MPF abre inquérito para investigar a participação do Banco do Brasil na escravidão e pede reparação


Ação é baseada em estudo sobre relações do banco e de seus acionistas com o tráfico negreiro; BB se colocou à disposição e enfatizou que reparação histórica é dever de toda a sociedade

Por Marcelo Godoy
Atualização:

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) abriu um inquérito civil público para investigar o papel do Banco do Brasil e de seus acionistas na escravidão e no tráfico negreiro durante o Império (1822-1888). Trata-se da primeira investigação deste tipo no Brasil. Os procuradores pretendem “buscar mecanismos de justiça que assegurem a eventual reparação necessária aos descendentes dos negros africanos escravizados, em todos os âmbitos”.

Em resposta, o Banco do Brasil apontou que “considera que a história do país e suas relações com a escravidão das comunidades negras precisam ser um processo de reflexão permanente e que “em relação à reparação histórica, o BB entende que essa é uma responsabilidade de toda a sociedade”.

Três procuradores assinam a abertura do inquérito: Jaime Mitropoulos, Júlio José Araujo Junior e Aline Caixeta. A iniciativa foi revelada pelo site BBC Brasil. Os procuradores querem ainda “trazer à tona novas memórias coletivas, a partir das vítimas, sobre o papel do banco e os impactos que ele causou à vida de pessoas negras”.

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Querem ainda reunir informações sobre o papel dos traficantes na constituição do banco por meio do financiamento do comércio de escravos e da escravidão. “É fundamental revisitar a história com ênfase no direito à verdade, de modo a garantir uma compreensão da história que previna a ocorrência de novos crimes contra a humanidade”, afirmaram os procuradores. Por fim, eles defendem ser necessário buscar mecanismos de justiça que assegurem “a eventual reparação necessária aos descendentes dos negros africanos escravizados, em todos os âmbitos”.

Ação de reparação mira o Banco do Brasil e seus acionistas por contribuição com o processo de escravidão e tráfico negreiro durante o Império (1822-1888)  Foto: Giovanni Nobile/BB/Divulgação

A ação nasceu de uma notícia de fato apresentada por 14 professores universitários de nove universidades brasileiras e duas americanas. Além de instaurar o inquérito, os procuradores enviaram a Tarciana Paula Gomes Medeiros, presidente do Banco do Brasil, um ofício no qual pedem uma reunião com a direção da instituição financeira no dia 27 de outubro. Também mandaram convites semelhantes aos ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial).

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A assessoria de Almeida e de Anielle afirmaram que os dois ministérios devem estar representados na reunião. O Estadão procurou o Banco do Brasil, que informou que foi notificado na quarta-feira sobre o inquérito e vai comparecer à reunião. “O jurídico da instituição analisará o teor do documento e prestará as informações necessárias dentro do prazo previsto”, informou o banco, que divulgou nota em que se coloca à disposição do MPF (veja abaixo).

Do banco, o Ministério Público Federal quer receber informações sobre “a posição da instituição a respeito da sua relação com o tráfico de pessoas negras escravizadas e sobre a existência de pesquisas financiadas pelo Banco do Brasil para avaliar a narrativa sobre a sua própria história”. Também pretende receber informações sobre traficantes de escravos e sua relação com o banco e sobre financiamentos relacionados com a escravidão, além de dados sobre “iniciativas do banco com finalidades específicas de reparação em relação a esse período”.

De acordo com o trabalho feito pelos professores que subsidia a abertura do inquérito, “diferentemente de civilizações que, ao longo da história, utilizaram o trabalho escravo como mecanismo de acumulação de capital, o Império do Brasil, à semelhança dos EUA, tivera no comércio de seres humanos e na escravidão africana sua força motriz”. Ainda segundo eles, a escravidão conformava hierarquias sociais; pautava a política, local e nacional; definia a micro e macroeconomia; e, por fim, estava na base da ideia de civilização que constituiu o país em formação. Assim, as instituições formadas no processo de afirmação do Estado brasileiro foram, naturalmente, moduladas pelo que convencionamos chamar de sistema escravista”.

