Labirintos da Política

Opinião|O que une Mauro Cid a PC Farias, o tesoureiro de Collor


Personagens separados por décadas frequentavam a cozinha dos presidentes e atuavam nas mais diversas tarefas em meio a acusações de irregularidades

Por Monica Gugliano
Atualização:

Reza a lenda que, de tanto em tanto, Paulo Cesar Farias, o PC, tesoureiro de campanha de Fernando Collor costumava reclamar dos gastos de Rosane, mulher de Collor, com a seguinte frase: “A madame está gastando muito”. O tempo que, segundo o então presidente era “o senhor da razão”, mostrou que PC era a pessoa com mais propriedade para fazer a afirmação.

Com a vitória e a posse de Collor, PC administrava os recursos que haviam sobrado da arrecadação da campanha e, enquanto isso, expandiu os negócios. Era ele quem cobrava propinas por obras governamentais concedidas, traficava informações, o que aparecesse. Criaram-se contas fantasmas que, administradas pelo tesoureiro, lavavam os milhões usados para pagar as extravagâncias da primeira-família.

O esquema funcionou muito bem até que o irmão de Fernando, Pedro, resolveu jogar tudo o que sabia no ventilador, neste caso nas páginas da revista Veja, que publicou, em maio de 1992, uma explosiva entrevista, feita pelo repórter Luis Costa Pinto. Sentindo-se prejudicado nos negócios, Pedro acusava o presidente da República de manter, por meio de PC, uma rede de tráfico de influência e corrupção. O título na capa da publicação já deixava pouca margem a dúvidas do que os leitores encontrariam nas oito páginas: “Pedro Collor conta tudo”.

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PC Farias funcionava com um faz tudo para Fernando Collor durante a República das Alagoas, como ficou conhecido em Brasília o período em que o primeiro presidente eleito de forma direta após a ditadura militar ocupou o poder  Foto: SERGIO AMARAL / AE - 17/12/93

Ele afirmava que PC, a quem chamava de “lepra ambulante”, era o “testa-de-ferro” do presidente nos negócios. À época, falava-se em milhões que irrigavam contas do presidente e família sempre por meio de correntistas e cheques de contas fantasmas. Era um escândalo e, a partir dele, foi criada a CPI do PC no Congresso Nacional, que durante alguns meses ouviu depoimentos, vasculhou contas bancárias, e cruzou dados e informações que incriminavam Fernando Collor e seu sócio Paulo César Farias.

Acuado, o então presidente tentou se defender de todas as maneiras possíveis. Contou histórias inverossímeis para justificar o dinheiro que o sustentava com requintes nababescos. Mas foi uma simples caminhonete Fiat Elba Weekend 1991 – hoje fora de linha – que mostrou o caminho que levou à abertura do processo de impeachment de Collor, o primeiro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar. Collor renunciou em vão para tentar impedir a conclusão do processo e, assim, manter os direitos políticos.

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PC foi processado, teve sua prisão decretada e fugiu para a Tailândia. Foi extraditado para o Brasil e cumpriu dois anos na cadeia. Teve uma morte trágica e nunca totalmente esclarecida em uma praia ao norte de Alagoas, onde seu corpo foi encontrado deitado ao lado do de sua então namorada Susana Marcolino.

É habitual em Brasília a conversa sobre os efeitos que o Poder ou a convivência nesses círculos de privilégios causam nas pessoas. Na cidade, aquela época da chegada de Collor ao Palácio do Planalto ficou conhecida com a “República de Alagoas”. O grupo reunia o entorno e achegados ao presidente da República que se elegera com o slogan de “Caçador de Marajás”, tamanha aversão e o furor com que esbravejava contra a corrupção. Eram os tempos dos charutos cubanos, bebia-se whisky Logan, as gravatas, de preferência, deviam ser Hermès e as canetas, pelo menos, Mont Blanc.

