Os ministros nomeados por Luiz Inácio Lula da Silva para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pediram o impeachment de Jair Bolsonaro (PL) e deram pareceres a favor de Dilma Rousseff (PT), além do próprio presidente em ação na Corte. Nesta quinta-feira, 22, sete ministros se reúnem para analisar um processo que pode culminar na inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos sob acusação de abuso de poder.
Dentre os julgadores, dois deles têm origem na advocacia, atuaram pelos petistas e foram empossados recentemente por escolha de Lula. A atuação pretérita dos novos magistrados – Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares – não foi questionada pela defesa de Bolsonaro. Pela lei, o réu tinha 15 dias para alegar a suspeição dos ministros, após o momento em que eles foram nomeados para atuar no processo, o que não ocorreu.
Em cinco oportunidades durante o governo Bolsonaro, Marques, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos novos magistrados do TSE, viu crimes responsabilidade supostamente cometidos por Bolsonaro. Ele afirmou isso em entrevistas, manifestos e em dois pedidos de impeachment do então presidente encaminhados à Câmara.
Ex-diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Marques sempre fez defesa pública da necessidade de se opor às investidas do governo anterior contra o estado democrático de direito ao lado de outros integrantes do corpo docente da instituição. Foi assim que, em janeiro de 2021, ele e outros 1,5 mil ex-alunos da São Francisco assinaram uma petição encaminhada à Câmara pedindo o impeachment de Bolsonaro em razão da crise provocada pela falta de oxigênio em Manaus, durante a pandemia de covid-19.
Os signatários do pedido entregue a Rodrigo Maia, então presidente da Casa, alegavam: “Hoje, brasileiros de Manaus não conseguem respirar; amanhã poderão ser outros nacionais. Temos de cobrar responsabilidade – jurídica e política – de quem nos trouxe a esse caos pela inação criminosa, mas sobretudo pela sistemático ataque a tudo que poderia minimizar o sofrimento e a perda no grau que observamos. Essa omissão tem nome e se chama Jair Messias Bolsonaro”.
Pedido de impeachment de Bolsonaro assinado por Floriano de Azevedo Marques, hoje ministro do TSE
Em 8 de dezembro do mesmo ano, Marques voltou novamente a arguir o impeachment de Bolsonaro, desta vez, subscrevendo um novo pedido encabeçado pelo colega de faculdade, o jurista Miguel Reale Júnior. A iniciativa foi endossada ainda por José Carlos Dias, Antonio Cláudio Mariz de Oliveira e pelos professores Silvia Helena de Figueiredo Steiner, Helena Regina Lobo da Costa, José Rogério Cruz e Tucci e José Eduardo Campos de Oliveira Faria.
A representação dizia que por “ação e por omissão dolosas”, Bolsonaro “deu causa à proliferação dos males que levaram milhares de brasileiros à morte” na pandemia, que “não teria tido essa grandeza não fosse a arquitetada política e o comportamento adotados pelo presidente”.
Em outras oportunidades, o atual magistrado também se pronunciou pela existência, em tese, de crime de responsabilidade na conduta do presidente, como quando Bolsonaro decidiu usar sua autoridade para atingir a imprensa ou em seus ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF). Marques esteve ainda entre os juristas, como o ex-chanceler Celso Lafer, que assinaram o manifesto Estado de Direito Sempre!, reação da sociedade civil à convocação feita por Bolsonaro de manifestações para o dia 7 de setembro de 2022.
Nomeado em maio para uma das duas vagas reservadas à advocacia no TSE, Marques não quis se manifestar sobre suas manifestações na véspera do início do julgamento de Bolsonaro, na Corte.
Ex-ministro do TSE, o advogado Henrique Neves afirmou ao Estadão não crer que o fato de os atuais magistrados terem se manifestado contra ou defendido adversários políticos do ex-presidente seja fato suficiente para a defesa de Bolsonaro poder arguir a suspeição deles no julgamento. “Todos (os magistrados) que por lá passaram, em algum momento, advogaram contra ou a favor de diversos partidos políticos”, afirmou.
