É certo que os políticos não costumam ver o cotidiano pelo mesmo prisma que os cidadãos comuns. É certo também que quanto mais alto eles alçam voo na carreira, mais distantes estarão daqueles que os elegeram. E isso sem falar naqueles servidores pagos com o dinheiro público para protegê-los da realidade e que os mantém em redomas inatingíveis. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, em uma palestra na segunda-feira, 6, no Grupo Lide e em uma entrevista coletiva, logo depois, mostrou sua avaliação do Estado que governa e suas próprias opiniões e visões da vida da população.
“Se você pegar o recorte turístico do Rio de Janeiro, pegar Copacabana, Leblon, Ipanema, Leme, as suas seguranças públicas são muito similares às de Londres e Paris”, disse esquecendo-se de que esse trecho é a área mais nobre da cidade, a maior renda per capita e tem o metro quadrado mais caro do País.
Na entrevista, ele reivindicou que o governo federal tenha uma “conversa dura”, com os países vizinhos (Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai) por que é por essas fronteiras que entram armas no Brasil. Disse que se isso não for feito, não adiantará o trabalho de apreensão que acontece no País: “Isso é igual a incêndio na casa do vizinho”.
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Sempre dizendo não querer terceirizar a responsabilidade pela grave crise na segurança do Rio de Janeiro, Castro disse que “não existem os criminosos de Lula (o presidente, Luiz Inácio Lula da Silva) ou de Paes (o prefeito do Rio, Eduardo Paes)”. O que existe, afirmou Castro, é um problema que precisa ser resolvido para não ficar “enxugando gelo”. Embora o governador concorde com a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Castro deu a entender que as Forças Armadas estão fazendo o trabalho que já seria delas e que a operação se tornou necessária apenas por uma questão jurídica, para que os militares tenham poder de polícia.
O governador também exaltou sua gestão. Disse que, um ano após a venda da Cedae, todas as praias da cidade estão aptas para o banho. E, assim como já fizeram outros governadores da região Sul e Sudeste, disse que o Rio e São Paulo têm sido muito “maltratados” pelo governo federal. Especificamente sobre as dificuldades do Rio de Janeiro, afirmou que nenhum Estado do país tem seus problemas tão expostos e “eviscerados”.
A seguir, alguns trechos, dessas manifestações feitas por Castro:
(...) “Se você pegar o recorte turístico do Rio de Janeiro, pegar Copacabana, Leblon, Ipanema, Leme, as suas seguranças públicas são muito similares às de Londres e Paris (...)”
(...) “Nós temos um prédio inteiro vocacionado para inteligência e investigações. Nós temos todos os softwares mais modernos do mundo. (...) Nosso centro integrado de comando e controle, hoje, está integrando todas as câmeras da cidade e da região metropolitana” (...)
(...) “Fizemos a maior compra de câmeras corporais do mundo. Depois do Rio de Janeiro, foi a França. O Rio comprou 21 mil câmeras. A França, o país todo, comprou 18 mil câmeras” (...)
(...) “O meu policial sequer tinha um colete (à prova de balas) e uma arma. Quando saía do plantão, deixavam. Hoje temos arma e colete para todos os policiais e de dois em dois anos, que é o tempo apropriado, trocamos 100%” (...)
(...) “Os números do Rio de Janeiro de segurança pública são os melhores dos últimos 10 anos. Mas vocês devem estar pensando: ‘governador então o que a gente viu é mentira?’ Não. Infelizmente para uma parte da sociedade, traficante é menino que não teve oportunidade e a polícia má, entra lá para matar o menino” (...)
(...) “Essa não é a verdade. A verdade é que tanto o traficante quanto o miliciano são criminosos cruéis que não têm pena de criança, não têm pena de trabalhador. E quando a filha do trabalhador encanta os traficantes, ele tem que pegar suas coisas e ir embora no meio da madrugada” (...)
(...) “O Rio de Janeiro está fazendo a parte dele” (...)
(...) “O que nós estamos falando é que o Brasil precisa entender em que lado da história ele vai querer estar. Se a gente vai ser uma mistura de México e Colômbia, piorado, ou se a gente vai querer ser um país de primeiro mundo” (...)
O problema dessas ponderações do governador é que algumas delas se confrontam com o que vemos nas ruas e nos noticiários da cidade. Criminosos com armamento pesado são uma rotina e não adianta dizer que o Brasil deve “engrossar” com os países vizinhos por onde as armas são traficadas.
As polícias do Estado precisaram da ajuda de uma operação liderada pela Polícia Federal para prender, na semana passada, o miliciano Thaillon de Alcântara, que foi confundido com um dos médicos executados na Barra da Tijuca há um mês por traficantes, numa disputa de território entre ambos os bandos.
As câmeras que o governador exaltou na palestra, em agosto, numa operação no Complexo da Penha que deixou 10 pessoas mortas e cinco feridos (dois policiais), ninguém as usava nas fardas. Segundo a Polícia Militar justificou à época, a resolução para obrigar os policiais a utilizarem os equipamentos ainda não estava pronta.
Por fim, para encerrar e lembrar ao governador um episódio que ele esqueceu na palestra, há 15 dias, 35 ônibus e um trem foram incendiados. As imagens que correram mundo e chocaram o Brasil mostram a população da zona oeste – aquela que não tem a segurança de Londres e Paris – desesperada tentando escapar da ação promovida por milicianos. Mas tem razão Castro quando diz: “O Rio de Janeiro está fazendo a parte dele”.