Como fazia todas as manhãs, o cachorrinho Bartho, de 10 anos, e seu amigo Jujuba saíram para passear com seus tutores. Na noite e madrugada anteriores, um violento temporal tinha devastado a cidade. Milhares de moradores estavam sem luz, ruas e suas casas alagadas. A visão de quem acordava era a de muita destruição. Árvores caídas, muitas enredadas em fios de alta tensão da companhia de energia Enel, antiga Eletropaulo que depois de passar por vários nomes e acionistas, virou Enel, privatizada no dia 4 de junho de 2018.
Bartho caminhava sem coleira pouco à frente dos seus donos, por uma das ruas do bairro Santo Amaro, zona sul da cidade, quando encostou em um fio elétrico jogado na rua. Morreu naquele instante. A Enel levou 30 horas para desligar a corrente elétrica do fio e os donos poderem recolher o corpinho de Bartho. Rafael, o dono, descreveu em uma rede social: “Poderia ser uma criança, poderia ser uma pessoa, poderia ser qualquer um. (...)Tivemos que conter o nosso instinto de não colocar as mãos para tentar salvá-lo, por diversas vezes, tive que segurar firme na mão da minha esposa para que a gente fosse forte e ficasse ali parado ao lado dele”, escreveu Rafael.
Sim, poderia. E aconteceu. Contagem da Defesa Civil estadual apontou que o temporal atingiu e matou ao menos sete pessoas na Grande SP e no interior do Estado. Famílias tiveram que comprar geradores, comerciantes fecharam as portas, perderam estoques. Ruas ficaram alagadas. Na manhã de terça-feira, a Grande São Paulo ainda tinha 250 mil imóveis sem energia.
Na campanha do primeiro turno da eleição municipal, seis candidatos – alguns não foram em todos os debates – participaram de todo tipo de discussões. Só debates, foram 11. Sem contar sabatinas, entrevistas, enfim, tudo que se possa imaginar para saber o que os digníssimos pensavam sobre a cidade.
Apesar das perguntas, pouco falaram sobre esses temas prosaicos como a poda de árvores. Ou quem sabe o transporte coletivo que é um martírio para os cidadão. Uma que outra vez, a candidata Tabata Amaral (PSB) tocou no assunto. O mesmo aconteceu com os outros. Afinal, quem quer saber se a cidade alaga? Se as árvores estão em boas condições e os galhos cortados? Se a luz é cortada pelos galhos que destroem a fiação e o cidadão pena durante dois, três, quatro dias sem energia em casa? Ele que se dane, o importante é saber se o candidato X cheira cocaína, se o outro bate na mulher, se um terceiro tem negócios com o PCC. A maioria das denúncias sem provas. Para animar mais o público, os debates viraram programas de distração. Um joga uma cadeira, o outro dá um soco no adversário.
Mas veio o temporal e a vida real se impôs. Ai começou a busca de responsáveis. Foi o governo federal? Foi o prefeito que não cuidou da cidade, deixou de lado a zeladoria? Essa discussão vai levar vários dias e, como era de se esperar, esteve no centro do debate na Rede Bandeirantes, o primeiro do segundo turno. Até o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, um autêntico representante do Centrão, entrou na pancadaria. Fez duras críticas a Nunes. “O prefeito de São Paulo aprendeu rápido com seu concorrente Pablo Marçal a produzir fake news (...) mais de 50% dos eventos foram causados por queda de árvore na rede de média e baixa tensão”, disparou o ministro Alexandre Silveira.
No começo de maio deste ano, a Prefeitura entregou a primeira fase das obras de requalificação da Avenida Santo Amaro. Segundo a Prefeitura, foram investidos R$ 161,4 milhões. Falta ainda toda uma segunda fase. Deve ser nessa segunda etapa da obra, ainda a ser feita, que ficava a casa de Bartho. Ele ainda poderia estar vivo se a Prefeitura tivesse feito um programa simples e eficiente de poda de árvores.