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É fundamental revisitar a história com ênfase no direito à verdade, de modo a garantir uma compreensão da história que previna a ocorrência de novos crimes contra a humanidade

Procuradores do MPF na ação

O comércio de africanos era ilegal desde novembro de 1831. Consequentemente, a última geração de africanos foi formada por homens e mulheres juridicamente livres. O trabalho afirma que “o sistema bancário nacional se desenvolveu em meio a um ambiente onde já existia uma intensa e complexa circulação de capitais lastreada, em grande parte, pela escravidão e seus negócios”. As operações domésticas de compra e venda de mão de obra escravizada foram, majoritariamente, baseadas no crédito.

“Os africanos escravizados desembarcados na costa brasileira foram não só a mão de obra fundamental nas lavouras e atividades domésticas e urbanas, como também um importante instrumento financeiro, tanto para seus proprietários quanto para as instituições bancárias que despontariam a partir da década de 1850.”

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Os pesquisadores mostram que parte significativa dos litígios judiciais era garantidos com a penhora judicial da propriedade sobre homens e mulheres escravizados. “Entre os anos de 1833 e 1859, uma amostra de 2.275 penhoras judiciais que correram pelas mais diversas varas da justiça carioca, 65% dos litígios tiveram pelo menos um ser humano escravizado apreendido por ordem da justiça para garantir o pagamento de dívidas”.

A obra "Negros no Fundo do Porão", do pintor alemão Johann Moritz Rugendas, publicada no livro Viagem Pitoresca Através do Brasil), de 1835, retrata a cena de um navio negreiro no século 19.  

Os pesquisadores também apontaram para o quadro societário do banco e sua diretoria no século 19 como indicativos da estreita relação entre o patrimônio do Banco e o capital formado no comércio clandestino de africanos e na própria escravidão. Um exemplo seria José Bernardino de Sá, barão e visconde de Vila Nova do Minho, o maior traficante do Atlântico Sul nos últimos vinte anos de funcionamento do tráfico de africanos para o Brasil. “Entre 1825 e 1851, o visconde traficante fora responsável por 50 viagens negreiras para o Brasil que desembarcaram cerca de 19 mil africanos”. Para o grupo, não era por acaso que o maior traficante do país era também o mais importante subscritor individual do banco criado em 1853. “No ano de sua morte, em 1855, possuía nada menos que 5.216 ações do Banco do Brasil, em um montante que orbitava em torno de 1 mil contos de réis.”

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Para os procuradores, “o tráfico transatlântico de pessoas negras escravizadas foi a maior atrocidade cometida na história da humanidade”. Ele tem impactos duradouros em nossa sociedade e na constituição das diversas manifestações do racismo estrutural e institucional nas relações sociais.

Ao Estadão, Araujo Júnior afirmou que o objetivo inicial do inquérito é suscitar o debate sobre o tema, que já está muito avançado nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas que ainda não chegara ao Brasil. Para ele e seus colegas, a persistência de apagamentos devido à força estrutural e estruturante do racismo é prova de que se deve reavivar outras memórias e retirar o véu que cobre as narrativas oficiais e autorrepresentações sobre instituições fundantes do Estado brasileiro que sobrevivem até hoje.

Estudo estima em 19 milhões o número de pessoas sequestradas

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Os procuradores usam um estudo – o relatório Quantification of reparations for transatlantic chattel slavery, do Grupo Brattle, publicado pela Universidade de West Indies em parceria com a American Society of International Laws – para estimar em 19 milhões o total de pessoas foram sequestradas da África e enviadas para o Caribe e as Américas. Pelo documento, o total de reparações em função do tráfico deveria atingir entre US$ 100 trilhões e US$ 131 trilhões,

Ainda de acordo com ele, só em relação ao Brasil, o relatório indica que houve o embarque de 3.520.273 e o desembarque de 3.169.287 pessoas no Brasil, com 350.986 mortes na viagem. Além disso, 1.173.424 nasceram escravizados. O valor devido de reparação poderia chegar a US$ 17 trilhões ou US$ 25 trilhões, além de outros US$ 2 trilhões referentes aos danos aos descendentes no período pós-escravidão. “Tais valores deveriam ser arcados por diversos países que concorreram para a escravidão, inclusive o Brasil independente”, explicam os procuradores.

Para os procuradores, o Brasil assumiu compromissos internacionais de discutir e enfrentar as consequências da escravidão e do tráfico de pessoas negras escravizadas. “Trata-se de tema que demanda uma atuação permanente no sentido de elucidar violações e também buscar formas de reparação”.