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Semelhanças no discurso com Collor marcaram chegada de Bolsonaro ao poder

Muitas décadas depois desses tempos, outro presidente, Jair Bolsonaro, também levou à Corte seus hábitos e criou suas mesuras. Não que os que passaram no meio desse período não tivessem marcado com seus costumes a cidade. Mas, aqui, trata-se de uma peculiaridade do primeiro e do último. Ambos diziam combater os corruptos e acabar com a corrupção com igual intensidade, e fizeram disso palavra de ordem de suas campanhas e mandatos.

O ex-capitão Bolsonaro, deputado federal por quase três décadas, sempre se apresentou como um homem de hábitos e costumes muito simples, quiçá espartanos, como poderíamos dizer que convém a um militar. Desde o início de seu mandato, em 2019, fez questão de mostrar que gostava de um pastel de feira, um pão com leite condensado ou um “dogão” do trailer em frente à Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ). Não bebe nem tampouco fuma.

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Antes de começar a campanha costumava dividir um prato com o general Augusto Heleno na franquia “Camarada Camarão”, restaurante de preços honestos e bem servido em um shopping no Rio. Tampouco gosta de roupas e gravatas finas e, ao que se saiba, sua indumentária favorita é uma camiseta de time de futebol – mesmo que não seja original, mas pirata – e um chinelo Rider.

Entretanto, o ex-capitão, que assumiu o cargo sob a sombra das rachadinhas e de pequenos – mas não sem importância – mal feitos, ao que parece, ampliou seus horizontes no Palácio do Planalto. E, evidentemente, também precisava de alguém ou vários alguéns, que o ajudassem nos negócios hoje investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

Eis que, ao seu lado, estava o tenente-coronel Mauro César Cid, fidelíssimo ajudante de ordens. Desde os primeiros dias no cargo, o filho do general da reserva Mauro César Lourena Cid, que fora colega de Bolsonaro na Aman, mostrou que exerceria a função de uma maneira bastante peculiar.

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Investigações da Polícia Federal têm mostrado que Mauro Cid em muitas ocasiões atuava como um faz tudo de Bolsonaro, o que se reproduziu no caso da venda e da recompra de joias Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Não se sabe se por devoção, deslumbramento com seu papel de pseudo autoridade, passou a filmar com seu celular todos os passos do chefe e, principalmente, as conversas nos encontros com apoiadores, fadadas a virarem fake news. Cuidava com fervor canino das agendas, das visitas e escolhia quem poderia ou não se aproximar do presidente. Soube-se, depois, que também administrava as despesas da família Bolsonaro, além dos cartões corporativos. E que falsificou cartões de vacinação – o que lhe rendeu esta temporada que passa na cadeia. Enfim, Cid foi o que na gíria se chama de “pau pra toda obra”.

Depositava dinheiro para Michelle e controlava uma contabilidade estranhíssima em que não se identificava de onde saíam os valores e que destino tinham, segundo as investigações. Só por uma conta de Cid, segundo o Coaf, passaram mais de R$ 3 milhões em sete meses.

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Até que apareceram os presentes árabes e Cid, mais uma vez, cumpriu sua missão. Embrenhou-se, para escândalo de muitos de seus colegas, em um tráfico de joias que foram presenteadas a Michelle e ao ex-presidente. Colar, canetas, brincos, abotoaduras, relógios vendidos e recomprados. Todos cobertos de diamantes e que, por direito, deveriam ter sido entregues ao Estado brasileiro. Fez uma dobradinha nos negócios com o pai, o general, que foi até o começo do ano chefe do escritório brasileiro da Apex em Miami, e com seus subalternos.

Como é usual em tudo que se refere a Bolsonaro, até na hora de cometer algum ilícito, existe uma certa pobreza intelectual dos mentores que, neste caso, foi encarnada por Cid. Mas há uma semelhança entre as mutretas feitas pelo ajudante de ordens, e o esquema de corrupção montado por PC Farias, que é o achaque aos cofres públicos. Ambos era homens de confiança ou, como se diz em Brasília, frequentadores da cozinha do presidente da República. A grande diferença está no fato de que os relógios, que Cid atabalhoadamente pretendia passar nos cobres em Miami, como se fosse um feirante, PC Farias os ostentava no pulso enquanto extorquia grandes empresas.