Henrique Neves, advogado e ex-ministro do TSE
Para o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, mesmo que quisesse, a defesa do ex-presidente não poderia mais argumentar a suspeição, pois a lei estipula o prazo de 15 dias – após o conhecimento do fato, ou seja, a nomeação do magistrado – para que isso seja feito. “Eu estudei o processo e não vi essa alegação até agora.”
Parecer
Além de Marques, Lula também nomeou para o TSE o advogado André Ramos Tavares, outro professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Ambos são apontados como próximos de Alexandre de Moraes, que é visto por apoiadores de Bolsonaro como algoz do ex-presidente. Moraes, assim como os dois novos colegas de Corte, também dá aulas na mesma instituição.
O nome de Tavares não consta das petições pelo impeachment de Bolsonaro. A razão, talvez, esteja nos trabalhos anteriormente assinados pelo hoje magistrado: Tavares é responsável por dois pareceres importantes na história recente do petismo. Um considerava ilegal o impeachment contra Dilma, datado de 2015, e outro dizia que Lula podia concorrer à eleição de 2018, apesar de preso e condenado pela Lava Jato.
Em seu parecer de oito anos atrás, o professor afirmou que não haveria “mais democracia no Brasil pós-1988 em virtude de eventual sucesso na banalização do processo de impeachment, com sua abertura em face da presidente Dilma Rousseff”. De acordo com ele, o atendimento às maiorias conjunturais não configurava automaticamente uma vitória da democracia, pois o “impeachment não se confunde com o voto de desconfiança, típico dos regimes parlamentaristas”.
Leia mais
Em 2018, Tavares defendeu a derrubada da inelegibilidade de Lula pelo TSE em razão das deliberações do Comitê Internacional de Direitos Humanos das Nações Unidas, que divulgara posição favorável à tese do petista de que poderia concorrer naquele ano. De acordo com Tavares, a autonomia do Judiciário brasileiro para tratar do caso não estava acima dos tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil.
Lula teve sua candidatura negada pelo TSE em agosto de 2018 por seis votos a um após relatório da ONU afirmar que tinha o direito de concorrer. Na época, Tavares escreveu que não existia “hipótese válida, seja no direito interno, seja no internacional, para sustentar uma decisão doméstica de descumprimento da decisão do Comitê de Direitos Humanos e de seu special rapporteurs (relatores especiais)”. Para ele, isso significaria “assumir abertamente o desprezo com os direitos humanos e com o Estado de direito”.
André Tavares Ramos, novo ministro do TSE, em parecer pró-Dilma Rousseff
No ano passado, Tavares foi nomeado por Bolsonaro juiz-substituto do TSE – o presidente se opunha mais ainda aos dois outros nomes da lista tríplice que lhe fora encaminhada pelo STF. O Estadão procurou Tavares por meio da assessoria da Corte, mas não obteve resposta.
Provas
Embora não tenha se voltado contra a nomeação dos dois magistrados, a defesa de Bolsonaro questiona o fato de o relator do caso, o ministro Benedito Gonçalves, ter incluído no processo provas – documentos e áudios – que não contavam da representação inicial apresentada em 2022 pelo PDT no caso da reunião de Bolsonaro com embaixadores estrangeiros em Brasília na qual o então presidente fez acusações contra as urnas eletrônicas. O partido alega que Bolsonaro abusou do poder político ao usar a estrutura do governo para promover um ato de campanha eleitoral, transmitido por mídia governamental.
Leia Também:
De acordo com Neves, a jurisprudência da Corte afirma que nas ações de investigação de judicial eleitoral (AIJE) o relator pode incluir novas provas. “O que não pode ter é fato novo, independente, que não tenha sido trazido na inicial. Prova sobre fato anterior, que consta da inicial, suas consequências e repercussões, como forma de identificar o contexto, o TSE disse que pode”, afirmou.
O advogado Rollo concorda. E acrescentou: “Pode, sim, desde que haja oportunidade da defesa e desde que tenham relação com o fato em julgamento.”