A possível cassação dos direitos políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) poderá ser a onda que faltava para uma boa parcela dos evangélicos no Congresso surfar em direção ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Esperamos uma palavra de paz e amor do presidente Lula. Uma palavra que até agora ele não se dispôs a nos dar”, diz o deputado e pastor Cezinha de Madureira (PSD-SP).
O movimento entre uma parte dos evangélicos descontentes com o radicalismo bolsonarista não é novo. O problema é que setores do PT rejeitam com fervor religioso qualquer aproximação com as igrejas em cujos templos Bolsonaro colheu 70% dos votos do setor, contra 30% dados a Lula na eleição. Para aceitar a convivência com os evangélicos – que já estiveram ao seu lado em seus outros mandatos –, Lula terá de ultrapassar a resistência de parceiros e aliados mais à esquerda no partido.
Embora tratados com certo desdém, na opinião do cientista político Antonio Lavareda, os evangélicos, se considerarmos as três maiores forças nas quais o bolsonarismo e os conservadores preservam uma maioria – o agronegócio e setores militares –, seriam o espaço onde Lula poderia obter os melhores resultados em um menor espaço de tempo. Parte dos militares, nas três Forças, se mantém fiel ao ex-presidente. O agro tem um DNA conservador. Os evangélicos, provavelmente, seriam os mais facilmente resgatáveis.
“Na última pesquisa divulgada (Quaest), Lula tem no total 56% de aprovação, mas apenas 44% entre os evangélicos, que somam cerca de 30% da população. Então, se ele crescer 15 pontos nesse segmento, atingirá 60%, marca que praticamente nenhum outro presidente ou primeiro-ministro detém hoje no mundo, com exceção do indiano Narendra Modi”, exemplifica Lavareda.
O raciocínio não se baseia apenas no fato de que os evangélicos já estiveram com Lula. Mas, se o presidente não patrocinar a tese do aborto e a descriminalização das drogas, como não o fez até agora, a tendência é que sua aprovação cresça no segmento, fortalecendo uma nova aproximação com o grupo. Pesquisas, como a Quaest, divulgada na semana passada, apontam que o índice de aprovação do presidente no grupo evangélico, entre abril e junho, subiu de 39% para 44%, portanto acima da margem de erro, de 2,2 pontos porcentuais.
Diferentemente dos outros setores, o voto evangélico – cerca de 30% do eleitorado brasileiro – é um dos mais orgânicos no País. Bispos e pastores têm grande influência junto aos fiéis que costumam seguir as orientações dos líderes na hora de escolherem seus candidatos. E alguns desses pastores já trabalham pelo apoio há muitos meses por uma reaproximação a Lula, como Paulo Marcelo, também da Assembleia de Deus de Madureira. “Há uma corrente ideológica no PT que não quer nos ver junto com Lula. Mas creio que o presidente não irá nos fechar essa porta”, diz ele.
O pastor Paulo Marcelo carrega um projeto que ele define como de longo prazo para uma nova relação entre o governo e os evangélicos. Toda a estratégia se baseia numa conta de que existiriam 157 mil templos no Brasil e 78 mil seriam igrejas independentes que podem atuar, segundo ele, como braços do Estado em suas comunidades. Afinal, explica o pastor, elas já agem dessa forma quando amparam a mulher que apanhou do marido e aconselham a família em que um membro se envolve com drogas ou enfrenta problemas financeiros.
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A ideia de Paulo Marcelo, que, segundo conta sem muitos detalhes, já foi apresentada a Lula e teria sido elogiada, faria com que as igrejas ajudassem na implementação de políticas públicas para suas respectivas comunidades. O trabalho poderia ser custeado com a concessão de algum benefício governamental aos financiadores.
Pastores como ele dizem acreditar que somente chegando perto dos rebanhos será possível diminuir o peso da forte corrente evangélica que demoniza a esquerda, dando mais solidez ao discurso de apoio a Lula. Até agora, votos a favor do governo na Câmara e ideias não conseguiram abrir as portas do Palácio do Planalto, como eles gostariam. Mas, se o resultado do julgamento do pedido de cassação dos direitos políticos de Bolsonaro que está sendo votado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) for a favor da perda, a onda pode virar um tsunami.