O jornalista Laerte Fernandes morreu nesta terça-feira, 18, aos 83 anos. Ele estava internado desde o dia 26 de junho na Beneficência Portuguesa, em São Paulo, após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
"Faleceu ontem, 18 de agosto de 2020, meu grande e querido pai Laerte Fernandes, aos 83 anos, vítima de um AVC. Estava hospitalizado há quase 2 meses e hoje se liberta dos fios e de um corpo que já não respondia e não podia se comunicar. Segue meu pai, livre, luz!!", escreveu a filha Claudia Fernandes nas redes sociais.
Laerte foi da equipe fundadora do Jornal da Tarde, era secretário da redação nos anos 1980 ao lado de Ivan Ângelo e Miguel Jorge, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no governo Lula. Antes, foi também editor-chefe do JT. "Cuidava do jornal durante o dia, sempre muito preparado, tinha uma maneira de agir com as pessoas muito afável. Conseguia controlar bem tudo na redação, sem nenhuma prepotência, sobretudo na base da conversa. Ele era um homem da redação, sempre foi muito competente”, afirmou Miguel Jorge, que conheceu Laerte em 1963.
Formado em história e em direito e nascido no litoral norte, Laerte se identificava como caiçara. Além dos cargos no JT e no Estadão, é lembrado pelas reuniões que organizava em sua casa com jornalistas do Grupo Estado e políticos, cientistas sociais, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e personalidades do mundo das artes.
Professor de Laerte na graduação em história na USP, o historiador Carlos Guilherme Mota afirma que, no período da ditadura militar, ele "era uma espécie de farol dentro da noite”. “Se houvesse alguma perseguição, algum desaparecimento de pessoas, o Laerte estava atento e, dentro das possibilidades da época, ele noticiaria. Nos lugares em que eu ia falar – e eu pedia a volta dos perseguidos (pelo regime) –, eu sabia que o Laerte tinha destacado algum jornalista para me dar cobertura. E de fato eu tinha segurança, porque sabia que, se eu desaparecesse, o Laerte estaria ciente e tomaria alguma providência.” O companheirismo de Laerte durante o período também é relembrado pela historiadora Janice Theodoro da Silva, sua amiga dos tempos de faculdade. “Eu, que fui perseguida, não esqueço quem esteve realmente ao meu lado”, diz ela. “A memória de Laerte será minha companheira." Janice destaca o episódio do sequestro, em julho de 1980, do jurista Dalmo Dallari, resistente ao regime. “A primeira pessoa para quem ligamos foi Laerte Fernandes. Ele foi muito importante porque, logo em seguida ao desaparecimento de Dalmo, os jornais já estavam dando a notícia.”
"Laerte era aquela pessoa conciliadora da redação. Sempre com sorriso pronto e disposto a achar soluções. Tinha um espírito corpo de bombeiro, nunca incendiário", lembra o jornalista Mário Marinho, que foi editor no JT.
Um forte líder de equipe. É assim que a jornalista e professora da USP Cremilda Medina descreve Laerte ao rememorar seu trabalho à frente do Jornal da Tarde, onde os dois trabalharam juntos.
"Hoje, a perda de Laerte Fernandes – parceiro de profissão e amigo que até há pouco encontrava vez por outra num café da Praça Buenos Aires, em Higienópolis – me faz desejar que essa preciosa herança permaneça viva na memória e na experiência dos jovens jornalistas do futuro", afirmou Cremilda.
A espirituosidade de Laerte marcou aqueles que conviveram com ele. "Eu o conheci no dia em que comecei a trabalhar no Jornal da Tarde, há 30 anos. Quando cheguei, ele já estava lá", conta o escritor e jornalista Luiz Carlos Lisboa. Os dois passaram a tomar cafés juntos e firmaram amizade. E o hábito perdurou. "Nos últimos quatro anos, fomos vizinhos. Do meu apartamento, eu via a janela dele, e sempre descíamos para tomar café", conta Lisboa, em tom emocionado. "Falávamos sobre tudo."
João Paulo Fernandes, filho de Laerte, destacou a paixão que o pai tinha pela profissão. "Um dia, comentou que se esquecia da vida e de problemas pessoais quando ia se aproximando do jornal. Esquecia de tudo e se dedicava ao jornalismo. Ele vivia intensamente isso, foi uma pessoa absolutamente realizada com o que fez", afirmou.
"Na guerra do Golfo, eu me lembro que ele voltava para casa altas horas da madrugada, já com o jornal do dia seguinte em mãos", relembra a procuradora Márcia de Holanda Montenegro, que foi casada com Laerte por 24 anos. "Era um grande prazer para ele o jornal."
Letícia, a filha mais nova, conta que o prazer de Laerte com os escritos não se restringia às notícias. "A gente declamava poemas juntos", diz. "Decoramos todo o poema Tabacaria, do Fernando Pessoa. Era nosso poema favorito. A gente declamava indo para a escola, nos encontros, nos almoços em casa."
O corpo do jornalista foi cremado na tarde desta quarta-feira no Memorial Parque Paulista, em Embu das Artes.