'Nosso controle é mais rígido que o de petições escritas', diz Abramovay


Em entrevista ao 'Estado', diretor da Avaaz discute o impacto dos abaixo-assinados na política

Por Bruno Lupion

SÃO PAULO - Em entrevista ao Estado, o diretor de campanhas da Avaaz, Pedro Abramovay, contesta críticas de que uma organização estrangeira não deveria ter atuação política no Brasil, discute o quanto o número de assinaturas em uma petição online corresponde à realidade e diz que definir essas campanhas como "ativismo de sofá" seria um argumento "despolitizador".

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

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Qual a relevância dos abaixo-assinados online no quadro político brasileiro?

Primeiro, é preciso dizer que a Avaaz não é somente uma organização de abaixo-assinados online. O abaixo-assinado é uma ferramenta para a gente fazer as campanhas. É uma ferramenta incrível, que a gente não tinha antes, de você conseguir reunir as vozes ocultas das pessoas e fazer isso entrar para a pauta nacional. Essa é a grande vantagem da internet, dos abaixo-assinados. São  pessoas que não tinham uma relação entre si e que tinham desejo de ter sua voz ouvida, mas não tinham como. Acho que a função de um organização como a Avaaz é fazer essa voz ser ouvida e fazer com que isso faça a diferença. Posso te dar o exemplo dos índios Guarani (Kaiowá). Uma pessoa criou uma petição sobre os Guarani, aquilo se tornou viral, a gente encampou, entregou (o abaixo-assinado) pro ministro da Justiça e teve uma resposta da presidenta da República, que mandou demarcar as terras, o que estava há sete anos parado. O assunto estava lá escondido ha muito tempo. Como você consegue combinar essa capacidade das pessoas se agregarem pela internet nos abaixo-assinados com uma organização que tem uma capacidade de fazer esses abaixo-assinados serem ouvidos no debate público, isso realmente começa a transformar a democracia.

É possível atribuir aspectos de democracia direta aos abaixo-assinados online?

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Sim, a atual Constituição Federal brasileira tem uma novidade em relação às anteriores, que sempre atribuíram ao poder do povo um caráter simbólico, falavam que todo o poder emanava do povo e em seu nome era exercido pelos representantes. A nossa Constituição fala que não, que é o próprio povo que exerce o poder, diretamente ou pelos seus representantes. Isso significa que o parlamento vai ser substituído, que a democracia direta vai substituir a democracia participativa? Acho que não. Mas acho que é bem o espírito da Constituição brasileira. A democracia direta, o povo exercendo o poder diretamente, melhora a qualidade da democracia representativa, faz com que ela não seja algo de um voto a cada quatro anos, mas obriga um diálogo constante entre os representantes eleitos e o povo.

A Casa Branca já tem uma plataforma oficial de abaixo-assinados na qual, após um determinado número de assinaturas, o governo é obrigado a se posicionar. Há alguma discussão no Brasil hoje para dar algum tipo de valor legal a esse tipo de petição?

Isso tem sido discutido por vários parlamentares. Uma das entregas que a gente fez pro presidente da Câmara, sobre trabalho escravo, o Marco Maia era presidente à época, ele falou sobre isso, falou que a gente precisa mudar a legislação para dar mais poder para isso. O (senador) Pedro Taques disse que está montando um pacote sobre isso, que inclui a possibilidade de pedido de urgência no parlamento se você tiver uma série de assinaturas. Isso é o reconhecimento das petições online como petições juridicamente válidas. Vários políticos têm falado disso, é uma agenda nova, e o Brasil está na ponta dessa agenda, da relação da internet com a política. A própria elaboração do marco civil da internet, que foi feito por meio de um debate publico na internet, coloca o Brasil nessa vanguarda e acho que agora é o momento de depurar isso, de entender como fazer isso crescer.

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Quando você vai ao Congresso, que reação sente por parte dos políticos aos abaixo-assinados?

É muito forte, muito mais do que as pessoas podem imaginar. Nesse caso do Marco Maia, por exemplo, a gente conseguiu fazer votar a PEC do Trabalho Escravo na Câmara, uma coisa que estava parada há mais de uma década. E foi logo depois da votação do Código Florestal, ou seja, uma Câmara propensa a votar a favor dos ruralistas. E a gente conseguiu, foi recebido pelo presidente. Quando a gente foi no Senado entregar a (petição) do voto aberto, a gente conseguiu votar a PEC do voto aberto no Senado, depois de entregar. E agora, no caso do Renan, a receptividade foi grande. Fomos recebidos por senadores de cinco partidos, o diálogo com esse senadores continua, a gente tem falado com eles constantemente, para pensar a estratégia de como atender esse pedido das pessoas para que o Renan saia. O que a gente percebe é o respeito que as pessoas têm, quando nós ligamos para os parlamentares. E claro, porque a gente está combinando esse instrumento de petição online com uma equipe que tem acesso a parlamentares, que sabe fazer isso. É uma organização bem equipada para chegar no Congresso. Quando a gente liga para os parlamentares, sempre há resposta, sempre conseguimos entregar essa petições para parlamentares, para ministros. No Código Florestal, a Dilma designou três ministros para receber a Avaaz, naquela petição de dois milhões (de assinaturas). E conseguimos um veto parcial que eu tenho certeza que foi em função da pressão popular. A receptividade no sistema político brasileiro hoje é muito grande. O que não significa que a gente vai impor as vontades em todos os casos. Mas sempre a gente tem respostas e quase sempre a atuação nossa faz diferença no resultado final.

Algum setor do Congresso é mais resistente?

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Eu identifico resistência muito maior com relação ao tema que a gente vai levar. Se é contra o Renan, claro, o Renan e seus aliados mais próximos vão ser contra, se é a favor do voto aberto, quem é contra vai ser contra. Quanto ao mecanismo em si, as reações têm sido positivas. O próprio Renan deixou isso muito claro, sobre quanto era legítimo o movimento. Ele falou "olha, agora o Congresso tem que avaliar como lidar com isso", anunciou aquele pacote como resposta a isso. Não tenho sentido por parte do Congresso Nacional nem dos ministros uma resistência à ideia de uma mobilização popular pela internet. Claro que a resistência acontece, porque a gente lida com temas que são temas difíceis. Mas não vejo resistência ao modelo.

Como você vê a médio prazo, no futuro, o impacto da internet na política?

A política nunca mais vai ser a mesma, eu tenho certeza. É impossível você achar que o voto a cada quatro anos vai ser suficiente num espaço no qual as pessoas têm a possibilidade de se conectar de maneira tao rápida e fazer essa conexão se transformar em uma voz a ser ouvida. Isso é uma novidade irreversível, é impossível voltar para trás. Mas as possibilidades abertas por isso a gente ainda não sabe. A gente sabe que vai mudar. Eu gosto de lembrar uma música do Chico Buarque que ele fez olhando as greves do ABC, no final dos anos 70, ele falou: "Eu não sei bem o que seja, mas seja o que será, o que será que se veja, vai passar por lá". Acho que essa é um pouco a sensação. De fato, a história do Brasil passou por ali. É muito difícil saber o que vai ser a relação da internet com a política, mas que a democracia vai ser melhor, mais eficiente, diferente do que ela é hoje, por causa da internet, eu não tenho a menor dúvida.

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Vocês chegaram a contratar uma pesquisa Ibope relacionada ao abaixo-assinado que pede a renúncia do Renan Calheiros. O Renan é hoje a pauta prioritária para a Avaaz?

Eu acho que a pauta da corrupção é uma das pautas mais importantes para o Brasil. Teve a Ficha Limpa, tiveram os protestos contra o Renan Calheiros, acho que é a campanha do momento, e é uma campanha que tocou muito fundo no coração e nos sentimento político dos brasileiros. Essa não é uma campanha de uma parte da sociedade, acho que o Ibope mostrou isso, mostra como 1,6 milhão (de assinaturas) refletem sim a posição da população. (Segundo a pesquisa) três quartos dos brasileiros apoiam a campanha, querem que os senadores atuem e pressionem para que o Renan renuncie. Eu acho que isso mostra o lastro que existe entre as petições online, especificamente essa, que foi incrível do ponto de vista do tamanho da repercussão, e a vontade das pessoas

Quanto custou essa pesquisa?

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Eu não tenho esse dado.

Vocês já tinham contratado outras pesquisas relacionadas a alguma campanha?

No Brasil, é a primeira vez, mas a gente faz pesquisas em outros lugares. Faz parte da estratégia, porque justamente muitas vezes as pessoas querem dizer que 1,6 milhão não representa a população brasileira. Em primeiro lugar, 1,6 milhão de assinaturas é mais do que 1% do eleitorado, é o dobro da votação do Renan. Acho que não dá para desprezar. Mas acho que uma pesquisa como essa é fundamental para mostrar que existe apoio da população brasileira e que a população brasileira quer que os senadores se mexam nesse assunto, isso faz parte da campanha. como eu disse, petição na internet é um pedaço da campanha, a gente tem muitos mecanismos para fazer essa campanha se tornar realidade, e a pesquisa é um deles.

Vocês estão em contato com a OAB para propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que acabe com o voto secreto no Senado?

Sim, de novo, tentando procurar as estratégias mais diversas para chegar ao objetivo. A gente tem uma convicção clara de que o voto secreto é inconstitucional, e essa pesquisa Ibope também mostrou que mais da metade dos brasileiros nem considera válida uma eleição feita por voto secreto. A Constituição Federal não prevê o voto secreto para eleição do presidente da Casa, ela prevê para várias ocasiões, mas não prevê eleição para presidente. Não pode o regimento interno criar uma exceção ao princípio democrático. Se a gente admite que pode, amanhã podem aprovar uma que proíbe abrir os votos em todos os casos, vai ter votação de PEC por voto secreto, votação de projeto de lei, e aí de fato vira uma democracia oculta.

Há quem diga que essa forma de participação política seja um 'ativismo de sofá'. Como você vê essa relação entre o ativismo online e o ativismo ‘real’, de pessoas na rua protestando?

Primeiro, protesto na rua é um dos mecanismos de se fazer política, certamente não é o único. Nessa manifestação no Congresso (contra Renan Calheiros, que reuniu 30 pessoas) não houve convocação para as pessoas irem lá. A gente queria fazer a petição ser ouvida, coisa que a gente conseguiu, estava em todos os jornais brasileiros, televisão, esse era o objetivo. Agora, eu acho fundamental deixar claro que não se trata de um ativismo só ligado à internet, ele tem todo um desdobramento. Por outro lado, as pessoas passam tanto tempo na internet, ela é uma parte tão importante para as nossas vidas, que dizer que a política feita ali é menos política, eu acho que é um argumento despolitizador, um argumento que desvaloriza uma parte importante da vida das pessoas. Por exemplo, quando uma pessoa assina uma petição, e boa parte das vezes a pessoa compartilha essa petição no Facebook, isso é um ato profundamente político. Porque ela está assumindo uma posição política publicamente, diante de todos os seus interlocutores, coisa que as pessoas não faziam antes. Uma pessoa que não era um militante político profissional dificilmente iria falar de política em público para tanta gente como é quando você compartilha, dando a cara para bater, abrindo a possibilidade de que alguém contra-argumente, diga que sua posição é equivocada. A utilização da internet para melhorar a política politiza mais as pessoas, e não despolitiza. São pessoas que antes estavam fora da possibilidade de intervir na democracia e que hoje estão desempenhando um papel relevantíssimo nos rumos democráticos. Acho que é muito importante conseguir usar isso para essa transformação democrática.

