Novo chefe do Exército visita mensalmente FHC, rechaçou golpe e foi chamado de ‘melancia’


Tomás Miguel Ribeiro Paiva faz parte de um grupo de oficiais do Alto Comando atacado por campanha de difamação de apoiadores de Bolsonaro que não reconheciam a vitória de Lula

Por Marcelo Godoy
Atualização:

O general Tomás Miguel Miné Ribeiro de Paiva, de 62 anos, era ajudante de ordens do presidente Itamar Franco quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito. Tinha certeza de que seu trabalho no Palácio do Planalto terminaria e se preparava para se incorporar a uma unidade no Paraná quando foi surpreendido pela tarefa de cuidar da segurança da mulher do então novo presidente, Ruth Cardoso. Começava ali, na primeira metade dos anos 1990, uma amizade que o liga desde então a FHC, a quem visita mensalmente.

O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Foto: Reprodução/CMSE

Tomás era apontado, durante todo o ano de 2022, como o candidato favorito para chefiar o Exército do grupo que costumava ser ouvido sobre a Defesa na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva – acadêmicos como Manuel Domingos Netto, petistas como José Genoino e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Seu nome, no entanto, foi posto de lado em favor de Julio César de Arruda em função da decisão do presidente e do ministro da Defesa, José Múcio, de escolherem os oficiais mais antigos de cada Força para chefiar a Marinha, o Exército e a Aeronáutica.

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Mas não só. O grupo do senador Jaques Wagner achava que Arruda era, dos três generais mais antigos – Tomás, Arruda e Valério Stumpf –, o menos comprometido com o bolsonarismo. Arruda contava ainda com a simpatia do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Marco Edson Gonçalves Dias, um general que, a exemplo do ex-comandante, é um Força Especial. E também contava com o apoio do ex-comandante do Exército Enzo Peri, um dos poucos generais que mantinham interlocução com o PT. Arruda foi ajudante de ordens de Enzo.

Contra Tomás pesava o fato de ser o comandante da Academia das Agulhas Negras (Aman) em 2014, quando o então deputado federal Jair Bolsonaro lançou ali a sua candidatura à Presidência em um vídeo compartilhado por críticos dos militares e do governo Bolsonaro. Muitos viam ali a prova da participação do general no projeto de fazer Bolsonaro presidente. Quatro anos depois, Tomás era o chefe de gabinete do comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, quando este fez seus famosos tuítes em que se manifestava contra a concessão de habeas corpus a Lula, na véspera do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

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Lula não obteve o habeas corpus. Foi preso em seguida e passou 580 dias na cadeia. Até sair por decisão do STF e recuperar seus direitos políticos para se tornar candidato e se eleger presidente contra o mesmo Bolsonaro, que ele não pôde enfrentar em 2018. Aos amigos, Tomás afirma que a decisão de fazer os tuítes foi de Villas Bôas e está relacionada à manifestações de oficiais da reserva, como a do general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, que disse ao Estadão que o Supremo podia ser indutor de violência se favorecesse Lula.

Depois disso, Tomás foi comandar a 5.ª Divisão de Exército, em Curitiba. Acabou promovido à quarta estrela em 2019, ao lado de Stumpf, seu colega de turma e atual chefe do Estado Maior do Exército. Passou pelo Departamento de Ensino e, depois, foi enviado ao Comando Militar do Sudeste (CMSE). Em São Paulo, ele se tornaria uma das peças fundamentais do Alto Comando contra todas as tentativas de se contestar as eleições e o resultado das urnas. Disse isso recentemente a Fernando Henrique Cardoso e a outros interlocutores.

Respeito às urnas

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A campanha petista tinha conhecimento do comprometimento do general com o respeito ao resultado das urnas, assim como o de outros oficiais superiores, como o general Stumpf, o comandante militar do Nordeste, Richard Nunes, e o comandante militar do Sul, o discreto general Fernando Soares. O cerco aos militares foi grande. Colegas de turma de academia os pressionaram em grupos de WhatsApp. Tomás deixou o grupo de sua turma no aplicativo de mensagens depois que compartilharam ali uma imagem de seu colega, o general Otávio Rêgo Barros, com um capacete em forma de melancia.

