BRASÍLIA - As decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para suspender perfis de bolsonaristas que atacaram magistrados, orquestraram um movimento golpista e divulgaram informações falsas nos últimos quatro anos são questionáveis, afirmam especialistas ao Estadão. Eles ponderam, no entanto, que a questão deve ser tratada de forma técnica e sem paixões políticas.
Desde sábado, 6, o empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), tem usado a rede social para criticar o ministro do STF Alexandre de Moraes. O bilionário ameaçou descumprir decisões judiciais e disse que irá reativar contas bloqueadas. “Esse juiz traiu descarada e repetidamente a Constituição e a população do Brasil. Ele deveria renunciar ou sofrer um impeachment”, disparou Musk, neste domingo, 7.
Os comentários do empresário têm sido amplificados pela rede bolsonarista. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou que vai pedir uma audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara para discutir o “Twitter Files Brasil”, uma série de e-mails publicados pelo jornalista norte-americano Michael Shellenberger acusando Moraes e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de exigirem ilegalmente a remoção de publicações do antigo Twitter.
Entre as contas bloqueadas por Moraes e que podem ser reativadas, caso Musk cumpra com sua palavra, estão as dos empresários Luciano Hang e Edgar Corona, dos ex-deputados Daniel Silveira e Roberto Jefferson, dos blogueiros Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio e Bernardo Kuster e dos youtubers Monark e Winston Lima. A desativação ocorreu no âmbito dos inquéritos das milícias digitais e das fake news.
Para o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, Carlos Affonso Souza, é possível discordar das decisões do ministro Alexandre de Moraes em vários pontos, como a suspensão da conta de partido político por tempo indeterminado e o bloqueio de conta no qual o réu não se manifestou. Mas o lugar certo para se discutir e disputar isso é no Judiciário, e não nas redes sociais, como fez Elon Musk.
Para ele, o fato de o bilionário dono do X anunciar que não vai mais cumprir decisões judiciais é um pedido para ter o aplicativo bloqueado no Brasil e fazer disso uma jogada politica.
“Um eventual bloqueio do Twitter inauguraria uma nova fase no debate sobre bloqueios de aplicações no Brasil, já que os casos que tivemos no passado tratavam mais de um descompasso entre o que o Judiciário estava requerendo e o que era tecnicamente possível, como no caso do WhatsApp. A situação apresentada pelo Twitter trata de decisões judiciais que poderiam ser cumpridas, como o bloqueio de contas ou remoção de conteúdos, mas que são recusadas pela própria empresa, não reconhecendo a legitimidade das autoridades locais”, afirma Souza.
“São casos que devem ser questionados judicialmente, mas que acabaram sendo usados pelo dono da plataforma para levantar uma discussão política que pode mesmo levar ao bloqueio do app, já que não é dado a atores privados escolher quais decisões judiciais desejam ou não cumprir”, acrescenta o professor.
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Já o advogado constitucionalista André Marsiglia, membro da Comissão de Direitos das Mídias da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diz que ameaçar descumprir ordem judicial como fez Elon Musk não é ilícito. “Quando se entende que uma ordem é injusta, natural que seja contestada e descumprida. Faz parte da regra do jogo jurídico, desde que se saiba, claro, que haverá consequências decorrentes do descumprimento”, explica.
Ele lamenta, no entanto, que eventual bloqueio do X no Brasil, em caso de descumprimento das medidas judiciais, seria uma medida desproporcional. Em maio de 2023 Moraes ameaçou suspender o Telegram no País caso o aplicativo não excluísse mensagens sobre o Projeto de Lei 2630, que ficou conhecido como PL das Fake News. “A imposição de multa sempre foi a melhor resposta do Judiciário a descumprimentos de ordens”, diz Marsiglia.
O advogado entende que “pressionar plataformas, sem uma lei que autorize a medida, é usar em excesso o poder judicial, bem como excluir ou suspender perfis de usuários de redes sociais, como se naturalizou por aqui, é censura prévia”. “A postagem pode ser excluída, se ilícita, mas excluir o perfil é impedir manifestações futuras, inclusive as lícitas, portanto, censura prévia vedada pela Constituição”, afirma Marsiglia.
Enquanto bolsonaristas aproveitam o apoio de Musk para atacar o ministro Alexandre de Moraes, governistas tem usado a situação para ressuscitar o debate sobre o PL das Fake News. “É urgente regulamentar as redes sociais. Não podemos conviver em uma sociedade em que bilionários com domicílio no exterior tenham controle de redes sociais e se coloquem em condições de violar o Estado de Direito, descumprindo ordens judiciais e ameaçando nossas autoridades. A Paz Social é inegociável”, escreveu o advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, na mesma rede controlada por Elon Musk.
No ano passado, o PL 2630 chegou a ter data marcada para votação na Câmara dos Deputados, mas a pressão exercida pelas big techs impediu uma resolução. O Estadão mostrou nesse sábado, contudo, que uma comissão de juristas que elabora uma proposta para alterar o Código Civil incorporou pontos do PL das Fake News e revogou um artigo do Marco Civil da Internet no texto que será apresentado ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Um trecho do anteprojeto vai tratar especificamente de Direito Digital e prever também a possibilidade de incluir redes sociais em testamento e apontar critérios para a inteligência artificial criar imagens de pessoas mortas.
Apesar de o embate entre Elon Musk contra Alexandre de Moraes fomentar o debate sobre o PL das Fake News e a regulação das redes sociais no Brasil, Souza faz questão de ressaltar que a internet não é uma terra sem lei no País. “O Marco Civil, aprovado em 2014, traçou regras gerais que devem ser atualizadas por legislações que olhem para problemas atuais. Acontece que o PL 2630 ainda carece de alguns aperfeiçoamentos importantes, como a retirada de previsão que confere imunidade parlamentar aos políticos nas redes sociais”, comenta.
Para Marsiglia, a situação evidencia que polêmicas sobre a liberdade de expressão têm sido usadas para aprovar a qualquer custo o PL das Fake News. “O X sentir-se desconfortável, plataformas como Rumble e Locals terem deixado o País ano passado – tudo isso deveria nos levar à reflexão de que não se deve impor goela abaixo a regulação. Posso afirmar que é melhor não regular do que ter uma regulação ruim, e é notório que o PL 2630 tem diversas fragilidades sobre as quais não foi feito um debate amadurecido ainda”, diz.