A Avaaz deleta alguns abaixo-assinados, como um proposto em defesa do pastor Silas Malafaia. Qual o critério para deletar ou bloquear algumas petições?

O critério mais utilizado, e foi o caso da petição do Malafaia, que se tornou um caso bastante conhecido, é quando alguém da comunidade reclama. Porque a gente vê a Avaaz como um movimento, não é uma rede social, não é um espaço neutro, ela é um movimento que tem princípios. Quando uma parte dessa comunidade diz que essa petição vai contra o princípios do movimento, a gente faz uma pesquisa entre os nossos membros, perguntando, para uma amostra aleatória e por critérios cientificos, se isso representa a vontade dos membros. A gente tem três milhões de membros no Brasil, e pergunta: Vocês acham que essa petição deve continuar ou deve ser retirada? No caso do Malafaia, 77% das pessoas disseram que ela deveria ser retirada, e foi por isso que ela foi retirada.

Mas se a maioria decidisse que a petição teria que ficar, ela ficaria?

Fica.

O Malafaia, assim como o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), atual presidente da Comissão de Direitos da Câmara, disseram que vão processar vocês por terem apagado a petição deles.

Isso mostra que de fato essas manifestações têm tido um efeito político grande, isso é positivo. Mas acho que qualquer tentativa de se reprimir, judicialmente ou não, movimentos políticos, acho que é muito complicado para a democracia. De qualquer maneira, a Avaaz está muito tranquila, existem regras claras na política da publicação e retirada de petições que estão no site. Do ponto de vista do risco jurídico, a gente não vê nenhum risco nessa forma de conduzir esse movimento.

Para assinar uma petição a pessoa só precisa se cadastrar no site e informar um endereço e-mail. Até que ponto os números de assinaturas são reais? Uma pessoa pode mudar uma letra do nome e assinar duas vezes, por exemplo.

Acho muito curioso, porque as pessoas colocam esse problema nas petições eletrônicas como se esse problema não existisse nas petições reais. E, no fundo, as petições eletrônicas têm mecanismos de controle muito mais efetivos, a possibilidade que você tem de controlar é muito maior que na petição real. É claro que ninguém conferiu se tinha alguma assinatura duplicada na petição do (projeto de lei de iniciativa popular) Ficha Limpa, porque é impossível você conferir. A gente confere. Se tiver assinatura duplicada, a gente passa periodicamente num sistema e retira aquilo do numero total. No caso do Renan, a gente fez isso. Naquele número (1,6 milhão), não consta nenhuma duplicada. Se a pessoa colocar um e-mail que não existe, ou seja, se a gente mandar uma confirmação e a confirmação voltar, também a assinatura não é computada. Mas se a pessoa não colocar o nome real dela, colocar uma apelido, ela pode fazer. Ela pode fazer isso na política de diversas maneiras. O Tiririca (PR-SP), o deputado federal mais votado por São Paulo, se elegeu com o nome de Tiririca. A gente não vai controlar se a pessoa colocou o nome de nascimento ou não. E claro, se a gente percebe que tem um IP (endereço do computador) duvidoso, tem padrões que você consegue perceber que são robôs assinando. Quando a gente percebe isso, a gente tira, e já aconteceu inclusive uma vez no Canadá que a gente inclusive denunciou para a policia, pois era uma tentativa de fraude. A gente é muito rigoroso que esses números reflitam a realidade. E a gente é muito tranquilo quanto ao fato de que eles realmente refletem. A quantidade de e-mails que foram enviados aos senadores, a maneira como isso se espalhou nas redes sociais demonstra isso. As petições online têm mecanismos de controle de assinatura muito mais rígidos do que as petições escritas.

A Avaaz está há quanto tempo no Brasil?

Ela não tem um escritório no Brasil, ela tem brasileiros que trabalham na Avaaz. Eu não sou diretor da Avaaz no Brasil, eu sou diretor de campanha de Avaaz, claro que trabalho muito sobre o Brasil, porque entendo de Brasil, mas estava esses dias no Equador fazendo uma campanha lá, já trabalhei em campanha sobre a África, sobre a Europa, não tem essa divisão clara. Mas a primeira grande campanha no Brasil foi o Ficha Limpa.

Mas no Ficha Limpa vocês entraram no final do movimento, não foi?

Sim, a grande força do Ficha Limpa era para que ele fosse votado. Já tinha tido um recolhimento de assinaturas, mas era uma estratégia para que aquilo fosse votado no Congresso. Uma estratégia que foi muito vitoriosa, porque todos os organizadores do Movimento Ficha Limpa, o pessoal do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o juiz Márlon Reis, eles todos reconhecem muito o papel que a Avaaz teve nessa reta final.

Comparativamente com o mundo, 3 milhões de usuários no Brasil é muito ou pouco?

É o maior país, é o país que tem o maior número de membros. São 20 milhões de membros e mais de 2 milhões no Brasil.

Como a organização se financia?

Ela só aceita pequenas doações de indivíduos, ela não aceita de pessoas jurídicas, não aceita de governos, só indivíduos, e indivíduos com um limite, para que ninguém possa ter o controle, para que nenhum grupo econômico possa ter o controle sobre as decisões da Avaaz, como acontece na política. Hoje o maior problema que a gente tem na política, não só no Brasil, mas no Brasil também, é o fato do dinheiro das empresas definirem as eleições e portanto continuarem tendo uma grande influência nos políticos. A Avaaz tem essa vantagem de não aceitar dinheiro de empresas nem grandes doações.

Mas no começo da sua história a Avaaz recebeu um grande aporte do George Soros, não?

Teve um aporte absolutamente irrelevante em relação ao orçamento que a Avaaz tem hoje em dia. No início, teve um aporte da fundação dele (Open Society Foundation), para que a organização começasse a se constituir. Isso hoje no orçamento da organização é mínimo.

De quanto foi esse aporte?

Não tenho o dado, mas foi algo em torno de U$ 100 mil, nessa escala de grandeza.

Há quem aponte certa estranheza no fato de uma ONG estrangeira, que não tem escritório no Brasil, organizar campanhas que tentam influir no processo político brasileiro.

Nossa organização é feita a partir do poder das pessoas. Quem determina os rumos da organização são muito mais os membros do que um certo grupo de pessoas. E temos nos brasileiros o maior país entre seus membros. Acho que é uma organização global, não é uma organização estrangeira. Tentar fazer essa separação, acho que é uma separação bastante antiquada na verdade. As campanhas feitas no Brasil são feitas a partir dos membros brasileiros e claramente têm refletido os interesses dos brasileiros, e não outra coisa.

SÃO PAULO - Em entrevista ao Estado, o diretor de campanhas da Avaaz, Pedro Abramovay, contesta críticas de que uma organização estrangeira não deveria ter atuação política no Brasil, discute o quanto o número de assinaturas em uma petição online corresponde à realidade e diz que definir essas campanhas como "ativismo de sofá" seria um argumento "despolitizador".

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Qual a relevância dos abaixo-assinados online no quadro político brasileiro?

Primeiro, é preciso dizer que a Avaaz não é somente uma organização de abaixo-assinados online. O abaixo-assinado é uma ferramenta para a gente fazer as campanhas. É uma ferramenta incrível, que a gente não tinha antes, de você conseguir reunir as vozes ocultas das pessoas e fazer isso entrar para a pauta nacional. Essa é a grande vantagem da internet, dos abaixo-assinados. São  pessoas que não tinham uma relação entre si e que tinham desejo de ter sua voz ouvida, mas não tinham como. Acho que a função de um organização como a Avaaz é fazer essa voz ser ouvida e fazer com que isso faça a diferença. Posso te dar o exemplo dos índios Guarani (Kaiowá). Uma pessoa criou uma petição sobre os Guarani, aquilo se tornou viral, a gente encampou, entregou (o abaixo-assinado) pro ministro da Justiça e teve uma resposta da presidenta da República, que mandou demarcar as terras, o que estava há sete anos parado. O assunto estava lá escondido ha muito tempo. Como você consegue combinar essa capacidade das pessoas se agregarem pela internet nos abaixo-assinados com uma organização que tem uma capacidade de fazer esses abaixo-assinados serem ouvidos no debate público, isso realmente começa a transformar a democracia.

É possível atribuir aspectos de democracia direta aos abaixo-assinados online?

Sim, a atual Constituição Federal brasileira tem uma novidade em relação às anteriores, que sempre atribuíram ao poder do povo um caráter simbólico, falavam que todo o poder emanava do povo e em seu nome era exercido pelos representantes. A nossa Constituição fala que não, que é o próprio povo que exerce o poder, diretamente ou pelos seus representantes. Isso significa que o parlamento vai ser substituído, que a democracia direta vai substituir a democracia participativa? Acho que não. Mas acho que é bem o espírito da Constituição brasileira. A democracia direta, o povo exercendo o poder diretamente, melhora a qualidade da democracia representativa, faz com que ela não seja algo de um voto a cada quatro anos, mas obriga um diálogo constante entre os representantes eleitos e o povo.

A Casa Branca já tem uma plataforma oficial de abaixo-assinados na qual, após um determinado número de assinaturas, o governo é obrigado a se posicionar. Há alguma discussão no Brasil hoje para dar algum tipo de valor legal a esse tipo de petição?

Isso tem sido discutido por vários parlamentares. Uma das entregas que a gente fez pro presidente da Câmara, sobre trabalho escravo, o Marco Maia era presidente à época, ele falou sobre isso, falou que a gente precisa mudar a legislação para dar mais poder para isso. O (senador) Pedro Taques disse que está montando um pacote sobre isso, que inclui a possibilidade de pedido de urgência no parlamento se você tiver uma série de assinaturas. Isso é o reconhecimento das petições online como petições juridicamente válidas. Vários políticos têm falado disso, é uma agenda nova, e o Brasil está na ponta dessa agenda, da relação da internet com a política. A própria elaboração do marco civil da internet, que foi feito por meio de um debate publico na internet, coloca o Brasil nessa vanguarda e acho que agora é o momento de depurar isso, de entender como fazer isso crescer.

Quando você vai ao Congresso, que reação sente por parte dos políticos aos abaixo-assinados?

