O Brasil é de estarrecer, assustava-se Dilma Rousseff, aquela mesma que hoje se diverte adotando o codinome de Janete ao atender a telefonemas de desconhecidos, uma rotina muito desagradável de brasileiros comuns, a cujo coletivo ela se associou, após ter deixado de ser a rainha de paus para virar carta fora do baralho. Brasileiro é de lascar o cano, diriam Antônio Barros e Cecéu num dos mais celebrados clássicos do cancioneiro junino nos sambas do sertão do Semiárido.
O melhor exemplo disso é a emenda constitucional que limita os gastos públicos. Diante do estado lamentável em que o socialismo de fancaria do populismo lulopetista largou a ossada para o "depois de mim, o deserto", não o dilúvio, qualquer economista de bom senso diria que o elementar a fazer só poderia ser adotar a lei do só gastar o que tiver ganhado. No entanto, um bando de devotos semialfabetizados de maus decifradores de Thomas Piketty resolveram vender à Nação a teoria estapafúrdia de que essa adoção da regra mais elementar das ciências econômicas não passa de uma forma matreira de concentrar renda. Concentrar o quê? Que renda? Só se for renda de bilro.
A lei econômica virou norma constitucional em quóruns qualificados de três quintos em quatro turnos de votações na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. No entanto, a ladainha estúpida continua percorrendo os quatro cantos do País, uma mentira nefasta que engana todos e não ajuda ninguém. Henrique Meirelles, o ministro da Fazenda egresso da presidência mundial do Bank of Boston, exagerou ao dizer que foi uma revolução social similar ao Plano Real, hoje um responsável mancebo de mais de 20 anos. Pode ser que não. A moeda forte e o fim da inflação, sob a égide do presidente Itamar Franco e do ex-ministro da Fazenda Fernando Henrique, promoveram a maior revolução social da História do País. No entanto, seus efeitos desmancharam-se sob a ação corrosiva de 13 anos, 5 meses e 12 dias de desmanche da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Certo é que, tendo a irresponsabilidade fiscal voltado à voga, era mister adotar uma imposição constitucional para garantir o óbvio. No entanto, militantes de aluguel, armados de pneus queimados, paralisam o trânsito das metrópoles, mas não o País, pois este já está estagnado pelo desmazelo da nova matriz econômica, fazendo o diabo para tornar o ajuste necessário uma espécie de missa satânica. Arre égua, com mil e seiscentos diabos!, diria meu avô Chico Ferreira. Na marcha insensata rumo ao futuro (apud Barbara Tuchman), os pregoeiros da insânia insistem em antecipar o juízo final para inculpar quem luta para evitar que venha logo o dia em que não haja recursos suficientes para cobrir toda a despesa pública.
No rastro dos pneus queimados, estudantes profissionais e militantes radicais do neoanarquismo vândalo e sem causa invadem escolas para atrapalhar a realização do Enem, exame de avaliação para entrada na Universidade de massas de candidatos, para combater uma tentativa de reformar o ensino médio. Este ano, apesar dos pesares, 5.848.619 estudantes se submeteram às provas, apesar das invasões. E, quando estas pareciam fadadas ao oblívio, o operoso procurador-geral da República, Rodrigo Janot, interveio para salvá-las declarando ser inconstitucional a Medida Provisória que autoriza a reforma, porque, em sua opinião, o assunto, debatido no País desde o final dos anos de 1990, precisa ser mais discutido no Congresso, exigindo, então, a aprovação de uma lei.
Entre 2009 e 2015, a média brasileira em Matemática caiu de 391 para 377 pontos, na edição de 2015 do Pisa, exame realizado trienalmente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne países desenvolvidos. A média dos países da entidade nesta disciplina é de 490. Isso é trágico, segundo o ministro da Educação, Mendonça Filho. E quem ousa discordar dele?
O dia fatal em que o Estado como um todo não tiver mais como pagar as despesas públicas aproxima-se à medida em que o rombo previdenciário aumenta em forma exponencial. Em 2017, alcançará a cifra impressionante de R$ 200 bilhões. Para evitá-lo há que aumentar a idade limite para a aposentadoria e o total de anos de contribuição. A opção é o sistema ruir. A reforma da Previdência não é mais uma decisão política, mas uma questão primária de necessidade, como definiu muito bem Meirelles. Além disso, urge corrigir injustiças insuportáveis: A aposentadoria pública devora R$ 62 bilhões por ano para 1 milhão de aposentados. No regime geral da previdência social, pelo qual 24 milhões de beneficiários recebem aposentadorias e pensões pelo INSS, o déficit chegou a R$ 50 bilhões. Cada aposentado do setor privado recebe, em média, 30 vezes menos que aposentados do setor público. No entanto, para ver aprovada sua proposta para corrigir tais distorções na Câmara, o governo teve de assumir o compromisso de só começar a discuti-la no ano que vem. Como adiar o inevitável?
A popularidade de Temer tem índices de pré-sal (10% no Datafolha e 13% no Ibope), mas os agentes da produção aplaudem seus esforços, menos por sua agenda positiva de momento e mais pelas reformas anunciadas. Caso das mudanças das relações trabalhistas, prevendo a jornada não contínua e a primazia do negociado sobre o estatuído. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é uma setentona pouco respeitável, mas a oposição sem eleitor a defende, como o faz a hiena com sua carniça.
No meio desse ambiente surrealista, em que a necessidade é negligenciada pela utopia que produziu o pesadelo, só não faltam oportunistas do casuísmo com suas fórmulas para substituir o presidente constitucional e outros delírios momescos. As prioridades são pôr fim à quebradeira das empresas e arranjar trabalho para 12 milhões de desempregados. A hora é de suar, e não de sonhar.
*Jornalista, poeta e escritor