“Na verdade os partidos não são capazes de tratar das questões reais que interessam ao dia a dia das pessoas. Estão cada vez mais desligados do mundo real. Isso aumenta o divórcio entre a sociedade e a política. A vida política institucional, o Congresso, os partidos, é algo que se passa lá em Brasília. O que acontece fora de Brasília é outra coisa”, escreveu Fernando Henrique Cardoso, no livro “A soma e o resto. Um olhar sobre a vida aos 80 anos” (Editora Civilização Brasileira).
Faltando poucos dias para o segundo turno da eleição que escolherá o prefeito de São Paulo, o parágrafo do capítulo “Mapa –múndi” do livro de FHC é perfeito como ponto de partida para, ainda que sem a profundidade necessária, se fazer uma análise sobre o que aconteceu, no primeiro turno eleitoral, entre partidos e candidatos na cidade mais rica da América Latina, com seus 12 milhões de habitantes.
A observação já gasta sobre como em pouquíssimas campanhas, antes desta, se falou tão pouco dos problemas, necessidades e até das qualidades de ter o privilégio de viver em São Paulo raramente foi tão fidedigna. Pode-se argumentar que os privilégios são poucos e para poucos. Assim como também dizer que os problemas e dificuldades são muitos e para muitos. Entretanto, nem sobre isso ouvimos falar ou, como diria FHC, sobre a não capacidade de os partidos políticos tratarem as questões reais que interessam ao dia a dia dos cidadãos e estarem cada vez mais desligados da vida real.
Seria leviandade atribuir o fenômeno somente ao que se passa no Brasil, por que não é. Como bem lembra o professor, cientista político e presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), Antônio Lavareda, isso está acontecendo no mundo inteiro. Por aqui, é claro que com algumas peculiaridades, como por exemplo, o fato de nosso sistema político fazer com que em uma cidade como São Paulo seja preciso escolher 1 vereador entre 1.016 candidatos. Imagine ter que escolher um prato para o jantar num cardápio com mais de mil opções. E se escolher, será que dentro de seis meses você vai lembrar o que comeu? “Existe um divórcio entre política e sociedade. Mas o que torna isso tão mais grave no Brasil?”, pergunta Lavareda.
De acordo com ele, é por que os partidos funcionam como “cartórios”, à base de fundos e benesses, ou, outra expressão que ele costuma usar, como “MEIs”. Seriam partidos, pequenas empresas ou hidropônicos que, entretanto, não perceberam que o chão está em franca transformação e que, mesmo eles crescendo na água, precisam mudar. “Eles não servem mais para as demandas de transformação da sociedade”, acrescenta o sociólogo.
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Ou como disse ao Estadão o prefeito reeleito de Recife, João Campos: os partidos que mais cresceram tiveram a capacidade de ter uma construção mais pragmática da realidade eleitoral. “É entender que as pessoas esperam que os prefeitos, que os políticos tenham a capacidade de melhorar a vida delas, de fazer gestão com qualidade, com eficiência”.
Na opinião do Coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas (MPGPP) da EAESP-FGV, Claudio Couto, os partidos se oligarquizaram, viraram um fim em si mesmos. Os eleitores os tratam com o distanciamento de quem nada do que eles façam lhes diz respeito.
E qual seria a consequência dessas campanhas, desse distanciamento entre eleitores e partidos? Temo que sejam campanhas como as que vimos agora. Socos, cadeiradas, ofensas. E quem nos disse o que pretende fazer na cidade? Quem nos explicou com quais recursos executará o que propõe? Que benefício isso trará à população. Vamos esperar que o próximo governo municipal nos esclareça ou que, dentro de quatro anos, tentemos com outros candidatos.
Não temos respostas para as ações de governo. Mas sabemos que nesta última semana as campanhas estarão a todo vapor. O prefeito Ricardo Nunes terá um evento com o ex-presidente Jair Bolsonaro e a cúpula de seus apoiadores, como o governador Tarcísio de Freitas. Mas com mais de 10 pontos à frente do adversário nas pesquisas, não prevê nenhuma extravagância, pelo menos por enquanto. Já Guilherme Boulos.... prepara uma programação de dar inveja a qualquer marqueteiro. Uma de suas atividades será dormir cada noite na casa de um eleitor diferente até quinta. A ideia é virar todo e qualquer voto possível, mesmo que seja falando a noite inteira. Tenho minhas dúvidas se isso vai dar certo. Ele não tem:”Vou virar votos 24 horas por dia”.