É muito forte, muito mais do que as pessoas podem imaginar. Nesse caso do Marco Maia, por exemplo, a gente conseguiu fazer votar a PEC do Trabalho Escravo na Câmara, uma coisa que estava parada há mais de uma década. E foi logo depois da votação do Código Florestal, ou seja, uma Câmara propensa a votar a favor dos ruralistas. E a gente conseguiu, foi recebido pelo presidente. Quando a gente foi no Senado entregar a (petição) do voto aberto, a gente conseguiu votar a PEC do voto aberto no Senado, depois de entregar. E agora, no caso do Renan, a receptividade foi grande. Fomos recebidos por senadores de cinco partidos, o diálogo com esse senadores continua, a gente tem falado com eles constantemente, para pensar a estratégia de como atender esse pedido das pessoas para que o Renan saia. O que a gente percebe é o respeito que as pessoas têm, quando nós ligamos para os parlamentares. E claro, porque a gente está combinando esse instrumento de petição online com uma equipe que tem acesso a parlamentares, que sabe fazer isso. É uma organização bem equipada para chegar no Congresso. Quando a gente liga para os parlamentares, sempre há resposta, sempre conseguimos entregar essa petições para parlamentares, para ministros. No Código Florestal, a Dilma designou três ministros para receber a Avaaz, naquela petição de dois milhões (de assinaturas). E conseguimos um veto parcial que eu tenho certeza que foi em função da pressão popular. A receptividade no sistema político brasileiro hoje é muito grande. O que não significa que a gente vai impor as vontades em todos os casos. Mas sempre a gente tem respostas e quase sempre a atuação nossa faz diferença no resultado final.

Algum setor do Congresso é mais resistente?

Eu identifico resistência muito maior com relação ao tema que a gente vai levar. Se é contra o Renan, claro, o Renan e seus aliados mais próximos vão ser contra, se é a favor do voto aberto, quem é contra vai ser contra. Quanto ao mecanismo em si, as reações têm sido positivas. O próprio Renan deixou isso muito claro, sobre quanto era legítimo o movimento. Ele falou "olha, agora o Congresso tem que avaliar como lidar com isso", anunciou aquele pacote como resposta a isso. Não tenho sentido por parte do Congresso Nacional nem dos ministros uma resistência à ideia de uma mobilização popular pela internet. Claro que a resistência acontece, porque a gente lida com temas que são temas difíceis. Mas não vejo resistência ao modelo.

Como você vê a médio prazo, no futuro, o impacto da internet na política?

A política nunca mais vai ser a mesma, eu tenho certeza. É impossível você achar que o voto a cada quatro anos vai ser suficiente num espaço no qual as pessoas têm a possibilidade de se conectar de maneira tao rápida e fazer essa conexão se transformar em uma voz a ser ouvida. Isso é uma novidade irreversível, é impossível voltar para trás. Mas as possibilidades abertas por isso a gente ainda não sabe. A gente sabe que vai mudar. Eu gosto de lembrar uma música do Chico Buarque que ele fez olhando as greves do ABC, no final dos anos 70, ele falou: "Eu não sei bem o que seja, mas seja o que será, o que será que se veja, vai passar por lá". Acho que essa é um pouco a sensação. De fato, a história do Brasil passou por ali. É muito difícil saber o que vai ser a relação da internet com a política, mas que a democracia vai ser melhor, mais eficiente, diferente do que ela é hoje, por causa da internet, eu não tenho a menor dúvida.

Vocês chegaram a contratar uma pesquisa Ibope relacionada ao abaixo-assinado que pede a renúncia do Renan Calheiros. O Renan é hoje a pauta prioritária para a Avaaz?

Eu acho que a pauta da corrupção é uma das pautas mais importantes para o Brasil. Teve a Ficha Limpa, tiveram os protestos contra o Renan Calheiros, acho que é a campanha do momento, e é uma campanha que tocou muito fundo no coração e nos sentimento político dos brasileiros. Essa não é uma campanha de uma parte da sociedade, acho que o Ibope mostrou isso, mostra como 1,6 milhão (de assinaturas) refletem sim a posição da população. (Segundo a pesquisa) três quartos dos brasileiros apoiam a campanha, querem que os senadores atuem e pressionem para que o Renan renuncie. Eu acho que isso mostra o lastro que existe entre as petições online, especificamente essa, que foi incrível do ponto de vista do tamanho da repercussão, e a vontade das pessoas

Quanto custou essa pesquisa?

Eu não tenho esse dado.

Vocês já tinham contratado outras pesquisas relacionadas a alguma campanha?

No Brasil, é a primeira vez, mas a gente faz pesquisas em outros lugares. Faz parte da estratégia, porque justamente muitas vezes as pessoas querem dizer que 1,6 milhão não representa a população brasileira. Em primeiro lugar, 1,6 milhão de assinaturas é mais do que 1% do eleitorado, é o dobro da votação do Renan. Acho que não dá para desprezar. Mas acho que uma pesquisa como essa é fundamental para mostrar que existe apoio da população brasileira e que a população brasileira quer que os senadores se mexam nesse assunto, isso faz parte da campanha. como eu disse, petição na internet é um pedaço da campanha, a gente tem muitos mecanismos para fazer essa campanha se tornar realidade, e a pesquisa é um deles.

Vocês estão em contato com a OAB para propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que acabe com o voto secreto no Senado?

Sim, de novo, tentando procurar as estratégias mais diversas para chegar ao objetivo. A gente tem uma convicção clara de que o voto secreto é inconstitucional, e essa pesquisa Ibope também mostrou que mais da metade dos brasileiros nem considera válida uma eleição feita por voto secreto. A Constituição Federal não prevê o voto secreto para eleição do presidente da Casa, ela prevê para várias ocasiões, mas não prevê eleição para presidente. Não pode o regimento interno criar uma exceção ao princípio democrático. Se a gente admite que pode, amanhã podem aprovar uma que proíbe abrir os votos em todos os casos, vai ter votação de PEC por voto secreto, votação de projeto de lei, e aí de fato vira uma democracia oculta.

Há quem diga que essa forma de participação política seja um 'ativismo de sofá'. Como você vê essa relação entre o ativismo online e o ativismo ‘real’, de pessoas na rua protestando?

Primeiro, protesto na rua é um dos mecanismos de se fazer política, certamente não é o único. Nessa manifestação no Congresso (contra Renan Calheiros, que reuniu 30 pessoas) não houve convocação para as pessoas irem lá. A gente queria fazer a petição ser ouvida, coisa que a gente conseguiu, estava em todos os jornais brasileiros, televisão, esse era o objetivo. Agora, eu acho fundamental deixar claro que não se trata de um ativismo só ligado à internet, ele tem todo um desdobramento. Por outro lado, as pessoas passam tanto tempo na internet, ela é uma parte tão importante para as nossas vidas, que dizer que a política feita ali é menos política, eu acho que é um argumento despolitizador, um argumento que desvaloriza uma parte importante da vida das pessoas. Por exemplo, quando uma pessoa assina uma petição, e boa parte das vezes a pessoa compartilha essa petição no Facebook, isso é um ato profundamente político. Porque ela está assumindo uma posição política publicamente, diante de todos os seus interlocutores, coisa que as pessoas não faziam antes. Uma pessoa que não era um militante político profissional dificilmente iria falar de política em público para tanta gente como é quando você compartilha, dando a cara para bater, abrindo a possibilidade de que alguém contra-argumente, diga que sua posição é equivocada. A utilização da internet para melhorar a política politiza mais as pessoas, e não despolitiza. São pessoas que antes estavam fora da possibilidade de intervir na democracia e que hoje estão desempenhando um papel relevantíssimo nos rumos democráticos. Acho que é muito importante conseguir usar isso para essa transformação democrática.

A Avaaz deleta alguns abaixo-assinados, como um proposto em defesa do pastor Silas Malafaia. Qual o critério para deletar ou bloquear algumas petições?

O critério mais utilizado, e foi o caso da petição do Malafaia, que se tornou um caso bastante conhecido, é quando alguém da comunidade reclama. Porque a gente vê a Avaaz como um movimento, não é uma rede social, não é um espaço neutro, ela é um movimento que tem princípios. Quando uma parte dessa comunidade diz que essa petição vai contra o princípios do movimento, a gente faz uma pesquisa entre os nossos membros, perguntando, para uma amostra aleatória e por critérios cientificos, se isso representa a vontade dos membros. A gente tem três milhões de membros no Brasil, e pergunta: Vocês acham que essa petição deve continuar ou deve ser retirada? No caso do Malafaia, 77% das pessoas disseram que ela deveria ser retirada, e foi por isso que ela foi retirada.

Mas se a maioria decidisse que a petição teria que ficar, ela ficaria?

Fica.

O Malafaia, assim como o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), atual presidente da Comissão de Direitos da Câmara, disseram que vão processar vocês por terem apagado a petição deles.

Isso mostra que de fato essas manifestações têm tido um efeito político grande, isso é positivo. Mas acho que qualquer tentativa de se reprimir, judicialmente ou não, movimentos políticos, acho que é muito complicado para a democracia. De qualquer maneira, a Avaaz está muito tranquila, existem regras claras na política da publicação e retirada de petições que estão no site. Do ponto de vista do risco jurídico, a gente não vê nenhum risco nessa forma de conduzir esse movimento.

Para assinar uma petição a pessoa só precisa se cadastrar no site e informar um endereço e-mail. Até que ponto os números de assinaturas são reais? Uma pessoa pode mudar uma letra do nome e assinar duas vezes, por exemplo.

Acho muito curioso, porque as pessoas colocam esse problema nas petições eletrônicas como se esse problema não existisse nas petições reais. E, no fundo, as petições eletrônicas têm mecanismos de controle muito mais efetivos, a possibilidade que você tem de controlar é muito maior que na petição real. É claro que ninguém conferiu se tinha alguma assinatura duplicada na petição do (projeto de lei de iniciativa popular) Ficha Limpa, porque é impossível você conferir. A gente confere. Se tiver assinatura duplicada, a gente passa periodicamente num sistema e retira aquilo do numero total. No caso do Renan, a gente fez isso. Naquele número (1,6 milhão), não consta nenhuma duplicada. Se a pessoa colocar um e-mail que não existe, ou seja, se a gente mandar uma confirmação e a confirmação voltar, também a assinatura não é computada. Mas se a pessoa não colocar o nome real dela, colocar uma apelido, ela pode fazer. Ela pode fazer isso na política de diversas maneiras. O Tiririca (PR-SP), o deputado federal mais votado por São Paulo, se elegeu com o nome de Tiririca. A gente não vai controlar se a pessoa colocou o nome de nascimento ou não. E claro, se a gente percebe que tem um IP (endereço do computador) duvidoso, tem padrões que você consegue perceber que são robôs assinando. Quando a gente percebe isso, a gente tira, e já aconteceu inclusive uma vez no Canadá que a gente inclusive denunciou para a policia, pois era uma tentativa de fraude. A gente é muito rigoroso que esses números reflitam a realidade. E a gente é muito tranquilo quanto ao fato de que eles realmente refletem. A quantidade de e-mails que foram enviados aos senadores, a maneira como isso se espalhou nas redes sociais demonstra isso. As petições online têm mecanismos de controle de assinatura muito mais rígidos do que as petições escritas.

A Avaaz está há quanto tempo no Brasil?

Ela não tem um escritório no Brasil, ela tem brasileiros que trabalham na Avaaz. Eu não sou diretor da Avaaz no Brasil, eu sou diretor de campanha de Avaaz, claro que trabalho muito sobre o Brasil, porque entendo de Brasil, mas estava esses dias no Equador fazendo uma campanha lá, já trabalhei em campanha sobre a África, sobre a Europa, não tem essa divisão clara. Mas a primeira grande campanha no Brasil foi o Ficha Limpa.

