Carta aos Brasileiros - 1977
A morte de José Gregori, na mesma semana em que o PSDB anunciava uma espécie de refundação da legenda, na qual até o mascote tucano saíra reestilizado, traz muita reflexão sobre esse novo caminho do partido. Não é nem bom nem ruim. É apenas outra agremiação. O PSDB de Gregori, Mário Covas (1930-2001), Fernando Henrique Cardoso, José Serra e tantos outros não guarda semelhança alguma com as pautas da nova legenda, liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
Ex-ministro da Justiça, secretário nacional dos Direitos Humanos, imortal da cadeira número 15 da Academia Paulista de Letras, Gregori foi o responsável pela criação do Plano Nacional de Direitos Humanos – o primeiro na América Latina – e liderou a instauração da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos (a lei 9140/95). Apoiou a Comissão Nacional da Verdade, à qual costumava se referir como um grande marco democrático e, há alguns anos, foi um dos fundadores da Comissão Arns, que monitora violações de direitos humanos.
No ano passado, voltou ao pátio da Faculdade de Direito da USP, o mesmo onde 45 anos atrás, Goffredo da Silva Telles lera a Carta aos Brasileiros. Gregori voltou para apoiar a “Carta aos Brasileiros e Brasileiras”, em defesa do sistema eleitoral e da democracia. O então presidente Jair Bolsonaro ameaçava as conquistas da Nação brasileira, investia contra a democracia, desacreditava o sistema eleitoral. E lá estava Gregori junto com antigos e novos companheiros.
O governo brasileiro tem uma pasta para cuidar dos direitos humanos. Mas para onde vão essas pautas que Gregori defendia com tanto fervor? Com quem ficam os pensamentos e as ideias de uma elite esclarecida que passou a ser atacada de comunista pela extrema direita pós-bolsonarista? Direitos Humanos numa sociedade onde a letalidade policial é estratosférica e governadores como o de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por exemplo, não escondem sua preferência por policiais trabalhando sem câmeras de vídeo? Com quem ficarão os direitos humanos?
Para a nova direita é óbvio que essas pautas não irão. Também não irão para a centro-esquerda que, talvez acuada pelos últimos anos extremos de exaltação à tortura, ao porte de armas, ao militarismo, não conseguiu assumí-las completamente. Nem mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode implementá-las. No caso dos CACs, Lula lhes restringiu o acesso às armas. Mas não é suficiente para uma sociedade violenta como a nossa. Lula tampouco recriou a Comissão dos Mortos e Desaparecidos que foi extinta no penúltimo dia do governo de Jair Bolsonaro em um dos últimos atos do presidente que cultuava a ditadura militar e a memória do torturador Carlos Brilhante Ustra.
As preocupações humanitárias de Gregori deveriam ser adotadas como política de Estado. Algo assim como, o Programa Nacional de Combate à Fome. Se Lula diz que todos os brasileiros têm que ter direito a três refeições ao dia – pelo menos – todos os cidadãos deste país deveriam ter também o benefício de serem tratados com respeito e dignidade. Só assim chegaremos a ser uma sociedade civilizada, onde não nos afasta a cor da pele, a identidade sexual e os bens que possuímos. Pelo contrário, eles nos unem.