A reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o americano Joe Biden, nesta sexta-feira, 10, em Washington, é uma forma de mostrar o apoio dos Estados Unidos à eleição e à democracia brasileira, mas também de dar o pontapé em uma relação bilateral mais ativa. A avaliação é de Melvyn Levitsky, que foi embaixador dos EUA no Brasil entre 1994 e 1998, diplomata americano durante 35 anos e é atualmente professor de Relações Internacionais na Universidade de Michigan.
“Acho que a relação vai ser mais positiva agora. Em termos de convite, é um gesto simbólico grande chamá-lo à Casa Branca”, afirmou o ex-embaixador, em entrevista ao Estadão. Levitsky, que conheceu Biden e Lula, imagina que a conexão entre os dois será positiva.
Ele disse não acreditar, no entanto, que os EUA apoiarão a ideia de Lula de intermediar o que chama de “clube da paz”, para negociar uma saída para a guerra da Ucrânia, com outros países que não estão envolvidos no conflito. “Os americanos não vão criticar o movimento do Brasil, mas não vejo interesse em ter o país envolvido em negociações ou atividades diplomáticas”, afirmou o ex-embaixador.
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A defesa da democracia contra autoritarismos é apontada pelos dois países como pauta do encontro. O que podemos esperar que saia desta reunião, além do simbólico?
O Brasil passou por um processo eleitoral com muitas questões muito parecidas com o que aconteceu nos EUA. Os apoiadores do (Jair) Bolsonaro invadiram o Congresso, o que também aconteceu aqui. Mas o Brasil é, em todo caso, um país importante internacionalmente. A relação entre Brasil e EUA é importante e há inúmeras coisas para discutir entre os dois países. Convidar o presidente para a Casa Branca mostra nosso apoio pela eleição e pela democracia brasileira. É um encontro importante, tanto do ponto de vista simbólico como prático em uma série de outras questões.
Na comparação com a relação que estava estabelecida com o ex-presidente Jair Bolsonaro, como definiria o novo momento dos dois países?
Às vezes acho que Bolsonaro era o (Donald) Trump do Brasil. Às vezes, que Trump era o Bolsonaro dos EUA. Eles tinham as mesmas inclinações e faziam intervenções pessoais em questões econômicas e políticas. Acho que a relação vai ser mais positiva agora. Em termos de convite, é um gesto simbólico grande chamá-lo à Casa Branca. Não era ruim a relação dos Estados Unidos com Bolsonaro, mas pode ser muito mais ativa do que era.
A questão climática também deve ser central no encontro. Quais oportunidades podem surgir, nos dois países, com o alinhamento sobre meio ambiente?
Quando eu estava no Brasil (como embaixador), ouvia muito o discurso “a Amazônia é nossa”. Desta vez, acredito que o tema ambiental não será contencioso, porque os EUA não estão tentando impor uma posição, não vejo relutância por parte do governo Lula e vejo muito espaço para cooperação, incluindo financiamento da União Europeia e dos Estados Unidos para a região.
Há espaço para Lula emplacar o que ele chama de “clube da paz” e se colocar como um negociador de uma solução para a guerra na Ucrânia?
Não. Na ONU, o Brasil é uma voz importante, mas não estamos neste estágio. Não há inclinação real de buscar outros países, de fora da área, envolvidos em qualquer tipo de negociação. É natural a ambição, para um país grande como o Brasil, mas não acredito que haverá resposta dos EUA. Os americanos não vão criticar o movimento do Brasil, mas não vejo interesse em ter o país envolvido em negociações ou atividades diplomáticas.
Lula teve boa conexão com George W. Bush. Bolsonaro, com Trump. Como imagina que se dará a relação pessoal entre Biden e Lula?
Biden provavelmente é o presidente que, ao chegar ao cargo, tinha maior experiência acumulada em relações exteriores. Lembro quando fui indicado embaixador no Brasil e Biden, senador, foi muito ativo no processo de sabatina. Ele é um presidente que está envolvido com assuntos internacionais há muito tempo, como senador e vice-presidente, e acho que os dois vão se dar muito bem. São dois presidentes que veem a relação internacional como algo importante. Nas eleições que levaram FHC à Presidência, eu tentei me encontrar, no Brasil, com alguns candidatos para entender quem eles eram. Conheci Fernando Henrique, mas com Lula não consegui um encontro. Depois da eleição, com Lula derrotado, eu o convidei para um almoço na embaixada. Ele foi, com Aloizio Mercadante e alguns conselheiros. Ali tive uma impressão muito diferente do Lula, na comparação com a que tive na campanha. Lembro de enviar um relato para o governo (americano) em tom muito positivo. Nós (governo americano) estávamos mudando nossa visão sobre Lula e acredito que Lula também estava mudando a visão sobre os Estados Unidos, vendo o país como um parceiro.