Para eles, é salutar a criação no Ministério de Direitos Humanos da coordenação de memória e verdade sobre a escravidão e o tráfico transatlântico, crimes contra a humanidade de caráter imprescritível, com o objetivo de sugerir ações de educação, “Não se trata de uma ação civil pública pedindo já reparações ou indenizações. Mas de um inquérito. É necessário aprofundar o debate público e apurar as conexões do banco com a escravidão”, afirmou Araujo Junior.

O que diz o Banco do Brasil:

“O Banco do Brasil considera que a história do país e suas relações com a escravidão das comunidades negras precisam ser um processo de reflexão permanente. Em relação à reparação histórica, o BB entende que essa é uma responsabilidade de toda a sociedade.

É essa necessidade de amplo envolvimento do país com o tema que norteou a criação dos ministérios dos Direitos Humanos, Dos Povos Indígenas, da Igualdade Racial e Da Mulher. Também foi recriado o Ministério da Cultura. Tudo isso para acelerar a tomada de consciência e a criação de medidas efetivas de reparação.

O Banco do Brasil tem sido uma das empresas brasileiras que mais tem contribuído nesse sentido. Em julho deste ano, o BB assinou Protocolo de Intenções com o Ministério da Igualdade Racial, a fim de unir esforços em ações direcionadas à superação da discriminação racial, à inclusão e à valorização das mulheres negras, com o objetivo de fixar e promover:

- o ingresso de jovens negras no mercado de trabalho;

- a valorização de iniciativas e produções de mulheres negras, sobretudo aquelas que se referirem a projetos culturais;

- ações de fomento ao empreendedorismo e fortalecimento de micro e pequenos negócios de mulheres negras;

- o estímulo à ocupação equilibrada de espaços de lideranças no BB, considerando o respeito à diversidade étnica e de gênero; e

- apoio mútuo e intercâmbio de experiências no sentido de ampliar as políticas afirmativas internas de raça e gênero, trazendo uma perspectiva interseccional às iniciativas em curso ou a serem realizadas no BB.

Em agosto deste ano, o Banco do Brasil tornou-se embaixador de três importantes movimentos de Direitos Humanos da Rede Brasil do Pacto Global da ONU: “Elas lideras 2030″, “Raça é Prioridade” e “Salário Digno”, que buscam mobilizar empresas e organizar empresas para o alcance do ODS.

No mesmo mês, o BB foi selecionado para compor a carteira do índice de diversidade da B3 (iDiversa B3), que inclui 79 ativos de 75 empresas, abrangendo dez setores econômicos. O BB ocupa lugar de destaque, com maior peso na composição do índice, pois possui um dos conselhos de administração mais diversos do mercado, composto por 50% de mulheres e 25% de pessoas autodeclaradas negras.

Também em agosto, em parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares, o Banco do Brasil, renovando a parceria assinada em 2018, assinou a carta de adesão à Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, que é um movimento formado por empresas e instituições comprometidas com a promoção da inclusão racial e a superação do racismo no ambiente corporativo e em toda a sua cadeia de valor.

Como empresa que busca promover a igualdade racial, o Banco do Brasil está à disposição do Ministério Público Federal para continuar protagonizando e envolver toda a sociedade na busca pela aceleração do processo de reparação.”

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) abriu um inquérito civil público para investigar o papel do Banco do Brasil e de seus acionistas na escravidão e no tráfico negreiro durante o Império (1822-1888). Trata-se da primeira investigação deste tipo no Brasil. Os procuradores pretendem “buscar mecanismos de justiça que assegurem a eventual reparação necessária aos descendentes dos negros africanos escravizados, em todos os âmbitos”.

Em resposta, o Banco do Brasil apontou que “considera que a história do país e suas relações com a escravidão das comunidades negras precisam ser um processo de reflexão permanente e que “em relação à reparação histórica, o BB entende que essa é uma responsabilidade de toda a sociedade”.

Três procuradores assinam a abertura do inquérito: Jaime Mitropoulos, Júlio José Araujo Junior e Aline Caixeta. A iniciativa foi revelada pelo site BBC Brasil. Os procuradores querem ainda “trazer à tona novas memórias coletivas, a partir das vítimas, sobre o papel do banco e os impactos que ele causou à vida de pessoas negras”.