Reza a lenda que, de tanto em tanto, Paulo Cesar Farias, o PC, tesoureiro de campanha de Fernando Collor costumava reclamar dos gastos de Rosane, mulher de Collor, com a seguinte frase: “A madame está gastando muito”. O tempo que, segundo o então presidente era “o senhor da razão”, mostrou que PC era a pessoa com mais propriedade para fazer a afirmação.

Com a vitória e a posse de Collor, PC administrava os recursos que haviam sobrado da arrecadação da campanha e, enquanto isso, expandiu os negócios. Era ele quem cobrava propinas por obras governamentais concedidas, traficava informações, o que aparecesse. Criaram-se contas fantasmas que, administradas pelo tesoureiro, lavavam os milhões usados para pagar as extravagâncias da primeira-família.

O esquema funcionou muito bem até que o irmão de Fernando, Pedro, resolveu jogar tudo o que sabia no ventilador, neste caso nas páginas da revista Veja, que publicou, em maio de 1992, uma explosiva entrevista, feita pelo repórter Luis Costa Pinto. Sentindo-se prejudicado nos negócios, Pedro acusava o presidente da República de manter, por meio de PC, uma rede de tráfico de influência e corrupção. O título na capa da publicação já deixava pouca margem a dúvidas do que os leitores encontrariam nas oito páginas: “Pedro Collor conta tudo”.

PC Farias funcionava com um faz tudo para Fernando Collor durante a República das Alagoas, como ficou conhecido em Brasília o período em que o primeiro presidente eleito de forma direta após a ditadura militar ocupou o poder  Foto: SERGIO AMARAL / AE - 17/12/93

Ele afirmava que PC, a quem chamava de “lepra ambulante”, era o “testa-de-ferro” do presidente nos negócios. À época, falava-se em milhões que irrigavam contas do presidente e família sempre por meio de correntistas e cheques de contas fantasmas. Era um escândalo e, a partir dele, foi criada a CPI do PC no Congresso Nacional, que durante alguns meses ouviu depoimentos, vasculhou contas bancárias, e cruzou dados e informações que incriminavam Fernando Collor e seu sócio Paulo César Farias.

Acuado, o então presidente tentou se defender de todas as maneiras possíveis. Contou histórias inverossímeis para justificar o dinheiro que o sustentava com requintes nababescos. Mas foi uma simples caminhonete Fiat Elba Weekend 1991 – hoje fora de linha – que mostrou o caminho que levou à abertura do processo de impeachment de Collor, o primeiro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar. Collor renunciou em vão para tentar impedir a conclusão do processo e, assim, manter os direitos políticos.

PC foi processado, teve sua prisão decretada e fugiu para a Tailândia. Foi extraditado para o Brasil e cumpriu dois anos na cadeia. Teve uma morte trágica e nunca totalmente esclarecida em uma praia ao norte de Alagoas, onde seu corpo foi encontrado deitado ao lado do de sua então namorada Susana Marcolino.

É habitual em Brasília a conversa sobre os efeitos que o Poder ou a convivência nesses círculos de privilégios causam nas pessoas. Na cidade, aquela época da chegada de Collor ao Palácio do Planalto ficou conhecida com a “República de Alagoas”. O grupo reunia o entorno e achegados ao presidente da República que se elegera com o slogan de “Caçador de Marajás”, tamanha aversão e o furor com que esbravejava contra a corrupção. Eram os tempos dos charutos cubanos, bebia-se whisky Logan, as gravatas, de preferência, deviam ser Hermès e as canetas, pelo menos, Mont Blanc.