Mas no Ficha Limpa vocês entraram no final do movimento, não foi?

Sim, a grande força do Ficha Limpa era para que ele fosse votado. Já tinha tido um recolhimento de assinaturas, mas era uma estratégia para que aquilo fosse votado no Congresso. Uma estratégia que foi muito vitoriosa, porque todos os organizadores do Movimento Ficha Limpa, o pessoal do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o juiz Márlon Reis, eles todos reconhecem muito o papel que a Avaaz teve nessa reta final.

Comparativamente com o mundo, 3 milhões de usuários no Brasil é muito ou pouco?

É o maior país, é o país que tem o maior número de membros. São 20 milhões de membros e mais de 2 milhões no Brasil.

Como a organização se financia?

Ela só aceita pequenas doações de indivíduos, ela não aceita de pessoas jurídicas, não aceita de governos, só indivíduos, e indivíduos com um limite, para que ninguém possa ter o controle, para que nenhum grupo econômico possa ter o controle sobre as decisões da Avaaz, como acontece na política. Hoje o maior problema que a gente tem na política, não só no Brasil, mas no Brasil também, é o fato do dinheiro das empresas definirem as eleições e portanto continuarem tendo uma grande influência nos políticos. A Avaaz tem essa vantagem de não aceitar dinheiro de empresas nem grandes doações.

Mas no começo da sua história a Avaaz recebeu um grande aporte do George Soros, não?

Teve um aporte absolutamente irrelevante em relação ao orçamento que a Avaaz tem hoje em dia. No início, teve um aporte da fundação dele (Open Society Foundation), para que a organização começasse a se constituir. Isso hoje no orçamento da organização é mínimo.

De quanto foi esse aporte?

Não tenho o dado, mas foi algo em torno de U$ 100 mil, nessa escala de grandeza.

Há quem aponte certa estranheza no fato de uma ONG estrangeira, que não tem escritório no Brasil, organizar campanhas que tentam influir no processo político brasileiro.

Nossa organização é feita a partir do poder das pessoas. Quem determina os rumos da organização são muito mais os membros do que um certo grupo de pessoas. E temos nos brasileiros o maior país entre seus membros. Acho que é uma organização global, não é uma organização estrangeira. Tentar fazer essa separação, acho que é uma separação bastante antiquada na verdade. As campanhas feitas no Brasil são feitas a partir dos membros brasileiros e claramente têm refletido os interesses dos brasileiros, e não outra coisa.

SÃO PAULO - Em entrevista ao Estado, o diretor de campanhas da Avaaz, Pedro Abramovay, contesta críticas de que uma organização estrangeira não deveria ter atuação política no Brasil, discute o quanto o número de assinaturas em uma petição online corresponde à realidade e diz que definir essas campanhas como "ativismo de sofá" seria um argumento "despolitizador".

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Qual a relevância dos abaixo-assinados online no quadro político brasileiro?

Primeiro, é preciso dizer que a Avaaz não é somente uma organização de abaixo-assinados online. O abaixo-assinado é uma ferramenta para a gente fazer as campanhas. É uma ferramenta incrível, que a gente não tinha antes, de você conseguir reunir as vozes ocultas das pessoas e fazer isso entrar para a pauta nacional. Essa é a grande vantagem da internet, dos abaixo-assinados. São  pessoas que não tinham uma relação entre si e que tinham desejo de ter sua voz ouvida, mas não tinham como. Acho que a função de um organização como a Avaaz é fazer essa voz ser ouvida e fazer com que isso faça a diferença. Posso te dar o exemplo dos índios Guarani (Kaiowá). Uma pessoa criou uma petição sobre os Guarani, aquilo se tornou viral, a gente encampou, entregou (o abaixo-assinado) pro ministro da Justiça e teve uma resposta da presidenta da República, que mandou demarcar as terras, o que estava há sete anos parado. O assunto estava lá escondido ha muito tempo. Como você consegue combinar essa capacidade das pessoas se agregarem pela internet nos abaixo-assinados com uma organização que tem uma capacidade de fazer esses abaixo-assinados serem ouvidos no debate público, isso realmente começa a transformar a democracia.

É possível atribuir aspectos de democracia direta aos abaixo-assinados online?

Sim, a atual Constituição Federal brasileira tem uma novidade em relação às anteriores, que sempre atribuíram ao poder do povo um caráter simbólico, falavam que todo o poder emanava do povo e em seu nome era exercido pelos representantes. A nossa Constituição fala que não, que é o próprio povo que exerce o poder, diretamente ou pelos seus representantes. Isso significa que o parlamento vai ser substituído, que a democracia direta vai substituir a democracia participativa? Acho que não. Mas acho que é bem o espírito da Constituição brasileira. A democracia direta, o povo exercendo o poder diretamente, melhora a qualidade da democracia representativa, faz com que ela não seja algo de um voto a cada quatro anos, mas obriga um diálogo constante entre os representantes eleitos e o povo.

A Casa Branca já tem uma plataforma oficial de abaixo-assinados na qual, após um determinado número de assinaturas, o governo é obrigado a se posicionar. Há alguma discussão no Brasil hoje para dar algum tipo de valor legal a esse tipo de petição?

Isso tem sido discutido por vários parlamentares. Uma das entregas que a gente fez pro presidente da Câmara, sobre trabalho escravo, o Marco Maia era presidente à época, ele falou sobre isso, falou que a gente precisa mudar a legislação para dar mais poder para isso. O (senador) Pedro Taques disse que está montando um pacote sobre isso, que inclui a possibilidade de pedido de urgência no parlamento se você tiver uma série de assinaturas. Isso é o reconhecimento das petições online como petições juridicamente válidas. Vários políticos têm falado disso, é uma agenda nova, e o Brasil está na ponta dessa agenda, da relação da internet com a política. A própria elaboração do marco civil da internet, que foi feito por meio de um debate publico na internet, coloca o Brasil nessa vanguarda e acho que agora é o momento de depurar isso, de entender como fazer isso crescer.

Quando você vai ao Congresso, que reação sente por parte dos políticos aos abaixo-assinados?

É muito forte, muito mais do que as pessoas podem imaginar. Nesse caso do Marco Maia, por exemplo, a gente conseguiu fazer votar a PEC do Trabalho Escravo na Câmara, uma coisa que estava parada há mais de uma década. E foi logo depois da votação do Código Florestal, ou seja, uma Câmara propensa a votar a favor dos ruralistas. E a gente conseguiu, foi recebido pelo presidente. Quando a gente foi no Senado entregar a (petição) do voto aberto, a gente conseguiu votar a PEC do voto aberto no Senado, depois de entregar. E agora, no caso do Renan, a receptividade foi grande. Fomos recebidos por senadores de cinco partidos, o diálogo com esse senadores continua, a gente tem falado com eles constantemente, para pensar a estratégia de como atender esse pedido das pessoas para que o Renan saia. O que a gente percebe é o respeito que as pessoas têm, quando nós ligamos para os parlamentares. E claro, porque a gente está combinando esse instrumento de petição online com uma equipe que tem acesso a parlamentares, que sabe fazer isso. É uma organização bem equipada para chegar no Congresso. Quando a gente liga para os parlamentares, sempre há resposta, sempre conseguimos entregar essa petições para parlamentares, para ministros. No Código Florestal, a Dilma designou três ministros para receber a Avaaz, naquela petição de dois milhões (de assinaturas). E conseguimos um veto parcial que eu tenho certeza que foi em função da pressão popular. A receptividade no sistema político brasileiro hoje é muito grande. O que não significa que a gente vai impor as vontades em todos os casos. Mas sempre a gente tem respostas e quase sempre a atuação nossa faz diferença no resultado final.

Algum setor do Congresso é mais resistente?

Eu identifico resistência muito maior com relação ao tema que a gente vai levar. Se é contra o Renan, claro, o Renan e seus aliados mais próximos vão ser contra, se é a favor do voto aberto, quem é contra vai ser contra. Quanto ao mecanismo em si, as reações têm sido positivas. O próprio Renan deixou isso muito claro, sobre quanto era legítimo o movimento. Ele falou "olha, agora o Congresso tem que avaliar como lidar com isso", anunciou aquele pacote como resposta a isso. Não tenho sentido por parte do Congresso Nacional nem dos ministros uma resistência à ideia de uma mobilização popular pela internet. Claro que a resistência acontece, porque a gente lida com temas que são temas difíceis. Mas não vejo resistência ao modelo.

Como você vê a médio prazo, no futuro, o impacto da internet na política?

A política nunca mais vai ser a mesma, eu tenho certeza. É impossível você achar que o voto a cada quatro anos vai ser suficiente num espaço no qual as pessoas têm a possibilidade de se conectar de maneira tao rápida e fazer essa conexão se transformar em uma voz a ser ouvida. Isso é uma novidade irreversível, é impossível voltar para trás. Mas as possibilidades abertas por isso a gente ainda não sabe. A gente sabe que vai mudar. Eu gosto de lembrar uma música do Chico Buarque que ele fez olhando as greves do ABC, no final dos anos 70, ele falou: "Eu não sei bem o que seja, mas seja o que será, o que será que se veja, vai passar por lá". Acho que essa é um pouco a sensação. De fato, a história do Brasil passou por ali. É muito difícil saber o que vai ser a relação da internet com a política, mas que a democracia vai ser melhor, mais eficiente, diferente do que ela é hoje, por causa da internet, eu não tenho a menor dúvida.

Vocês chegaram a contratar uma pesquisa Ibope relacionada ao abaixo-assinado que pede a renúncia do Renan Calheiros. O Renan é hoje a pauta prioritária para a Avaaz?

Eu acho que a pauta da corrupção é uma das pautas mais importantes para o Brasil. Teve a Ficha Limpa, tiveram os protestos contra o Renan Calheiros, acho que é a campanha do momento, e é uma campanha que tocou muito fundo no coração e nos sentimento político dos brasileiros. Essa não é uma campanha de uma parte da sociedade, acho que o Ibope mostrou isso, mostra como 1,6 milhão (de assinaturas) refletem sim a posição da população. (Segundo a pesquisa) três quartos dos brasileiros apoiam a campanha, querem que os senadores atuem e pressionem para que o Renan renuncie. Eu acho que isso mostra o lastro que existe entre as petições online, especificamente essa, que foi incrível do ponto de vista do tamanho da repercussão, e a vontade das pessoas

Quanto custou essa pesquisa?

Eu não tenho esse dado.

Vocês já tinham contratado outras pesquisas relacionadas a alguma campanha?

No Brasil, é a primeira vez, mas a gente faz pesquisas em outros lugares. Faz parte da estratégia, porque justamente muitas vezes as pessoas querem dizer que 1,6 milhão não representa a população brasileira. Em primeiro lugar, 1,6 milhão de assinaturas é mais do que 1% do eleitorado, é o dobro da votação do Renan. Acho que não dá para desprezar. Mas acho que uma pesquisa como essa é fundamental para mostrar que existe apoio da população brasileira e que a população brasileira quer que os senadores se mexam nesse assunto, isso faz parte da campanha. como eu disse, petição na internet é um pedaço da campanha, a gente tem muitos mecanismos para fazer essa campanha se tornar realidade, e a pesquisa é um deles.