Querem ainda reunir informações sobre o papel dos traficantes na constituição do banco por meio do financiamento do comércio de escravos e da escravidão. “É fundamental revisitar a história com ênfase no direito à verdade, de modo a garantir uma compreensão da história que previna a ocorrência de novos crimes contra a humanidade”, afirmaram os procuradores. Por fim, eles defendem ser necessário buscar mecanismos de justiça que assegurem “a eventual reparação necessária aos descendentes dos negros africanos escravizados, em todos os âmbitos”.

Ação de reparação mira o Banco do Brasil e seus acionistas por contribuição com o processo de escravidão e tráfico negreiro durante o Império (1822-1888)  Foto: Giovanni Nobile/BB/Divulgação

A ação nasceu de uma notícia de fato apresentada por 14 professores universitários de nove universidades brasileiras e duas americanas. Além de instaurar o inquérito, os procuradores enviaram a Tarciana Paula Gomes Medeiros, presidente do Banco do Brasil, um ofício no qual pedem uma reunião com a direção da instituição financeira no dia 27 de outubro. Também mandaram convites semelhantes aos ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial).

A assessoria de Almeida e de Anielle afirmaram que os dois ministérios devem estar representados na reunião. O Estadão procurou o Banco do Brasil, que informou que foi notificado na quarta-feira sobre o inquérito e vai comparecer à reunião. “O jurídico da instituição analisará o teor do documento e prestará as informações necessárias dentro do prazo previsto”, informou o banco, que divulgou nota em que se coloca à disposição do MPF (veja abaixo).

Do banco, o Ministério Público Federal quer receber informações sobre “a posição da instituição a respeito da sua relação com o tráfico de pessoas negras escravizadas e sobre a existência de pesquisas financiadas pelo Banco do Brasil para avaliar a narrativa sobre a sua própria história”. Também pretende receber informações sobre traficantes de escravos e sua relação com o banco e sobre financiamentos relacionados com a escravidão, além de dados sobre “iniciativas do banco com finalidades específicas de reparação em relação a esse período”.

De acordo com o trabalho feito pelos professores que subsidia a abertura do inquérito, “diferentemente de civilizações que, ao longo da história, utilizaram o trabalho escravo como mecanismo de acumulação de capital, o Império do Brasil, à semelhança dos EUA, tivera no comércio de seres humanos e na escravidão africana sua força motriz”. Ainda segundo eles, a escravidão conformava hierarquias sociais; pautava a política, local e nacional; definia a micro e macroeconomia; e, por fim, estava na base da ideia de civilização que constituiu o país em formação. Assim, as instituições formadas no processo de afirmação do Estado brasileiro foram, naturalmente, moduladas pelo que convencionamos chamar de sistema escravista”.

É fundamental revisitar a história com ênfase no direito à verdade, de modo a garantir uma compreensão da história que previna a ocorrência de novos crimes contra a humanidade

Procuradores do MPF na ação

O comércio de africanos era ilegal desde novembro de 1831. Consequentemente, a última geração de africanos foi formada por homens e mulheres juridicamente livres. O trabalho afirma que “o sistema bancário nacional se desenvolveu em meio a um ambiente onde já existia uma intensa e complexa circulação de capitais lastreada, em grande parte, pela escravidão e seus negócios”. As operações domésticas de compra e venda de mão de obra escravizada foram, majoritariamente, baseadas no crédito.

“Os africanos escravizados desembarcados na costa brasileira foram não só a mão de obra fundamental nas lavouras e atividades domésticas e urbanas, como também um importante instrumento financeiro, tanto para seus proprietários quanto para as instituições bancárias que despontariam a partir da década de 1850.”

Os pesquisadores mostram que parte significativa dos litígios judiciais era garantidos com a penhora judicial da propriedade sobre homens e mulheres escravizados. “Entre os anos de 1833 e 1859, uma amostra de 2.275 penhoras judiciais que correram pelas mais diversas varas da justiça carioca, 65% dos litígios tiveram pelo menos um ser humano escravizado apreendido por ordem da justiça para garantir o pagamento de dívidas”.

A obra "Negros no Fundo do Porão", do pintor alemão Johann Moritz Rugendas, publicada no livro Viagem Pitoresca Através do Brasil), de 1835, retrata a cena de um navio negreiro no século 19.  