Semelhanças no discurso com Collor marcaram chegada de Bolsonaro ao poder

Muitas décadas depois desses tempos, outro presidente, Jair Bolsonaro, também levou à Corte seus hábitos e criou suas mesuras. Não que os que passaram no meio desse período não tivessem marcado com seus costumes a cidade. Mas, aqui, trata-se de uma peculiaridade do primeiro e do último. Ambos diziam combater os corruptos e acabar com a corrupção com igual intensidade, e fizeram disso palavra de ordem de suas campanhas e mandatos.

O ex-capitão Bolsonaro, deputado federal por quase três décadas, sempre se apresentou como um homem de hábitos e costumes muito simples, quiçá espartanos, como poderíamos dizer que convém a um militar. Desde o início de seu mandato, em 2019, fez questão de mostrar que gostava de um pastel de feira, um pão com leite condensado ou um “dogão” do trailer em frente à Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ). Não bebe nem tampouco fuma.

Antes de começar a campanha costumava dividir um prato com o general Augusto Heleno na franquia “Camarada Camarão”, restaurante de preços honestos e bem servido em um shopping no Rio. Tampouco gosta de roupas e gravatas finas e, ao que se saiba, sua indumentária favorita é uma camiseta de time de futebol – mesmo que não seja original, mas pirata – e um chinelo Rider.

Entretanto, o ex-capitão, que assumiu o cargo sob a sombra das rachadinhas e de pequenos – mas não sem importância – mal feitos, ao que parece, ampliou seus horizontes no Palácio do Planalto. E, evidentemente, também precisava de alguém ou vários alguéns, que o ajudassem nos negócios hoje investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

Eis que, ao seu lado, estava o tenente-coronel Mauro César Cid, fidelíssimo ajudante de ordens. Desde os primeiros dias no cargo, o filho do general da reserva Mauro César Lourena Cid, que fora colega de Bolsonaro na Aman, mostrou que exerceria a função de uma maneira bastante peculiar.

Investigações da Polícia Federal têm mostrado que Mauro Cid em muitas ocasiões atuava como um faz tudo de Bolsonaro, o que se reproduziu no caso da venda e da recompra de joias Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Não se sabe se por devoção, deslumbramento com seu papel de pseudo autoridade, passou a filmar com seu celular todos os passos do chefe e, principalmente, as conversas nos encontros com apoiadores, fadadas a virarem fake news. Cuidava com fervor canino das agendas, das visitas e escolhia quem poderia ou não se aproximar do presidente. Soube-se, depois, que também administrava as despesas da família Bolsonaro, além dos cartões corporativos. E que falsificou cartões de vacinação – o que lhe rendeu esta temporada que passa na cadeia. Enfim, Cid foi o que na gíria se chama de “pau pra toda obra”.

Depositava dinheiro para Michelle e controlava uma contabilidade estranhíssima em que não se identificava de onde saíam os valores e que destino tinham, segundo as investigações. Só por uma conta de Cid, segundo o Coaf, passaram mais de R$ 3 milhões em sete meses.

Até que apareceram os presentes árabes e Cid, mais uma vez, cumpriu sua missão. Embrenhou-se, para escândalo de muitos de seus colegas, em um tráfico de joias que foram presenteadas a Michelle e ao ex-presidente. Colar, canetas, brincos, abotoaduras, relógios vendidos e recomprados. Todos cobertos de diamantes e que, por direito, deveriam ter sido entregues ao Estado brasileiro. Fez uma dobradinha nos negócios com o pai, o general, que foi até o começo do ano chefe do escritório brasileiro da Apex em Miami, e com seus subalternos.

Como é usual em tudo que se refere a Bolsonaro, até na hora de cometer algum ilícito, existe uma certa pobreza intelectual dos mentores que, neste caso, foi encarnada por Cid. Mas há uma semelhança entre as mutretas feitas pelo ajudante de ordens, e o esquema de corrupção montado por PC Farias, que é o achaque aos cofres públicos. Ambos era homens de confiança ou, como se diz em Brasília, frequentadores da cozinha do presidente da República. A grande diferença está no fato de que os relógios, que Cid atabalhoadamente pretendia passar nos cobres em Miami, como se fosse um feirante, PC Farias os ostentava no pulso enquanto extorquia grandes empresas.