Vocês estão em contato com a OAB para propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que acabe com o voto secreto no Senado?

Sim, de novo, tentando procurar as estratégias mais diversas para chegar ao objetivo. A gente tem uma convicção clara de que o voto secreto é inconstitucional, e essa pesquisa Ibope também mostrou que mais da metade dos brasileiros nem considera válida uma eleição feita por voto secreto. A Constituição Federal não prevê o voto secreto para eleição do presidente da Casa, ela prevê para várias ocasiões, mas não prevê eleição para presidente. Não pode o regimento interno criar uma exceção ao princípio democrático. Se a gente admite que pode, amanhã podem aprovar uma que proíbe abrir os votos em todos os casos, vai ter votação de PEC por voto secreto, votação de projeto de lei, e aí de fato vira uma democracia oculta.

Há quem diga que essa forma de participação política seja um 'ativismo de sofá'. Como você vê essa relação entre o ativismo online e o ativismo ‘real’, de pessoas na rua protestando?

Primeiro, protesto na rua é um dos mecanismos de se fazer política, certamente não é o único. Nessa manifestação no Congresso (contra Renan Calheiros, que reuniu 30 pessoas) não houve convocação para as pessoas irem lá. A gente queria fazer a petição ser ouvida, coisa que a gente conseguiu, estava em todos os jornais brasileiros, televisão, esse era o objetivo. Agora, eu acho fundamental deixar claro que não se trata de um ativismo só ligado à internet, ele tem todo um desdobramento. Por outro lado, as pessoas passam tanto tempo na internet, ela é uma parte tão importante para as nossas vidas, que dizer que a política feita ali é menos política, eu acho que é um argumento despolitizador, um argumento que desvaloriza uma parte importante da vida das pessoas. Por exemplo, quando uma pessoa assina uma petição, e boa parte das vezes a pessoa compartilha essa petição no Facebook, isso é um ato profundamente político. Porque ela está assumindo uma posição política publicamente, diante de todos os seus interlocutores, coisa que as pessoas não faziam antes. Uma pessoa que não era um militante político profissional dificilmente iria falar de política em público para tanta gente como é quando você compartilha, dando a cara para bater, abrindo a possibilidade de que alguém contra-argumente, diga que sua posição é equivocada. A utilização da internet para melhorar a política politiza mais as pessoas, e não despolitiza. São pessoas que antes estavam fora da possibilidade de intervir na democracia e que hoje estão desempenhando um papel relevantíssimo nos rumos democráticos. Acho que é muito importante conseguir usar isso para essa transformação democrática.

A Avaaz deleta alguns abaixo-assinados, como um proposto em defesa do pastor Silas Malafaia. Qual o critério para deletar ou bloquear algumas petições?

O critério mais utilizado, e foi o caso da petição do Malafaia, que se tornou um caso bastante conhecido, é quando alguém da comunidade reclama. Porque a gente vê a Avaaz como um movimento, não é uma rede social, não é um espaço neutro, ela é um movimento que tem princípios. Quando uma parte dessa comunidade diz que essa petição vai contra o princípios do movimento, a gente faz uma pesquisa entre os nossos membros, perguntando, para uma amostra aleatória e por critérios cientificos, se isso representa a vontade dos membros. A gente tem três milhões de membros no Brasil, e pergunta: Vocês acham que essa petição deve continuar ou deve ser retirada? No caso do Malafaia, 77% das pessoas disseram que ela deveria ser retirada, e foi por isso que ela foi retirada.

Mas se a maioria decidisse que a petição teria que ficar, ela ficaria?

Fica.

O Malafaia, assim como o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), atual presidente da Comissão de Direitos da Câmara, disseram que vão processar vocês por terem apagado a petição deles.

Isso mostra que de fato essas manifestações têm tido um efeito político grande, isso é positivo. Mas acho que qualquer tentativa de se reprimir, judicialmente ou não, movimentos políticos, acho que é muito complicado para a democracia. De qualquer maneira, a Avaaz está muito tranquila, existem regras claras na política da publicação e retirada de petições que estão no site. Do ponto de vista do risco jurídico, a gente não vê nenhum risco nessa forma de conduzir esse movimento.

Para assinar uma petição a pessoa só precisa se cadastrar no site e informar um endereço e-mail. Até que ponto os números de assinaturas são reais? Uma pessoa pode mudar uma letra do nome e assinar duas vezes, por exemplo.

Acho muito curioso, porque as pessoas colocam esse problema nas petições eletrônicas como se esse problema não existisse nas petições reais. E, no fundo, as petições eletrônicas têm mecanismos de controle muito mais efetivos, a possibilidade que você tem de controlar é muito maior que na petição real. É claro que ninguém conferiu se tinha alguma assinatura duplicada na petição do (projeto de lei de iniciativa popular) Ficha Limpa, porque é impossível você conferir. A gente confere. Se tiver assinatura duplicada, a gente passa periodicamente num sistema e retira aquilo do numero total. No caso do Renan, a gente fez isso. Naquele número (1,6 milhão), não consta nenhuma duplicada. Se a pessoa colocar um e-mail que não existe, ou seja, se a gente mandar uma confirmação e a confirmação voltar, também a assinatura não é computada. Mas se a pessoa não colocar o nome real dela, colocar uma apelido, ela pode fazer. Ela pode fazer isso na política de diversas maneiras. O Tiririca (PR-SP), o deputado federal mais votado por São Paulo, se elegeu com o nome de Tiririca. A gente não vai controlar se a pessoa colocou o nome de nascimento ou não. E claro, se a gente percebe que tem um IP (endereço do computador) duvidoso, tem padrões que você consegue perceber que são robôs assinando. Quando a gente percebe isso, a gente tira, e já aconteceu inclusive uma vez no Canadá que a gente inclusive denunciou para a policia, pois era uma tentativa de fraude. A gente é muito rigoroso que esses números reflitam a realidade. E a gente é muito tranquilo quanto ao fato de que eles realmente refletem. A quantidade de e-mails que foram enviados aos senadores, a maneira como isso se espalhou nas redes sociais demonstra isso. As petições online têm mecanismos de controle de assinatura muito mais rígidos do que as petições escritas.

A Avaaz está há quanto tempo no Brasil?

Ela não tem um escritório no Brasil, ela tem brasileiros que trabalham na Avaaz. Eu não sou diretor da Avaaz no Brasil, eu sou diretor de campanha de Avaaz, claro que trabalho muito sobre o Brasil, porque entendo de Brasil, mas estava esses dias no Equador fazendo uma campanha lá, já trabalhei em campanha sobre a África, sobre a Europa, não tem essa divisão clara. Mas a primeira grande campanha no Brasil foi o Ficha Limpa.

Mas no Ficha Limpa vocês entraram no final do movimento, não foi?

Sim, a grande força do Ficha Limpa era para que ele fosse votado. Já tinha tido um recolhimento de assinaturas, mas era uma estratégia para que aquilo fosse votado no Congresso. Uma estratégia que foi muito vitoriosa, porque todos os organizadores do Movimento Ficha Limpa, o pessoal do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o juiz Márlon Reis, eles todos reconhecem muito o papel que a Avaaz teve nessa reta final.

Comparativamente com o mundo, 3 milhões de usuários no Brasil é muito ou pouco?

É o maior país, é o país que tem o maior número de membros. São 20 milhões de membros e mais de 2 milhões no Brasil.

Como a organização se financia?

Ela só aceita pequenas doações de indivíduos, ela não aceita de pessoas jurídicas, não aceita de governos, só indivíduos, e indivíduos com um limite, para que ninguém possa ter o controle, para que nenhum grupo econômico possa ter o controle sobre as decisões da Avaaz, como acontece na política. Hoje o maior problema que a gente tem na política, não só no Brasil, mas no Brasil também, é o fato do dinheiro das empresas definirem as eleições e portanto continuarem tendo uma grande influência nos políticos. A Avaaz tem essa vantagem de não aceitar dinheiro de empresas nem grandes doações.

Mas no começo da sua história a Avaaz recebeu um grande aporte do George Soros, não?

Teve um aporte absolutamente irrelevante em relação ao orçamento que a Avaaz tem hoje em dia. No início, teve um aporte da fundação dele (Open Society Foundation), para que a organização começasse a se constituir. Isso hoje no orçamento da organização é mínimo.

De quanto foi esse aporte?

Não tenho o dado, mas foi algo em torno de U$ 100 mil, nessa escala de grandeza.

Há quem aponte certa estranheza no fato de uma ONG estrangeira, que não tem escritório no Brasil, organizar campanhas que tentam influir no processo político brasileiro.

Nossa organização é feita a partir do poder das pessoas. Quem determina os rumos da organização são muito mais os membros do que um certo grupo de pessoas. E temos nos brasileiros o maior país entre seus membros. Acho que é uma organização global, não é uma organização estrangeira. Tentar fazer essa separação, acho que é uma separação bastante antiquada na verdade. As campanhas feitas no Brasil são feitas a partir dos membros brasileiros e claramente têm refletido os interesses dos brasileiros, e não outra coisa.

SÃO PAULO - Em entrevista ao Estado, o diretor de campanhas da Avaaz, Pedro Abramovay, contesta críticas de que uma organização estrangeira não deveria ter atuação política no Brasil, discute o quanto o número de assinaturas em uma petição online corresponde à realidade e diz que definir essas campanhas como "ativismo de sofá" seria um argumento "despolitizador".

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Qual a relevância dos abaixo-assinados online no quadro político brasileiro?

Primeiro, é preciso dizer que a Avaaz não é somente uma organização de abaixo-assinados online. O abaixo-assinado é uma ferramenta para a gente fazer as campanhas. É uma ferramenta incrível, que a gente não tinha antes, de você conseguir reunir as vozes ocultas das pessoas e fazer isso entrar para a pauta nacional. Essa é a grande vantagem da internet, dos abaixo-assinados. São  pessoas que não tinham uma relação entre si e que tinham desejo de ter sua voz ouvida, mas não tinham como. Acho que a função de um organização como a Avaaz é fazer essa voz ser ouvida e fazer com que isso faça a diferença. Posso te dar o exemplo dos índios Guarani (Kaiowá). Uma pessoa criou uma petição sobre os Guarani, aquilo se tornou viral, a gente encampou, entregou (o abaixo-assinado) pro ministro da Justiça e teve uma resposta da presidenta da República, que mandou demarcar as terras, o que estava há sete anos parado. O assunto estava lá escondido ha muito tempo. Como você consegue combinar essa capacidade das pessoas se agregarem pela internet nos abaixo-assinados com uma organização que tem uma capacidade de fazer esses abaixo-assinados serem ouvidos no debate público, isso realmente começa a transformar a democracia.

É possível atribuir aspectos de democracia direta aos abaixo-assinados online?

Sim, a atual Constituição Federal brasileira tem uma novidade em relação às anteriores, que sempre atribuíram ao poder do povo um caráter simbólico, falavam que todo o poder emanava do povo e em seu nome era exercido pelos representantes. A nossa Constituição fala que não, que é o próprio povo que exerce o poder, diretamente ou pelos seus representantes. Isso significa que o parlamento vai ser substituído, que a democracia direta vai substituir a democracia participativa? Acho que não. Mas acho que é bem o espírito da Constituição brasileira. A democracia direta, o povo exercendo o poder diretamente, melhora a qualidade da democracia representativa, faz com que ela não seja algo de um voto a cada quatro anos, mas obriga um diálogo constante entre os representantes eleitos e o povo.