Os pesquisadores também apontaram para o quadro societário do banco e sua diretoria no século 19 como indicativos da estreita relação entre o patrimônio do Banco e o capital formado no comércio clandestino de africanos e na própria escravidão. Um exemplo seria José Bernardino de Sá, barão e visconde de Vila Nova do Minho, o maior traficante do Atlântico Sul nos últimos vinte anos de funcionamento do tráfico de africanos para o Brasil. “Entre 1825 e 1851, o visconde traficante fora responsável por 50 viagens negreiras para o Brasil que desembarcaram cerca de 19 mil africanos”. Para o grupo, não era por acaso que o maior traficante do país era também o mais importante subscritor individual do banco criado em 1853. “No ano de sua morte, em 1855, possuía nada menos que 5.216 ações do Banco do Brasil, em um montante que orbitava em torno de 1 mil contos de réis.”

Para os procuradores, “o tráfico transatlântico de pessoas negras escravizadas foi a maior atrocidade cometida na história da humanidade”. Ele tem impactos duradouros em nossa sociedade e na constituição das diversas manifestações do racismo estrutural e institucional nas relações sociais.

Ao Estadão, Araujo Júnior afirmou que o objetivo inicial do inquérito é suscitar o debate sobre o tema, que já está muito avançado nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas que ainda não chegara ao Brasil. Para ele e seus colegas, a persistência de apagamentos devido à força estrutural e estruturante do racismo é prova de que se deve reavivar outras memórias e retirar o véu que cobre as narrativas oficiais e autorrepresentações sobre instituições fundantes do Estado brasileiro que sobrevivem até hoje.

Estudo estima em 19 milhões o número de pessoas sequestradas

Os procuradores usam um estudo – o relatório Quantification of reparations for transatlantic chattel slavery, do Grupo Brattle, publicado pela Universidade de West Indies em parceria com a American Society of International Laws – para estimar em 19 milhões o total de pessoas foram sequestradas da África e enviadas para o Caribe e as Américas. Pelo documento, o total de reparações em função do tráfico deveria atingir entre US$ 100 trilhões e US$ 131 trilhões,

Ainda de acordo com ele, só em relação ao Brasil, o relatório indica que houve o embarque de 3.520.273 e o desembarque de 3.169.287 pessoas no Brasil, com 350.986 mortes na viagem. Além disso, 1.173.424 nasceram escravizados. O valor devido de reparação poderia chegar a US$ 17 trilhões ou US$ 25 trilhões, além de outros US$ 2 trilhões referentes aos danos aos descendentes no período pós-escravidão. “Tais valores deveriam ser arcados por diversos países que concorreram para a escravidão, inclusive o Brasil independente”, explicam os procuradores.

Para os procuradores, o Brasil assumiu compromissos internacionais de discutir e enfrentar as consequências da escravidão e do tráfico de pessoas negras escravizadas. “Trata-se de tema que demanda uma atuação permanente no sentido de elucidar violações e também buscar formas de reparação”.

Para eles, é salutar a criação no Ministério de Direitos Humanos da coordenação de memória e verdade sobre a escravidão e o tráfico transatlântico, crimes contra a humanidade de caráter imprescritível, com o objetivo de sugerir ações de educação, “Não se trata de uma ação civil pública pedindo já reparações ou indenizações. Mas de um inquérito. É necessário aprofundar o debate público e apurar as conexões do banco com a escravidão”, afirmou Araujo Junior.

O que diz o Banco do Brasil:

“O Banco do Brasil considera que a história do país e suas relações com a escravidão das comunidades negras precisam ser um processo de reflexão permanente. Em relação à reparação histórica, o BB entende que essa é uma responsabilidade de toda a sociedade.

É essa necessidade de amplo envolvimento do país com o tema que norteou a criação dos ministérios dos Direitos Humanos, Dos Povos Indígenas, da Igualdade Racial e Da Mulher. Também foi recriado o Ministério da Cultura. Tudo isso para acelerar a tomada de consciência e a criação de medidas efetivas de reparação.

O Banco do Brasil tem sido uma das empresas brasileiras que mais tem contribuído nesse sentido. Em julho deste ano, o BB assinou Protocolo de Intenções com o Ministério da Igualdade Racial, a fim de unir esforços em ações direcionadas à superação da discriminação racial, à inclusão e à valorização das mulheres negras, com o objetivo de fixar e promover:

- o ingresso de jovens negras no mercado de trabalho;

- a valorização de iniciativas e produções de mulheres negras, sobretudo aquelas que se referirem a projetos culturais;

- ações de fomento ao empreendedorismo e fortalecimento de micro e pequenos negócios de mulheres negras;

- o estímulo à ocupação equilibrada de espaços de lideranças no BB, considerando o respeito à diversidade étnica e de gênero; e

- apoio mútuo e intercâmbio de experiências no sentido de ampliar as políticas afirmativas internas de raça e gênero, trazendo uma perspectiva interseccional às iniciativas em curso ou a serem realizadas no BB.