Reza a lenda que, de tanto em tanto, Paulo Cesar Farias, o PC, tesoureiro de campanha de Fernando Collor costumava reclamar dos gastos de Rosane, mulher de Collor, com a seguinte frase: “A madame está gastando muito”. O tempo que, segundo o então presidente era “o senhor da razão”, mostrou que PC era a pessoa com mais propriedade para fazer a afirmação.

Com a vitória e a posse de Collor, PC administrava os recursos que haviam sobrado da arrecadação da campanha e, enquanto isso, expandiu os negócios. Era ele quem cobrava propinas por obras governamentais concedidas, traficava informações, o que aparecesse. Criaram-se contas fantasmas que, administradas pelo tesoureiro, lavavam os milhões usados para pagar as extravagâncias da primeira-família.

O esquema funcionou muito bem até que o irmão de Fernando, Pedro, resolveu jogar tudo o que sabia no ventilador, neste caso nas páginas da revista Veja, que publicou, em maio de 1992, uma explosiva entrevista, feita pelo repórter Luis Costa Pinto. Sentindo-se prejudicado nos negócios, Pedro acusava o presidente da República de manter, por meio de PC, uma rede de tráfico de influência e corrupção. O título na capa da publicação já deixava pouca margem a dúvidas do que os leitores encontrariam nas oito páginas: “Pedro Collor conta tudo”.

PC Farias funcionava com um faz tudo para Fernando Collor durante a República das Alagoas, como ficou conhecido em Brasília o período em que o primeiro presidente eleito de forma direta após a ditadura militar ocupou o poder  Foto: SERGIO AMARAL / AE - 17/12/93

Ele afirmava que PC, a quem chamava de “lepra ambulante”, era o “testa-de-ferro” do presidente nos negócios. À época, falava-se em milhões que irrigavam contas do presidente e família sempre por meio de correntistas e cheques de contas fantasmas. Era um escândalo e, a partir dele, foi criada a CPI do PC no Congresso Nacional, que durante alguns meses ouviu depoimentos, vasculhou contas bancárias, e cruzou dados e informações que incriminavam Fernando Collor e seu sócio Paulo César Farias.

Acuado, o então presidente tentou se defender de todas as maneiras possíveis. Contou histórias inverossímeis para justificar o dinheiro que o sustentava com requintes nababescos. Mas foi uma simples caminhonete Fiat Elba Weekend 1991 – hoje fora de linha – que mostrou o caminho que levou à abertura do processo de impeachment de Collor, o primeiro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar. Collor renunciou em vão para tentar impedir a conclusão do processo e, assim, manter os direitos políticos.

PC foi processado, teve sua prisão decretada e fugiu para a Tailândia. Foi extraditado para o Brasil e cumpriu dois anos na cadeia. Teve uma morte trágica e nunca totalmente esclarecida em uma praia ao norte de Alagoas, onde seu corpo foi encontrado deitado ao lado do de sua então namorada Susana Marcolino.

É habitual em Brasília a conversa sobre os efeitos que o Poder ou a convivência nesses círculos de privilégios causam nas pessoas. Na cidade, aquela época da chegada de Collor ao Palácio do Planalto ficou conhecida com a “República de Alagoas”. O grupo reunia o entorno e achegados ao presidente da República que se elegera com o slogan de “Caçador de Marajás”, tamanha aversão e o furor com que esbravejava contra a corrupção. Eram os tempos dos charutos cubanos, bebia-se whisky Logan, as gravatas, de preferência, deviam ser Hermès e as canetas, pelo menos, Mont Blanc.

Semelhanças no discurso com Collor marcaram chegada de Bolsonaro ao poder

Muitas décadas depois desses tempos, outro presidente, Jair Bolsonaro, também levou à Corte seus hábitos e criou suas mesuras. Não que os que passaram no meio desse período não tivessem marcado com seus costumes a cidade. Mas, aqui, trata-se de uma peculiaridade do primeiro e do último. Ambos diziam combater os corruptos e acabar com a corrupção com igual intensidade, e fizeram disso palavra de ordem de suas campanhas e mandatos.