A Casa Branca já tem uma plataforma oficial de abaixo-assinados na qual, após um determinado número de assinaturas, o governo é obrigado a se posicionar. Há alguma discussão no Brasil hoje para dar algum tipo de valor legal a esse tipo de petição?

Isso tem sido discutido por vários parlamentares. Uma das entregas que a gente fez pro presidente da Câmara, sobre trabalho escravo, o Marco Maia era presidente à época, ele falou sobre isso, falou que a gente precisa mudar a legislação para dar mais poder para isso. O (senador) Pedro Taques disse que está montando um pacote sobre isso, que inclui a possibilidade de pedido de urgência no parlamento se você tiver uma série de assinaturas. Isso é o reconhecimento das petições online como petições juridicamente válidas. Vários políticos têm falado disso, é uma agenda nova, e o Brasil está na ponta dessa agenda, da relação da internet com a política. A própria elaboração do marco civil da internet, que foi feito por meio de um debate publico na internet, coloca o Brasil nessa vanguarda e acho que agora é o momento de depurar isso, de entender como fazer isso crescer.

Quando você vai ao Congresso, que reação sente por parte dos políticos aos abaixo-assinados?

É muito forte, muito mais do que as pessoas podem imaginar. Nesse caso do Marco Maia, por exemplo, a gente conseguiu fazer votar a PEC do Trabalho Escravo na Câmara, uma coisa que estava parada há mais de uma década. E foi logo depois da votação do Código Florestal, ou seja, uma Câmara propensa a votar a favor dos ruralistas. E a gente conseguiu, foi recebido pelo presidente. Quando a gente foi no Senado entregar a (petição) do voto aberto, a gente conseguiu votar a PEC do voto aberto no Senado, depois de entregar. E agora, no caso do Renan, a receptividade foi grande. Fomos recebidos por senadores de cinco partidos, o diálogo com esse senadores continua, a gente tem falado com eles constantemente, para pensar a estratégia de como atender esse pedido das pessoas para que o Renan saia. O que a gente percebe é o respeito que as pessoas têm, quando nós ligamos para os parlamentares. E claro, porque a gente está combinando esse instrumento de petição online com uma equipe que tem acesso a parlamentares, que sabe fazer isso. É uma organização bem equipada para chegar no Congresso. Quando a gente liga para os parlamentares, sempre há resposta, sempre conseguimos entregar essa petições para parlamentares, para ministros. No Código Florestal, a Dilma designou três ministros para receber a Avaaz, naquela petição de dois milhões (de assinaturas). E conseguimos um veto parcial que eu tenho certeza que foi em função da pressão popular. A receptividade no sistema político brasileiro hoje é muito grande. O que não significa que a gente vai impor as vontades em todos os casos. Mas sempre a gente tem respostas e quase sempre a atuação nossa faz diferença no resultado final.

Algum setor do Congresso é mais resistente?

Eu identifico resistência muito maior com relação ao tema que a gente vai levar. Se é contra o Renan, claro, o Renan e seus aliados mais próximos vão ser contra, se é a favor do voto aberto, quem é contra vai ser contra. Quanto ao mecanismo em si, as reações têm sido positivas. O próprio Renan deixou isso muito claro, sobre quanto era legítimo o movimento. Ele falou "olha, agora o Congresso tem que avaliar como lidar com isso", anunciou aquele pacote como resposta a isso. Não tenho sentido por parte do Congresso Nacional nem dos ministros uma resistência à ideia de uma mobilização popular pela internet. Claro que a resistência acontece, porque a gente lida com temas que são temas difíceis. Mas não vejo resistência ao modelo.

Como você vê a médio prazo, no futuro, o impacto da internet na política?

A política nunca mais vai ser a mesma, eu tenho certeza. É impossível você achar que o voto a cada quatro anos vai ser suficiente num espaço no qual as pessoas têm a possibilidade de se conectar de maneira tao rápida e fazer essa conexão se transformar em uma voz a ser ouvida. Isso é uma novidade irreversível, é impossível voltar para trás. Mas as possibilidades abertas por isso a gente ainda não sabe. A gente sabe que vai mudar. Eu gosto de lembrar uma música do Chico Buarque que ele fez olhando as greves do ABC, no final dos anos 70, ele falou: "Eu não sei bem o que seja, mas seja o que será, o que será que se veja, vai passar por lá". Acho que essa é um pouco a sensação. De fato, a história do Brasil passou por ali. É muito difícil saber o que vai ser a relação da internet com a política, mas que a democracia vai ser melhor, mais eficiente, diferente do que ela é hoje, por causa da internet, eu não tenho a menor dúvida.

Vocês chegaram a contratar uma pesquisa Ibope relacionada ao abaixo-assinado que pede a renúncia do Renan Calheiros. O Renan é hoje a pauta prioritária para a Avaaz?

Eu acho que a pauta da corrupção é uma das pautas mais importantes para o Brasil. Teve a Ficha Limpa, tiveram os protestos contra o Renan Calheiros, acho que é a campanha do momento, e é uma campanha que tocou muito fundo no coração e nos sentimento político dos brasileiros. Essa não é uma campanha de uma parte da sociedade, acho que o Ibope mostrou isso, mostra como 1,6 milhão (de assinaturas) refletem sim a posição da população. (Segundo a pesquisa) três quartos dos brasileiros apoiam a campanha, querem que os senadores atuem e pressionem para que o Renan renuncie. Eu acho que isso mostra o lastro que existe entre as petições online, especificamente essa, que foi incrível do ponto de vista do tamanho da repercussão, e a vontade das pessoas

Quanto custou essa pesquisa?

Eu não tenho esse dado.

Vocês já tinham contratado outras pesquisas relacionadas a alguma campanha?

No Brasil, é a primeira vez, mas a gente faz pesquisas em outros lugares. Faz parte da estratégia, porque justamente muitas vezes as pessoas querem dizer que 1,6 milhão não representa a população brasileira. Em primeiro lugar, 1,6 milhão de assinaturas é mais do que 1% do eleitorado, é o dobro da votação do Renan. Acho que não dá para desprezar. Mas acho que uma pesquisa como essa é fundamental para mostrar que existe apoio da população brasileira e que a população brasileira quer que os senadores se mexam nesse assunto, isso faz parte da campanha. como eu disse, petição na internet é um pedaço da campanha, a gente tem muitos mecanismos para fazer essa campanha se tornar realidade, e a pesquisa é um deles.

Vocês estão em contato com a OAB para propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que acabe com o voto secreto no Senado?

Sim, de novo, tentando procurar as estratégias mais diversas para chegar ao objetivo. A gente tem uma convicção clara de que o voto secreto é inconstitucional, e essa pesquisa Ibope também mostrou que mais da metade dos brasileiros nem considera válida uma eleição feita por voto secreto. A Constituição Federal não prevê o voto secreto para eleição do presidente da Casa, ela prevê para várias ocasiões, mas não prevê eleição para presidente. Não pode o regimento interno criar uma exceção ao princípio democrático. Se a gente admite que pode, amanhã podem aprovar uma que proíbe abrir os votos em todos os casos, vai ter votação de PEC por voto secreto, votação de projeto de lei, e aí de fato vira uma democracia oculta.

Há quem diga que essa forma de participação política seja um 'ativismo de sofá'. Como você vê essa relação entre o ativismo online e o ativismo ‘real’, de pessoas na rua protestando?

Primeiro, protesto na rua é um dos mecanismos de se fazer política, certamente não é o único. Nessa manifestação no Congresso (contra Renan Calheiros, que reuniu 30 pessoas) não houve convocação para as pessoas irem lá. A gente queria fazer a petição ser ouvida, coisa que a gente conseguiu, estava em todos os jornais brasileiros, televisão, esse era o objetivo. Agora, eu acho fundamental deixar claro que não se trata de um ativismo só ligado à internet, ele tem todo um desdobramento. Por outro lado, as pessoas passam tanto tempo na internet, ela é uma parte tão importante para as nossas vidas, que dizer que a política feita ali é menos política, eu acho que é um argumento despolitizador, um argumento que desvaloriza uma parte importante da vida das pessoas. Por exemplo, quando uma pessoa assina uma petição, e boa parte das vezes a pessoa compartilha essa petição no Facebook, isso é um ato profundamente político. Porque ela está assumindo uma posição política publicamente, diante de todos os seus interlocutores, coisa que as pessoas não faziam antes. Uma pessoa que não era um militante político profissional dificilmente iria falar de política em público para tanta gente como é quando você compartilha, dando a cara para bater, abrindo a possibilidade de que alguém contra-argumente, diga que sua posição é equivocada. A utilização da internet para melhorar a política politiza mais as pessoas, e não despolitiza. São pessoas que antes estavam fora da possibilidade de intervir na democracia e que hoje estão desempenhando um papel relevantíssimo nos rumos democráticos. Acho que é muito importante conseguir usar isso para essa transformação democrática.

A Avaaz deleta alguns abaixo-assinados, como um proposto em defesa do pastor Silas Malafaia. Qual o critério para deletar ou bloquear algumas petições?

O critério mais utilizado, e foi o caso da petição do Malafaia, que se tornou um caso bastante conhecido, é quando alguém da comunidade reclama. Porque a gente vê a Avaaz como um movimento, não é uma rede social, não é um espaço neutro, ela é um movimento que tem princípios. Quando uma parte dessa comunidade diz que essa petição vai contra o princípios do movimento, a gente faz uma pesquisa entre os nossos membros, perguntando, para uma amostra aleatória e por critérios cientificos, se isso representa a vontade dos membros. A gente tem três milhões de membros no Brasil, e pergunta: Vocês acham que essa petição deve continuar ou deve ser retirada? No caso do Malafaia, 77% das pessoas disseram que ela deveria ser retirada, e foi por isso que ela foi retirada.

Mas se a maioria decidisse que a petição teria que ficar, ela ficaria?

Fica.

O Malafaia, assim como o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), atual presidente da Comissão de Direitos da Câmara, disseram que vão processar vocês por terem apagado a petição deles.

Isso mostra que de fato essas manifestações têm tido um efeito político grande, isso é positivo. Mas acho que qualquer tentativa de se reprimir, judicialmente ou não, movimentos políticos, acho que é muito complicado para a democracia. De qualquer maneira, a Avaaz está muito tranquila, existem regras claras na política da publicação e retirada de petições que estão no site. Do ponto de vista do risco jurídico, a gente não vê nenhum risco nessa forma de conduzir esse movimento.

Para assinar uma petição a pessoa só precisa se cadastrar no site e informar um endereço e-mail. Até que ponto os números de assinaturas são reais? Uma pessoa pode mudar uma letra do nome e assinar duas vezes, por exemplo.