Em agosto deste ano, o Banco do Brasil tornou-se embaixador de três importantes movimentos de Direitos Humanos da Rede Brasil do Pacto Global da ONU: “Elas lideras 2030″, “Raça é Prioridade” e “Salário Digno”, que buscam mobilizar empresas e organizar empresas para o alcance do ODS.

No mesmo mês, o BB foi selecionado para compor a carteira do índice de diversidade da B3 (iDiversa B3), que inclui 79 ativos de 75 empresas, abrangendo dez setores econômicos. O BB ocupa lugar de destaque, com maior peso na composição do índice, pois possui um dos conselhos de administração mais diversos do mercado, composto por 50% de mulheres e 25% de pessoas autodeclaradas negras.

Também em agosto, em parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares, o Banco do Brasil, renovando a parceria assinada em 2018, assinou a carta de adesão à Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, que é um movimento formado por empresas e instituições comprometidas com a promoção da inclusão racial e a superação do racismo no ambiente corporativo e em toda a sua cadeia de valor.

Como empresa que busca promover a igualdade racial, o Banco do Brasil está à disposição do Ministério Público Federal para continuar protagonizando e envolver toda a sociedade na busca pela aceleração do processo de reparação.”

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) abriu um inquérito civil público para investigar o papel do Banco do Brasil e de seus acionistas na escravidão e no tráfico negreiro durante o Império (1822-1888). Trata-se da primeira investigação deste tipo no Brasil. Os procuradores pretendem “buscar mecanismos de justiça que assegurem a eventual reparação necessária aos descendentes dos negros africanos escravizados, em todos os âmbitos”.

Em resposta, o Banco do Brasil apontou que “considera que a história do país e suas relações com a escravidão das comunidades negras precisam ser um processo de reflexão permanente e que “em relação à reparação histórica, o BB entende que essa é uma responsabilidade de toda a sociedade”.

Três procuradores assinam a abertura do inquérito: Jaime Mitropoulos, Júlio José Araujo Junior e Aline Caixeta. A iniciativa foi revelada pelo site BBC Brasil. Os procuradores querem ainda “trazer à tona novas memórias coletivas, a partir das vítimas, sobre o papel do banco e os impactos que ele causou à vida de pessoas negras”.

Querem ainda reunir informações sobre o papel dos traficantes na constituição do banco por meio do financiamento do comércio de escravos e da escravidão. “É fundamental revisitar a história com ênfase no direito à verdade, de modo a garantir uma compreensão da história que previna a ocorrência de novos crimes contra a humanidade”, afirmaram os procuradores. Por fim, eles defendem ser necessário buscar mecanismos de justiça que assegurem “a eventual reparação necessária aos descendentes dos negros africanos escravizados, em todos os âmbitos”.

Ação de reparação mira o Banco do Brasil e seus acionistas por contribuição com o processo de escravidão e tráfico negreiro durante o Império (1822-1888)  Foto: Giovanni Nobile/BB/Divulgação

A ação nasceu de uma notícia de fato apresentada por 14 professores universitários de nove universidades brasileiras e duas americanas. Além de instaurar o inquérito, os procuradores enviaram a Tarciana Paula Gomes Medeiros, presidente do Banco do Brasil, um ofício no qual pedem uma reunião com a direção da instituição financeira no dia 27 de outubro. Também mandaram convites semelhantes aos ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial).

A assessoria de Almeida e de Anielle afirmaram que os dois ministérios devem estar representados na reunião. O Estadão procurou o Banco do Brasil, que informou que foi notificado na quarta-feira sobre o inquérito e vai comparecer à reunião. “O jurídico da instituição analisará o teor do documento e prestará as informações necessárias dentro do prazo previsto”, informou o banco, que divulgou nota em que se coloca à disposição do MPF (veja abaixo).

