Quem é Francisco Emerson Domiciano? Francisco foi o nobre rico Giovanni di Pietro di Bernardone, que nasceu no século 13 em Assis, na Úmbria, hoje parte da Itália, e, tendo abandonado os bens materiais, dedicou a vida a servir aos pobres? Emerson, sobrenome de Ralph Waldo, escritor, filósofo e poeta da Nova Inglaterra, que viveu nos Estados Unidos da América no século 18? Ou xará de Emerson Palmieri, nascido em Santos (SP), lateral esquerdo do Chelsea londrino e da seleção italiana de futebol, campeã da Eurocopa de 2021? Acaso seria Tito Flávio Domiciano, tido como cruel e desumano imperador romano, o último da dinastia flaviana no século 1.º dC?
O patrício contemporâneo que reúne o santo, o pensador e o tirano no nome suja o noticiário deste momento com a saga de um felicíssimo vendedor que faz vendas e investimentos milionários. E tem o dom mágico de nunca entregar o produto das vendas ao comprador, embolsando milhões de reais. O Ministério Público do Distrito Federal acusou-o de ter recebido, em 2018, R$ 19,1 milhões pelo fornecimento de remédios para doenças graves, e até hoje eles não foram entregues. Nesse processo também é acusado o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, no governo Temer. Conforme Evandro Eboli e André de Souza, do Globo, para o atual líder do desgoverno na Câmara dos Deputados, na defesa preliminar, o episódio foi "um caso isolado de insucesso", no máximo, "risco administrativo".
O líder do mesmo desgoverno no Senado, Fernando Bezerra Coelho, mandatário de Petrolina (PE), às margens do São Francisco, em discurso lido na comissão parlamentar de inquérito (CPI) da covid, assegurou a seus pares que nenhuma sentença definitiva pesa na Justiça contra o afortunado. A afirmação estende-se a outra empresa dele, a Precisa Medicamentos, definida pelo relator da CPI, Renan Calheiros, como "atravessadora" na desastrada contratação de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca pelo Ministério da Saúde. O contrato, suspenso, mas vigente, no valor total de R$ 1,67 bilhão, foi feito no momento em que o laboratório, fundado em 1999 em Cambridge, era questionado na União Europeia (UE) por não entregar as doses compradas e pagas pelos países que a compõem. Em parceria com a Universidade de Oxford e a brasileira Fiocruz, o mesmo fornecedor não fora, contudo, consultado sobre a existência dos 400 milhões de doses oferecidas pela Armata Brancaleone. Por enquanto, sabe-se apenas que a invoice (fatura) da tal Precisa cobrando R$ 436 milhões de adiantamento continha insanáveis erros de grafia, como a troca de price (preço) por prince (príncipe) e airport (aeroporto) por airpor (?), garimpados pela senadora Simone Tebet.
Precisa e Global são do mesmo dono e se começa a saber que pagar contas devidas não é o esporte favorito do xará de santo, filósofo e legionário que virou imperador de Roma e dono do mundo. Graças ao diligente trabalho de Simone Tebet, Alessandro Vieira, Renan Calheiros, Fábio Contarato, Omar Aziz, Otto Alencar e Rogério Carvalho (não confundir com o locutor de quermesse especializado em ler os éditos do gabinete do ódio Marcos Rogério), descobriu-se que a capivara dele é longa, mas não é singular. Pela CPI, graças à oportuna delação dos irmãos Miranda, o deputado e o servidor, foram descobertas peripécias do arco da velha. O cabo da PM de Minas Gerais Luiz Paulo Dominguetti não estava de ronda em Belo Horizonte. Mas num restaurante em Brasília, à mesa com o tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde, e o então diretor do Departamento de Logística Roberto Dias. Negociavam vacinas que a AstraZeneca desconhece que sequer existam. Exonerado, Dias foi à CPI dizer que Dominguetti é "picareta". Bingo! Mas não justificou a happy hour em horário de expediente com ele. Mentiu tanto que o presidente da CPI, Omar Aziz, corretamente lhe deu voz de prisão, logo relaxada pela módica quantia de R$ 1.100. Afinal, como argumentou seu causídico, é um pobre barnabé mal remunerado, que não teria cobrado um cent de dólar americano por dose da vacina posta à venda.
As negociações da indiana Covaxin, ainda não liberada para o público brasileiro em geral pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e da AstraZeneca, que o governo negociou no mercado negro, embora tenha garantia de entrega oficial na parceria do laboratório com a Fiocruz, são uma espécie de vade-mécum para a autoridade policial processar vigaristas. A filustria da venda do bondinho do Pão de Açúcar parece um conto de fadas, se comparado com essa história de trancoso de gente que deveria estar trancada em celas do sistema prisional infernal que assombra José Eduardo Cardozo, do PT. Cristiano Alberto Carvalho recebeu auxílio emergencial por obra e desgraça de Onyx Lorenzoni, que entrou na história como J. Pinto Fernandes, o Pilatos mineiro do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade. Pois foi: de tanto picareta que poderia mandar investigar, ordenou, em entrevista coletiva, como de hábito sem perguntas, por não haver respostas, abrir processos na Advocacia-Geral da União, na Controladoria-Geral da União e na Procuradoria-Geral da República contra o servidor que desvendou a maracutaia e ainda foi acusado da falsificação.
Consta que a guerra suja entre oficiais das Forças Armadas que não envergonham o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, nem burocratas a serviço do Centrão de Arthur Lira e Ricardo Barros, é tema de um dossiê de Roberto Dias, blindado pelo gabinete do ódio. E há quem espere o áudio da citação do tal "rolo" do Barros, cuja divulgação atormenta noites mal dormidas no Alvorada. Como perguntava meu saudoso amigo Manezinho Araújo, embolador de escol: "Cuma é o nome dele?". Mas o nome disso, Mané Fuloriano é que não é. É grossa corrupção, que Bolsonaro nega, mas o povo não acredita (apud Datafolha).
*Jornalista, poeta e escritor