Acho muito curioso, porque as pessoas colocam esse problema nas petições eletrônicas como se esse problema não existisse nas petições reais. E, no fundo, as petições eletrônicas têm mecanismos de controle muito mais efetivos, a possibilidade que você tem de controlar é muito maior que na petição real. É claro que ninguém conferiu se tinha alguma assinatura duplicada na petição do (projeto de lei de iniciativa popular) Ficha Limpa, porque é impossível você conferir. A gente confere. Se tiver assinatura duplicada, a gente passa periodicamente num sistema e retira aquilo do numero total. No caso do Renan, a gente fez isso. Naquele número (1,6 milhão), não consta nenhuma duplicada. Se a pessoa colocar um e-mail que não existe, ou seja, se a gente mandar uma confirmação e a confirmação voltar, também a assinatura não é computada. Mas se a pessoa não colocar o nome real dela, colocar uma apelido, ela pode fazer. Ela pode fazer isso na política de diversas maneiras. O Tiririca (PR-SP), o deputado federal mais votado por São Paulo, se elegeu com o nome de Tiririca. A gente não vai controlar se a pessoa colocou o nome de nascimento ou não. E claro, se a gente percebe que tem um IP (endereço do computador) duvidoso, tem padrões que você consegue perceber que são robôs assinando. Quando a gente percebe isso, a gente tira, e já aconteceu inclusive uma vez no Canadá que a gente inclusive denunciou para a policia, pois era uma tentativa de fraude. A gente é muito rigoroso que esses números reflitam a realidade. E a gente é muito tranquilo quanto ao fato de que eles realmente refletem. A quantidade de e-mails que foram enviados aos senadores, a maneira como isso se espalhou nas redes sociais demonstra isso. As petições online têm mecanismos de controle de assinatura muito mais rígidos do que as petições escritas.

A Avaaz está há quanto tempo no Brasil?

Ela não tem um escritório no Brasil, ela tem brasileiros que trabalham na Avaaz. Eu não sou diretor da Avaaz no Brasil, eu sou diretor de campanha de Avaaz, claro que trabalho muito sobre o Brasil, porque entendo de Brasil, mas estava esses dias no Equador fazendo uma campanha lá, já trabalhei em campanha sobre a África, sobre a Europa, não tem essa divisão clara. Mas a primeira grande campanha no Brasil foi o Ficha Limpa.

Mas no Ficha Limpa vocês entraram no final do movimento, não foi?

Sim, a grande força do Ficha Limpa era para que ele fosse votado. Já tinha tido um recolhimento de assinaturas, mas era uma estratégia para que aquilo fosse votado no Congresso. Uma estratégia que foi muito vitoriosa, porque todos os organizadores do Movimento Ficha Limpa, o pessoal do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o juiz Márlon Reis, eles todos reconhecem muito o papel que a Avaaz teve nessa reta final.

Comparativamente com o mundo, 3 milhões de usuários no Brasil é muito ou pouco?

É o maior país, é o país que tem o maior número de membros. São 20 milhões de membros e mais de 2 milhões no Brasil.

Como a organização se financia?

Ela só aceita pequenas doações de indivíduos, ela não aceita de pessoas jurídicas, não aceita de governos, só indivíduos, e indivíduos com um limite, para que ninguém possa ter o controle, para que nenhum grupo econômico possa ter o controle sobre as decisões da Avaaz, como acontece na política. Hoje o maior problema que a gente tem na política, não só no Brasil, mas no Brasil também, é o fato do dinheiro das empresas definirem as eleições e portanto continuarem tendo uma grande influência nos políticos. A Avaaz tem essa vantagem de não aceitar dinheiro de empresas nem grandes doações.

Mas no começo da sua história a Avaaz recebeu um grande aporte do George Soros, não?

Teve um aporte absolutamente irrelevante em relação ao orçamento que a Avaaz tem hoje em dia. No início, teve um aporte da fundação dele (Open Society Foundation), para que a organização começasse a se constituir. Isso hoje no orçamento da organização é mínimo.

De quanto foi esse aporte?

Não tenho o dado, mas foi algo em torno de U$ 100 mil, nessa escala de grandeza.

Há quem aponte certa estranheza no fato de uma ONG estrangeira, que não tem escritório no Brasil, organizar campanhas que tentam influir no processo político brasileiro.

Nossa organização é feita a partir do poder das pessoas. Quem determina os rumos da organização são muito mais os membros do que um certo grupo de pessoas. E temos nos brasileiros o maior país entre seus membros. Acho que é uma organização global, não é uma organização estrangeira. Tentar fazer essa separação, acho que é uma separação bastante antiquada na verdade. As campanhas feitas no Brasil são feitas a partir dos membros brasileiros e claramente têm refletido os interesses dos brasileiros, e não outra coisa.

SÃO PAULO - Em entrevista ao Estado, o diretor de campanhas da Avaaz, Pedro Abramovay, contesta críticas de que uma organização estrangeira não deveria ter atuação política no Brasil, discute o quanto o número de assinaturas em uma petição online corresponde à realidade e diz que definir essas campanhas como "ativismo de sofá" seria um argumento "despolitizador".

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Qual a relevância dos abaixo-assinados online no quadro político brasileiro?

Primeiro, é preciso dizer que a Avaaz não é somente uma organização de abaixo-assinados online. O abaixo-assinado é uma ferramenta para a gente fazer as campanhas. É uma ferramenta incrível, que a gente não tinha antes, de você conseguir reunir as vozes ocultas das pessoas e fazer isso entrar para a pauta nacional. Essa é a grande vantagem da internet, dos abaixo-assinados. São  pessoas que não tinham uma relação entre si e que tinham desejo de ter sua voz ouvida, mas não tinham como. Acho que a função de um organização como a Avaaz é fazer essa voz ser ouvida e fazer com que isso faça a diferença. Posso te dar o exemplo dos índios Guarani (Kaiowá). Uma pessoa criou uma petição sobre os Guarani, aquilo se tornou viral, a gente encampou, entregou (o abaixo-assinado) pro ministro da Justiça e teve uma resposta da presidenta da República, que mandou demarcar as terras, o que estava há sete anos parado. O assunto estava lá escondido ha muito tempo. Como você consegue combinar essa capacidade das pessoas se agregarem pela internet nos abaixo-assinados com uma organização que tem uma capacidade de fazer esses abaixo-assinados serem ouvidos no debate público, isso realmente começa a transformar a democracia.

É possível atribuir aspectos de democracia direta aos abaixo-assinados online?

Sim, a atual Constituição Federal brasileira tem uma novidade em relação às anteriores, que sempre atribuíram ao poder do povo um caráter simbólico, falavam que todo o poder emanava do povo e em seu nome era exercido pelos representantes. A nossa Constituição fala que não, que é o próprio povo que exerce o poder, diretamente ou pelos seus representantes. Isso significa que o parlamento vai ser substituído, que a democracia direta vai substituir a democracia participativa? Acho que não. Mas acho que é bem o espírito da Constituição brasileira. A democracia direta, o povo exercendo o poder diretamente, melhora a qualidade da democracia representativa, faz com que ela não seja algo de um voto a cada quatro anos, mas obriga um diálogo constante entre os representantes eleitos e o povo.

A Casa Branca já tem uma plataforma oficial de abaixo-assinados na qual, após um determinado número de assinaturas, o governo é obrigado a se posicionar. Há alguma discussão no Brasil hoje para dar algum tipo de valor legal a esse tipo de petição?

Isso tem sido discutido por vários parlamentares. Uma das entregas que a gente fez pro presidente da Câmara, sobre trabalho escravo, o Marco Maia era presidente à época, ele falou sobre isso, falou que a gente precisa mudar a legislação para dar mais poder para isso. O (senador) Pedro Taques disse que está montando um pacote sobre isso, que inclui a possibilidade de pedido de urgência no parlamento se você tiver uma série de assinaturas. Isso é o reconhecimento das petições online como petições juridicamente válidas. Vários políticos têm falado disso, é uma agenda nova, e o Brasil está na ponta dessa agenda, da relação da internet com a política. A própria elaboração do marco civil da internet, que foi feito por meio de um debate publico na internet, coloca o Brasil nessa vanguarda e acho que agora é o momento de depurar isso, de entender como fazer isso crescer.

Quando você vai ao Congresso, que reação sente por parte dos políticos aos abaixo-assinados?

É muito forte, muito mais do que as pessoas podem imaginar. Nesse caso do Marco Maia, por exemplo, a gente conseguiu fazer votar a PEC do Trabalho Escravo na Câmara, uma coisa que estava parada há mais de uma década. E foi logo depois da votação do Código Florestal, ou seja, uma Câmara propensa a votar a favor dos ruralistas. E a gente conseguiu, foi recebido pelo presidente. Quando a gente foi no Senado entregar a (petição) do voto aberto, a gente conseguiu votar a PEC do voto aberto no Senado, depois de entregar. E agora, no caso do Renan, a receptividade foi grande. Fomos recebidos por senadores de cinco partidos, o diálogo com esse senadores continua, a gente tem falado com eles constantemente, para pensar a estratégia de como atender esse pedido das pessoas para que o Renan saia. O que a gente percebe é o respeito que as pessoas têm, quando nós ligamos para os parlamentares. E claro, porque a gente está combinando esse instrumento de petição online com uma equipe que tem acesso a parlamentares, que sabe fazer isso. É uma organização bem equipada para chegar no Congresso. Quando a gente liga para os parlamentares, sempre há resposta, sempre conseguimos entregar essa petições para parlamentares, para ministros. No Código Florestal, a Dilma designou três ministros para receber a Avaaz, naquela petição de dois milhões (de assinaturas). E conseguimos um veto parcial que eu tenho certeza que foi em função da pressão popular. A receptividade no sistema político brasileiro hoje é muito grande. O que não significa que a gente vai impor as vontades em todos os casos. Mas sempre a gente tem respostas e quase sempre a atuação nossa faz diferença no resultado final.

Algum setor do Congresso é mais resistente?

Eu identifico resistência muito maior com relação ao tema que a gente vai levar. Se é contra o Renan, claro, o Renan e seus aliados mais próximos vão ser contra, se é a favor do voto aberto, quem é contra vai ser contra. Quanto ao mecanismo em si, as reações têm sido positivas. O próprio Renan deixou isso muito claro, sobre quanto era legítimo o movimento. Ele falou "olha, agora o Congresso tem que avaliar como lidar com isso", anunciou aquele pacote como resposta a isso. Não tenho sentido por parte do Congresso Nacional nem dos ministros uma resistência à ideia de uma mobilização popular pela internet. Claro que a resistência acontece, porque a gente lida com temas que são temas difíceis. Mas não vejo resistência ao modelo.

Como você vê a médio prazo, no futuro, o impacto da internet na política?

A política nunca mais vai ser a mesma, eu tenho certeza. É impossível você achar que o voto a cada quatro anos vai ser suficiente num espaço no qual as pessoas têm a possibilidade de se conectar de maneira tao rápida e fazer essa conexão se transformar em uma voz a ser ouvida. Isso é uma novidade irreversível, é impossível voltar para trás. Mas as possibilidades abertas por isso a gente ainda não sabe. A gente sabe que vai mudar. Eu gosto de lembrar uma música do Chico Buarque que ele fez olhando as greves do ABC, no final dos anos 70, ele falou: "Eu não sei bem o que seja, mas seja o que será, o que será que se veja, vai passar por lá". Acho que essa é um pouco a sensação. De fato, a história do Brasil passou por ali. É muito difícil saber o que vai ser a relação da internet com a política, mas que a democracia vai ser melhor, mais eficiente, diferente do que ela é hoje, por causa da internet, eu não tenho a menor dúvida.