Do banco, o Ministério Público Federal quer receber informações sobre “a posição da instituição a respeito da sua relação com o tráfico de pessoas negras escravizadas e sobre a existência de pesquisas financiadas pelo Banco do Brasil para avaliar a narrativa sobre a sua própria história”. Também pretende receber informações sobre traficantes de escravos e sua relação com o banco e sobre financiamentos relacionados com a escravidão, além de dados sobre “iniciativas do banco com finalidades específicas de reparação em relação a esse período”.

De acordo com o trabalho feito pelos professores que subsidia a abertura do inquérito, “diferentemente de civilizações que, ao longo da história, utilizaram o trabalho escravo como mecanismo de acumulação de capital, o Império do Brasil, à semelhança dos EUA, tivera no comércio de seres humanos e na escravidão africana sua força motriz”. Ainda segundo eles, a escravidão conformava hierarquias sociais; pautava a política, local e nacional; definia a micro e macroeconomia; e, por fim, estava na base da ideia de civilização que constituiu o país em formação. Assim, as instituições formadas no processo de afirmação do Estado brasileiro foram, naturalmente, moduladas pelo que convencionamos chamar de sistema escravista”.

É fundamental revisitar a história com ênfase no direito à verdade, de modo a garantir uma compreensão da história que previna a ocorrência de novos crimes contra a humanidade

Procuradores do MPF na ação

O comércio de africanos era ilegal desde novembro de 1831. Consequentemente, a última geração de africanos foi formada por homens e mulheres juridicamente livres. O trabalho afirma que “o sistema bancário nacional se desenvolveu em meio a um ambiente onde já existia uma intensa e complexa circulação de capitais lastreada, em grande parte, pela escravidão e seus negócios”. As operações domésticas de compra e venda de mão de obra escravizada foram, majoritariamente, baseadas no crédito.

“Os africanos escravizados desembarcados na costa brasileira foram não só a mão de obra fundamental nas lavouras e atividades domésticas e urbanas, como também um importante instrumento financeiro, tanto para seus proprietários quanto para as instituições bancárias que despontariam a partir da década de 1850.”

Os pesquisadores mostram que parte significativa dos litígios judiciais era garantidos com a penhora judicial da propriedade sobre homens e mulheres escravizados. “Entre os anos de 1833 e 1859, uma amostra de 2.275 penhoras judiciais que correram pelas mais diversas varas da justiça carioca, 65% dos litígios tiveram pelo menos um ser humano escravizado apreendido por ordem da justiça para garantir o pagamento de dívidas”.

A obra "Negros no Fundo do Porão", do pintor alemão Johann Moritz Rugendas, publicada no livro Viagem Pitoresca Através do Brasil), de 1835, retrata a cena de um navio negreiro no século 19.  

Os pesquisadores também apontaram para o quadro societário do banco e sua diretoria no século 19 como indicativos da estreita relação entre o patrimônio do Banco e o capital formado no comércio clandestino de africanos e na própria escravidão. Um exemplo seria José Bernardino de Sá, barão e visconde de Vila Nova do Minho, o maior traficante do Atlântico Sul nos últimos vinte anos de funcionamento do tráfico de africanos para o Brasil. “Entre 1825 e 1851, o visconde traficante fora responsável por 50 viagens negreiras para o Brasil que desembarcaram cerca de 19 mil africanos”. Para o grupo, não era por acaso que o maior traficante do país era também o mais importante subscritor individual do banco criado em 1853. “No ano de sua morte, em 1855, possuía nada menos que 5.216 ações do Banco do Brasil, em um montante que orbitava em torno de 1 mil contos de réis.”

Para os procuradores, “o tráfico transatlântico de pessoas negras escravizadas foi a maior atrocidade cometida na história da humanidade”. Ele tem impactos duradouros em nossa sociedade e na constituição das diversas manifestações do racismo estrutural e institucional nas relações sociais.

Ao Estadão, Araujo Júnior afirmou que o objetivo inicial do inquérito é suscitar o debate sobre o tema, que já está muito avançado nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas que ainda não chegara ao Brasil. Para ele e seus colegas, a persistência de apagamentos devido à força estrutural e estruturante do racismo é prova de que se deve reavivar outras memórias e retirar o véu que cobre as narrativas oficiais e autorrepresentações sobre instituições fundantes do Estado brasileiro que sobrevivem até hoje.