O ex-capitão Bolsonaro, deputado federal por quase três décadas, sempre se apresentou como um homem de hábitos e costumes muito simples, quiçá espartanos, como poderíamos dizer que convém a um militar. Desde o início de seu mandato, em 2019, fez questão de mostrar que gostava de um pastel de feira, um pão com leite condensado ou um “dogão” do trailer em frente à Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ). Não bebe nem tampouco fuma.

Antes de começar a campanha costumava dividir um prato com o general Augusto Heleno na franquia “Camarada Camarão”, restaurante de preços honestos e bem servido em um shopping no Rio. Tampouco gosta de roupas e gravatas finas e, ao que se saiba, sua indumentária favorita é uma camiseta de time de futebol – mesmo que não seja original, mas pirata – e um chinelo Rider.

Entretanto, o ex-capitão, que assumiu o cargo sob a sombra das rachadinhas e de pequenos – mas não sem importância – mal feitos, ao que parece, ampliou seus horizontes no Palácio do Planalto. E, evidentemente, também precisava de alguém ou vários alguéns, que o ajudassem nos negócios hoje investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

Eis que, ao seu lado, estava o tenente-coronel Mauro César Cid, fidelíssimo ajudante de ordens. Desde os primeiros dias no cargo, o filho do general da reserva Mauro César Lourena Cid, que fora colega de Bolsonaro na Aman, mostrou que exerceria a função de uma maneira bastante peculiar.

Investigações da Polícia Federal têm mostrado que Mauro Cid em muitas ocasiões atuava como um faz tudo de Bolsonaro, o que se reproduziu no caso da venda e da recompra de joias Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Não se sabe se por devoção, deslumbramento com seu papel de pseudo autoridade, passou a filmar com seu celular todos os passos do chefe e, principalmente, as conversas nos encontros com apoiadores, fadadas a virarem fake news. Cuidava com fervor canino das agendas, das visitas e escolhia quem poderia ou não se aproximar do presidente. Soube-se, depois, que também administrava as despesas da família Bolsonaro, além dos cartões corporativos. E que falsificou cartões de vacinação – o que lhe rendeu esta temporada que passa na cadeia. Enfim, Cid foi o que na gíria se chama de “pau pra toda obra”.

Depositava dinheiro para Michelle e controlava uma contabilidade estranhíssima em que não se identificava de onde saíam os valores e que destino tinham, segundo as investigações. Só por uma conta de Cid, segundo o Coaf, passaram mais de R$ 3 milhões em sete meses.

Até que apareceram os presentes árabes e Cid, mais uma vez, cumpriu sua missão. Embrenhou-se, para escândalo de muitos de seus colegas, em um tráfico de joias que foram presenteadas a Michelle e ao ex-presidente. Colar, canetas, brincos, abotoaduras, relógios vendidos e recomprados. Todos cobertos de diamantes e que, por direito, deveriam ter sido entregues ao Estado brasileiro. Fez uma dobradinha nos negócios com o pai, o general, que foi até o começo do ano chefe do escritório brasileiro da Apex em Miami, e com seus subalternos.

Como é usual em tudo que se refere a Bolsonaro, até na hora de cometer algum ilícito, existe uma certa pobreza intelectual dos mentores que, neste caso, foi encarnada por Cid. Mas há uma semelhança entre as mutretas feitas pelo ajudante de ordens, e o esquema de corrupção montado por PC Farias, que é o achaque aos cofres públicos. Ambos era homens de confiança ou, como se diz em Brasília, frequentadores da cozinha do presidente da República. A grande diferença está no fato de que os relógios, que Cid atabalhoadamente pretendia passar nos cobres em Miami, como se fosse um feirante, PC Farias os ostentava no pulso enquanto extorquia grandes empresas.

Opinião por Monica Gugliano

É repórter de Política do Estadão. Escreve às terças-feiras

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