Vocês chegaram a contratar uma pesquisa Ibope relacionada ao abaixo-assinado que pede a renúncia do Renan Calheiros. O Renan é hoje a pauta prioritária para a Avaaz?

Eu acho que a pauta da corrupção é uma das pautas mais importantes para o Brasil. Teve a Ficha Limpa, tiveram os protestos contra o Renan Calheiros, acho que é a campanha do momento, e é uma campanha que tocou muito fundo no coração e nos sentimento político dos brasileiros. Essa não é uma campanha de uma parte da sociedade, acho que o Ibope mostrou isso, mostra como 1,6 milhão (de assinaturas) refletem sim a posição da população. (Segundo a pesquisa) três quartos dos brasileiros apoiam a campanha, querem que os senadores atuem e pressionem para que o Renan renuncie. Eu acho que isso mostra o lastro que existe entre as petições online, especificamente essa, que foi incrível do ponto de vista do tamanho da repercussão, e a vontade das pessoas

Quanto custou essa pesquisa?

Eu não tenho esse dado.

Vocês já tinham contratado outras pesquisas relacionadas a alguma campanha?

No Brasil, é a primeira vez, mas a gente faz pesquisas em outros lugares. Faz parte da estratégia, porque justamente muitas vezes as pessoas querem dizer que 1,6 milhão não representa a população brasileira. Em primeiro lugar, 1,6 milhão de assinaturas é mais do que 1% do eleitorado, é o dobro da votação do Renan. Acho que não dá para desprezar. Mas acho que uma pesquisa como essa é fundamental para mostrar que existe apoio da população brasileira e que a população brasileira quer que os senadores se mexam nesse assunto, isso faz parte da campanha. como eu disse, petição na internet é um pedaço da campanha, a gente tem muitos mecanismos para fazer essa campanha se tornar realidade, e a pesquisa é um deles.

Vocês estão em contato com a OAB para propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que acabe com o voto secreto no Senado?

Sim, de novo, tentando procurar as estratégias mais diversas para chegar ao objetivo. A gente tem uma convicção clara de que o voto secreto é inconstitucional, e essa pesquisa Ibope também mostrou que mais da metade dos brasileiros nem considera válida uma eleição feita por voto secreto. A Constituição Federal não prevê o voto secreto para eleição do presidente da Casa, ela prevê para várias ocasiões, mas não prevê eleição para presidente. Não pode o regimento interno criar uma exceção ao princípio democrático. Se a gente admite que pode, amanhã podem aprovar uma que proíbe abrir os votos em todos os casos, vai ter votação de PEC por voto secreto, votação de projeto de lei, e aí de fato vira uma democracia oculta.

Há quem diga que essa forma de participação política seja um 'ativismo de sofá'. Como você vê essa relação entre o ativismo online e o ativismo ‘real’, de pessoas na rua protestando?

Primeiro, protesto na rua é um dos mecanismos de se fazer política, certamente não é o único. Nessa manifestação no Congresso (contra Renan Calheiros, que reuniu 30 pessoas) não houve convocação para as pessoas irem lá. A gente queria fazer a petição ser ouvida, coisa que a gente conseguiu, estava em todos os jornais brasileiros, televisão, esse era o objetivo. Agora, eu acho fundamental deixar claro que não se trata de um ativismo só ligado à internet, ele tem todo um desdobramento. Por outro lado, as pessoas passam tanto tempo na internet, ela é uma parte tão importante para as nossas vidas, que dizer que a política feita ali é menos política, eu acho que é um argumento despolitizador, um argumento que desvaloriza uma parte importante da vida das pessoas. Por exemplo, quando uma pessoa assina uma petição, e boa parte das vezes a pessoa compartilha essa petição no Facebook, isso é um ato profundamente político. Porque ela está assumindo uma posição política publicamente, diante de todos os seus interlocutores, coisa que as pessoas não faziam antes. Uma pessoa que não era um militante político profissional dificilmente iria falar de política em público para tanta gente como é quando você compartilha, dando a cara para bater, abrindo a possibilidade de que alguém contra-argumente, diga que sua posição é equivocada. A utilização da internet para melhorar a política politiza mais as pessoas, e não despolitiza. São pessoas que antes estavam fora da possibilidade de intervir na democracia e que hoje estão desempenhando um papel relevantíssimo nos rumos democráticos. Acho que é muito importante conseguir usar isso para essa transformação democrática.

A Avaaz deleta alguns abaixo-assinados, como um proposto em defesa do pastor Silas Malafaia. Qual o critério para deletar ou bloquear algumas petições?

O critério mais utilizado, e foi o caso da petição do Malafaia, que se tornou um caso bastante conhecido, é quando alguém da comunidade reclama. Porque a gente vê a Avaaz como um movimento, não é uma rede social, não é um espaço neutro, ela é um movimento que tem princípios. Quando uma parte dessa comunidade diz que essa petição vai contra o princípios do movimento, a gente faz uma pesquisa entre os nossos membros, perguntando, para uma amostra aleatória e por critérios cientificos, se isso representa a vontade dos membros. A gente tem três milhões de membros no Brasil, e pergunta: Vocês acham que essa petição deve continuar ou deve ser retirada? No caso do Malafaia, 77% das pessoas disseram que ela deveria ser retirada, e foi por isso que ela foi retirada.

Mas se a maioria decidisse que a petição teria que ficar, ela ficaria?

Fica.

O Malafaia, assim como o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), atual presidente da Comissão de Direitos da Câmara, disseram que vão processar vocês por terem apagado a petição deles.

Isso mostra que de fato essas manifestações têm tido um efeito político grande, isso é positivo. Mas acho que qualquer tentativa de se reprimir, judicialmente ou não, movimentos políticos, acho que é muito complicado para a democracia. De qualquer maneira, a Avaaz está muito tranquila, existem regras claras na política da publicação e retirada de petições que estão no site. Do ponto de vista do risco jurídico, a gente não vê nenhum risco nessa forma de conduzir esse movimento.

Para assinar uma petição a pessoa só precisa se cadastrar no site e informar um endereço e-mail. Até que ponto os números de assinaturas são reais? Uma pessoa pode mudar uma letra do nome e assinar duas vezes, por exemplo.

Acho muito curioso, porque as pessoas colocam esse problema nas petições eletrônicas como se esse problema não existisse nas petições reais. E, no fundo, as petições eletrônicas têm mecanismos de controle muito mais efetivos, a possibilidade que você tem de controlar é muito maior que na petição real. É claro que ninguém conferiu se tinha alguma assinatura duplicada na petição do (projeto de lei de iniciativa popular) Ficha Limpa, porque é impossível você conferir. A gente confere. Se tiver assinatura duplicada, a gente passa periodicamente num sistema e retira aquilo do numero total. No caso do Renan, a gente fez isso. Naquele número (1,6 milhão), não consta nenhuma duplicada. Se a pessoa colocar um e-mail que não existe, ou seja, se a gente mandar uma confirmação e a confirmação voltar, também a assinatura não é computada. Mas se a pessoa não colocar o nome real dela, colocar uma apelido, ela pode fazer. Ela pode fazer isso na política de diversas maneiras. O Tiririca (PR-SP), o deputado federal mais votado por São Paulo, se elegeu com o nome de Tiririca. A gente não vai controlar se a pessoa colocou o nome de nascimento ou não. E claro, se a gente percebe que tem um IP (endereço do computador) duvidoso, tem padrões que você consegue perceber que são robôs assinando. Quando a gente percebe isso, a gente tira, e já aconteceu inclusive uma vez no Canadá que a gente inclusive denunciou para a policia, pois era uma tentativa de fraude. A gente é muito rigoroso que esses números reflitam a realidade. E a gente é muito tranquilo quanto ao fato de que eles realmente refletem. A quantidade de e-mails que foram enviados aos senadores, a maneira como isso se espalhou nas redes sociais demonstra isso. As petições online têm mecanismos de controle de assinatura muito mais rígidos do que as petições escritas.

A Avaaz está há quanto tempo no Brasil?

Ela não tem um escritório no Brasil, ela tem brasileiros que trabalham na Avaaz. Eu não sou diretor da Avaaz no Brasil, eu sou diretor de campanha de Avaaz, claro que trabalho muito sobre o Brasil, porque entendo de Brasil, mas estava esses dias no Equador fazendo uma campanha lá, já trabalhei em campanha sobre a África, sobre a Europa, não tem essa divisão clara. Mas a primeira grande campanha no Brasil foi o Ficha Limpa.

Mas no Ficha Limpa vocês entraram no final do movimento, não foi?

Sim, a grande força do Ficha Limpa era para que ele fosse votado. Já tinha tido um recolhimento de assinaturas, mas era uma estratégia para que aquilo fosse votado no Congresso. Uma estratégia que foi muito vitoriosa, porque todos os organizadores do Movimento Ficha Limpa, o pessoal do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o juiz Márlon Reis, eles todos reconhecem muito o papel que a Avaaz teve nessa reta final.

Comparativamente com o mundo, 3 milhões de usuários no Brasil é muito ou pouco?

É o maior país, é o país que tem o maior número de membros. São 20 milhões de membros e mais de 2 milhões no Brasil.

Como a organização se financia?

Ela só aceita pequenas doações de indivíduos, ela não aceita de pessoas jurídicas, não aceita de governos, só indivíduos, e indivíduos com um limite, para que ninguém possa ter o controle, para que nenhum grupo econômico possa ter o controle sobre as decisões da Avaaz, como acontece na política. Hoje o maior problema que a gente tem na política, não só no Brasil, mas no Brasil também, é o fato do dinheiro das empresas definirem as eleições e portanto continuarem tendo uma grande influência nos políticos. A Avaaz tem essa vantagem de não aceitar dinheiro de empresas nem grandes doações.

Mas no começo da sua história a Avaaz recebeu um grande aporte do George Soros, não?

Teve um aporte absolutamente irrelevante em relação ao orçamento que a Avaaz tem hoje em dia. No início, teve um aporte da fundação dele (Open Society Foundation), para que a organização começasse a se constituir. Isso hoje no orçamento da organização é mínimo.

De quanto foi esse aporte?

Não tenho o dado, mas foi algo em torno de U$ 100 mil, nessa escala de grandeza.

Há quem aponte certa estranheza no fato de uma ONG estrangeira, que não tem escritório no Brasil, organizar campanhas que tentam influir no processo político brasileiro.

Nossa organização é feita a partir do poder das pessoas. Quem determina os rumos da organização são muito mais os membros do que um certo grupo de pessoas. E temos nos brasileiros o maior país entre seus membros. Acho que é uma organização global, não é uma organização estrangeira. Tentar fazer essa separação, acho que é uma separação bastante antiquada na verdade. As campanhas feitas no Brasil são feitas a partir dos membros brasileiros e claramente têm refletido os interesses dos brasileiros, e não outra coisa.

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