Estudo estima em 19 milhões o número de pessoas sequestradas

Os procuradores usam um estudo – o relatório Quantification of reparations for transatlantic chattel slavery, do Grupo Brattle, publicado pela Universidade de West Indies em parceria com a American Society of International Laws – para estimar em 19 milhões o total de pessoas foram sequestradas da África e enviadas para o Caribe e as Américas. Pelo documento, o total de reparações em função do tráfico deveria atingir entre US$ 100 trilhões e US$ 131 trilhões,

Ainda de acordo com ele, só em relação ao Brasil, o relatório indica que houve o embarque de 3.520.273 e o desembarque de 3.169.287 pessoas no Brasil, com 350.986 mortes na viagem. Além disso, 1.173.424 nasceram escravizados. O valor devido de reparação poderia chegar a US$ 17 trilhões ou US$ 25 trilhões, além de outros US$ 2 trilhões referentes aos danos aos descendentes no período pós-escravidão. “Tais valores deveriam ser arcados por diversos países que concorreram para a escravidão, inclusive o Brasil independente”, explicam os procuradores.

Para os procuradores, o Brasil assumiu compromissos internacionais de discutir e enfrentar as consequências da escravidão e do tráfico de pessoas negras escravizadas. “Trata-se de tema que demanda uma atuação permanente no sentido de elucidar violações e também buscar formas de reparação”.

Para eles, é salutar a criação no Ministério de Direitos Humanos da coordenação de memória e verdade sobre a escravidão e o tráfico transatlântico, crimes contra a humanidade de caráter imprescritível, com o objetivo de sugerir ações de educação, “Não se trata de uma ação civil pública pedindo já reparações ou indenizações. Mas de um inquérito. É necessário aprofundar o debate público e apurar as conexões do banco com a escravidão”, afirmou Araujo Junior.

O que diz o Banco do Brasil:

“O Banco do Brasil considera que a história do país e suas relações com a escravidão das comunidades negras precisam ser um processo de reflexão permanente. Em relação à reparação histórica, o BB entende que essa é uma responsabilidade de toda a sociedade.

É essa necessidade de amplo envolvimento do país com o tema que norteou a criação dos ministérios dos Direitos Humanos, Dos Povos Indígenas, da Igualdade Racial e Da Mulher. Também foi recriado o Ministério da Cultura. Tudo isso para acelerar a tomada de consciência e a criação de medidas efetivas de reparação.

O Banco do Brasil tem sido uma das empresas brasileiras que mais tem contribuído nesse sentido. Em julho deste ano, o BB assinou Protocolo de Intenções com o Ministério da Igualdade Racial, a fim de unir esforços em ações direcionadas à superação da discriminação racial, à inclusão e à valorização das mulheres negras, com o objetivo de fixar e promover:

- o ingresso de jovens negras no mercado de trabalho;

- a valorização de iniciativas e produções de mulheres negras, sobretudo aquelas que se referirem a projetos culturais;

- ações de fomento ao empreendedorismo e fortalecimento de micro e pequenos negócios de mulheres negras;

- o estímulo à ocupação equilibrada de espaços de lideranças no BB, considerando o respeito à diversidade étnica e de gênero; e

- apoio mútuo e intercâmbio de experiências no sentido de ampliar as políticas afirmativas internas de raça e gênero, trazendo uma perspectiva interseccional às iniciativas em curso ou a serem realizadas no BB.

Em agosto deste ano, o Banco do Brasil tornou-se embaixador de três importantes movimentos de Direitos Humanos da Rede Brasil do Pacto Global da ONU: “Elas lideras 2030″, “Raça é Prioridade” e “Salário Digno”, que buscam mobilizar empresas e organizar empresas para o alcance do ODS.

No mesmo mês, o BB foi selecionado para compor a carteira do índice de diversidade da B3 (iDiversa B3), que inclui 79 ativos de 75 empresas, abrangendo dez setores econômicos. O BB ocupa lugar de destaque, com maior peso na composição do índice, pois possui um dos conselhos de administração mais diversos do mercado, composto por 50% de mulheres e 25% de pessoas autodeclaradas negras.

Também em agosto, em parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares, o Banco do Brasil, renovando a parceria assinada em 2018, assinou a carta de adesão à Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, que é um movimento formado por empresas e instituições comprometidas com a promoção da inclusão racial e a superação do racismo no ambiente corporativo e em toda a sua cadeia de valor.

Como empresa que busca promover a igualdade racial, o Banco do Brasil está à disposição do Ministério Público Federal para continuar protagonizando e envolver toda a sociedade na busca pela aceleração do processo de reparação.”

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