenta que é inconstitucional ter assistente de acusação na fase de inquérito e que as vítimas não poderiam desempenhar esse papel.

Dias Toffoli (dir.) permitiu o ingresso de Alexandre de Moraes (esq.) como assistente de acusação no caso das agressões no aeroporto de Roma Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

O artigo do Código de Processo Penal diz que “em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal”. Ou seja, o texto da lei é claro ao dizer que a intervenção como assistente deve ocorrer na fase de processo. Porém, ao mesmo tempo, a lei não proíbe a intervenção na fase de inquérito.

O assistente de acusação age no processo penal como um “auxiliar” do Ministério Público e, a partir do momento em que um juiz concede a alguém esse status, a pessoa tem alguns direitos, como apresentar alegações finais e interpor recursos. Podem ser assistente de acusação a vítima do crime investigado ou, se ela não estiver mais viva, os seus familiares.

Processo penal vem mudando para dar mais espaço para a vítima

Um fenômeno parecido ocorreu na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco. Embora a dinâmica do crime tenha sido esclarecida pela polícia, ainda não se sabe quem foi o mandante da execução. Diferentemente de Moraes, que teve seu pedido atendido de pronto, a família de Marielle teve que recorrer até Brasília para poder participar do inquérito.

“A 6ª Turma do STJ reverteu uma decisão da Justiça Estadual do Rio de Janeiro, para dar acesso aos autos da investigação aos familiares das vítimas (Marielle e Anderson), permitindo que contribuam com a investigação”, aponta José Carlos Abissamra Filho, advogado e doutor em Direito Penal pela PUC São Paulo.

A família da vereadora assassinada Marielle Franco foi até o STJ para ter o direito de ser assistente de acusação das investigações do caso Foto: MAURO PIMENTEL/AFP

O Código de Processo Penal Brasileiro é de 1941 e, de lá para cá, muita coisa mudou nas outras legislações e também nas polícias. “O papel de vítima, que antes era secundário no nosso sistema, vem cada vez ganhando mais espaço. O tema está em constante discussão na jurisprudência, mas o fato é que a vítima, segundo o entendimento mais moderno, tem o direito de contribuir com as investigações, seja como assistente acusação ou como cidadão”, afirmou o advogado.

Participação da vítima está relacionada à produção de provas

De acordo com o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alexis de Couto Brito, doutor em Processo Penal pela USP, o Código quase não trata do inquérito policial e, por isso, a intervenção da vítima não está prevista na lei, mas sobrevive na prática.

“Como o inquérito é um procedimento administrativo investigatório, formalmente conduzido por um delegado de polícia que tem total autonomia, não faria sentido a vítima participar ativamente”, disse. O ingresso como assistente ficaria para a fase de processo, porque ali há contraditório.

No relatório que a Polícia Federal fez sobre as imagens enviadas pelas autoridades italianas, os peritos concluíram que o empresário Roberto Mantovani ‘aparentemente’ bateu no rosto do filho do ministro Alexandre de Moraes Foto: Reprodução/STF

Brito explica que, no dia a dia do processo penal, é comum que as vítimas participem do inquérito, “mesmo que não haja um despacho judicial admitindo-a como assistente”. Ele lembra que há investigações, inclusive, que começam por representações encaminhadas à polícia. A vítima, por meio de um advogado, leva às autoridades o caso e alguns elementos de prova que ela julga importantes.

Outra questão levantada pelo professor é que as provas que vão fundamentar o processo são produzidas na fase de inquérito. No caso de Alexandre de Moraes, por exemplo, a Polícia Federal elaborou um laudo com descrições do vídeo recebido das autoridades italianas. O material está em segredo de Justiça e apenas o perito indicado pelo advogado dos investigados pode ver as imagens, para fazer outro laudo com a sua interpretação sobre elas.

Decisão de Toffoli ignora a complexidade da discussão

O ex-defensor público e professor Caio Paiva lembra que já existem recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, acolhidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para que se faça uma alteração legal para regulamentar a participação das vítimas na fase de inquérito.

O assunto foi parar na mesa da entidade internacional pelo caso Favela Nova Brasília, no qual o Brasil foi condenado por violações a direitos humanos. Em operação policial na comunidade carioca, que fica dentro do Complexo do Alemão, feita nos dias 18 de outubro de 1994 e 8 de maio de 1995, 26 homens foram assassinados e três mulheres foram vítimas de violência sexual. O local é palco constante de conflitos e é onde o jornalista Tim Lopes foi assassinado em 2002.

Policiais militares na Favela de Nova Brasília, no Rio de Janeiro, na operação que procurava o corpo do jornalista Tim Lopes, assassinado dentro da comunidade em 2002 Foto: WILTON JUNIOR / AE

“O ministro Dias Toffoli ignorou qualquer discussão a respeito do tema e simplesmente admitiu o ministro Alexandre de Moraes e seus familiares como assistentes. Isso é ruim e gera uma evitável exposição do Tribunal a críticas”, afirmou.

PGR argumenta que decisão é inconstitucional e estabelece ‘privilégio’

No recurso apresentado nesta segunda-feira, a PGR disse que a medida autorizada por Toffoli é “inconstitucional”, porque permitiria que Moraes e seus familiares fizessem o papel da acusação.

“Admitir referida ‘assistência’ na fase inquisitorial desvirtua, inconstitucional e ilegalmente, o escopo do instituto da assistência à acusação, que é o de possibilitar às supostas vítimas intervirem na ação pública, mas jamais o de conduzirem ou produzirem provas no inquérito policial”, diz o recurso.

Elizeta Maria de Paiva Ramos, PGR interina, chamou de "privilégio" a condição de assistente de acusação deferida a Moraes Foto: Carlos Moura/STF

A PGR também fala que o que foi decido por Toffoli “não tem precedente” e é um “privilégio”. “Tal privilégio jamais foi admitido para quaisquer das autoridades acima elencadas, nem mesmo para o presidente da República”, dizem a procuradora-geral da República interina, Elizeta Maria de Paiva Ramos, e a vice-procuradora-geral da República, Ana Borges Coêlho Santos.

O pedido também é para que a Corte revise o sigilo decretado sobre o vídeo, pedindo que ele seja tornado público, assim como o restante do inquérito.

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