Na semana em que chuvas torrenciais e enchentes causadas por um ciclone arrastaram um pedaço do Rio Grande do Sul para um mar de lama, revelando o lado mais cruel da natureza e, por que não, das mudanças climáticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva trocou a empatia pelo pragmatismo. Empenhado em concluir a troca de ministros e em jogar cascas de banana para ele mesmo pisar – como foi a opinião de que deveriam ser secretos os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – , Lula não visitou a região atingida pela tragédia no Sul para levar sua solidariedade às famílias que perderam mais de 40 pessoas, tudo o que tinham e ainda buscam por mais de 40 desaparecidos, enquanto as chuvas não param.
Podemos justificar o presidente dizendo que a tal da “reforma ministerial” já se arrastava há três meses e que ele não podia mais esperar pelos votos do Centrão, quando o Senado se prepara para debater a reforma tributária. É possível dizer que ele não foi ao Sul, mas mandou seu ministro da Secretaria de Comunicação (Secom), o gaúcho Paulo Pimenta, e o ministro da Integração Regional, Waldez Góes. Ao mesmo tempo, em uma rede social, Lula anunciou que o vice-presidente Geraldo Alckmin, e o ministro da Defesa, José Múcio, estariam de prontidão para ir ao Estado, caso fosse necessário.
Tornou-se tão premente que, no domingo, 10, desembarcou lá uma comitiva com Alckmin, Múcio, Marina Silva, (Meio Ambiente) e outros. Anunciaram a liberação de R$ 741 milhões. Talvez Lula não contasse com o agravamento da situação que já era uma calamidade quando ele partiu para Nova Délhi, onde participou da reunião do G-20. O Brasil assumiu a presidência do grupo e, em seus discursos, o presidente, mais de uma vez citou a tragédia. Lula viajou acompanhado da primeira dama, Janja da Silva, que, em uma rede social, comentou – e apagou depois – que sairia dançando tão logo chegasse à Índia.
Talvez Janja pudesse ter ido ver as famílias, se não estivesse tão preocupada com as danças indianas. Talvez Lula pudesse concluir a pífia mudança nos ministérios, mesmo no Rio Grande do Sul. Afinal, tratou-se somente de tirar a ministra dos Esportes, a medalhista olímpica, Ana Moser, para dar lugar ao Centrão. E de criar mais um ministério, o de Micro e Pequenas Empresas, para acomodar Márcio França, tirado dos Portos e Aeroportos, cedendo seu lugar ao Centrão.
O pragmatismo e a frieza em momentos de tragédias que comovem uma nação não combinam com a imagem de Lula. Estão, sim, incorporados à imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro, que durante um período de férias no fim de ano de 2021, ignorou uma tragédia semelhante na Bahia que deixou mais de 20 mortos e milhares de desabrigados. Enquanto os baianos contavam suas perdas humanas e o pouco que lhes sobrara depois das enchentes, Bolsonaro se refestelava em um jet ski da Marinha do Brasil, passeando às custas do contribuinte.
Em um documentário da Netflix, “Líderes que inspiram”, grandes nomes do mundo inteiro contam suas histórias e como inspiraram seus países e o planeta. Estão ali, Nelson Mandela (1918-2013); a então juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos Ruth Bader Ginsburg (1933-2020), incansável na luta contra as desigualdades, Greta Thunberg e Jacinda Arden, entre outros
A importância da presença dos grandes líderes ao lado da população em momentos como este que vive o Rio Grande do Sul tem muitos exemplos. Um deles foi Rainha Elizabeth II (1926-2022) que mais do que uma vez se referiu ao arrependimento que sentiu pelo resto de sua vida por ter postergado a visita às vítimas e sobreviventes de uma escola que fora soterrada pela lama (116 crianças e 28 adultos), na vila de Aberfan, no País de Gales. Quando ela foi, já se passara uma semana do desastre.
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Em fevereiro deste ano, no carnaval, o presidente Lula não deixou de visitar e promover reuniões com autoridades locais – entre elas o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas – depois que a região do litoral norte de São Paulo foi também atingida por fortes chuvas que deixaram centenas de desabrigados e 65 mortos. Não é do estilo de Lula substituir a empatia e o contato direto com a população por mensagens e recados, terceirizando o “olho no olho” que ele diz tanto gostar. Talvez, desta vez, tenha sido só mais um escorregão nessas cascas de banana que ele mesmo tem jogado à sua frente.