Setores do bolsonarismo passaram a assediar os generais após a derrota do ex-presidente na eleição e, com a negativa da maioria do Alto Comando de questionar o resultado, Tomás, Richard e Stumpf se tornaram alvo de uma campanha de difamação que procurava apresentá-los como traidores e “melancias”. No fim, o próprio comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, virou alvo de uma operação psicológica que visava desestabilizá-lo por também ter sido contrário a uma virada de mesa.

O marco inicial dessa campanha foi o dia 2 de novembro, quando cerca de 60 mil manifestantes se reuniram diante da sede do CMSE para protestar contra o resultado das urnas. Tomás acompanhou tudo de perto. E deu uma ordem aos subordinados: estava proibido qualquer contato entre oficiais e os radicais. O general chegou a caminhar incógnito e sem farda entre os acampados, no trajeto entre sua casa e o quartel. O grupo de manifestantes perrmaneceu em frente ao quartel comandado por Tomás até o dia 9.

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Durante os eventos do dia 8, o general telefonou para o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) e ofereceu ajuda logística e de inteligência, tudo o que fosse possível sem que houvesse um decreto de Garantia de Lei e Ordem (GLO). O governador agradeceu. E informou ao general que havia reforçado o policiamento das sedes dos três Poderes em São Paulo, com homens da tropa de choque da Polícia Militar. Ao mesmo tempo, Tomás orientou aos seus subordinados que contatassem os acampados que ainda permaneciam em frente ao quartel para que tudo fosse desmontado, conforme ordem de Brasília.

Nos dias subsequentes, o general desenvolveu a convicção de que o País precisava ser pacificado, superando as desconfianças mútuas entre o Poder Civil e o Poder Militar. Também defendia a punição dos que se excederam nos atos após a eleição e pretendia ver processados os que o tentaram difamar, a exemplo do que fizera com um oficial que se manifestou politicamente em 2022 – ele foi punido com dois dias de cadeia sem que isso fosse divulgado. Tomás Paiva tinha certeza de que era necessário de que todos os atores institucionais voltassem a agir dentro da normalidade - juízes, militares, políticos.

Na quarta-feira pela manhã, após participar por videoconferência com o então comandante da Força Terrestre, Júlio César de Arruda, Tomás tinha um compromisso marcado na sede do CMSE: era uma solenidade em memória dos 18 militares mortos no terremoto do Haiti, em 2010. Tomás servira na Minustah, a força de paz das Nações Unidas para o Haiti, em, 2007. Ele foi subcomandante do batalhão brasileiro.

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No palanque oficial, o general falou por dez minutos. Reverberou em grande parte o que Arruda dissera de forma reservada aos oficiais generais. Mas o fez com a tropa formada, em público, e o vídeo foi compartilhado pela página do YouTube do CMSE. “Vamos continuar garantindo a nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade e garantias individuais e públicas. E é o regime do povo, de alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urna”, disse Tomás.

O discurso chamou novamente atenção para o general. Na tarde de sexta-feira, o ex-deputado federal José Genoino, um dos maiores críticos da escolha de Arruda no PT, voltou à carga. Em entrevista ao site DCM, defendeu a necessidade de “mudança na cadeia de comando do Exército”. Do jeito que estava, o presidente não comandava. Genoino era um dos que defendiam a escolha de Tomás por seu compromisso inquestionável com o resultado das urnas.

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FHC

A amizade com Fernando Henrique, que continuou depois do término do mandato do tucano, também contava a favor do general. Ela foi um dos fatores que levaram em 2022 o ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim a acreditar que este era um ponto favorável para a sua nomeação como comandante do Exército. Tomás conquistara a simpatia do tucano logo nas primeiras semanas do governo.

O caminho do então jovem oficial para isso foi quase acidental. Ao perceber o desconforto de Ruth Cardoso com o esquema de segurança que a acompanhava, Tomás cuidou para que a mulher de Fernando Henrique se sentisse mais a vontade em Brasília. Consequentemente, despertou a atenção do presidente, que fez dele um interlocutor. Costumava expor a Tomás as razões geopolíticas por trás dos grande atores da cena internacional no fim do expediente no Planalto.

O general, que mais tarde chefiaria o departamento de Ensino do Exército, também guardou daqueles anos a admiração pelo então ministro da Educação, Paulo Renato. Os anos passaram, Fernando Henrique se distanciou do poder, mas nunca deixou de receber Tomás.

O general agora tem um novo desafio: ajudar a normalizar as relações entre o poder civil e o poder militar, e trazer para o Planalto de volta os tempos em que um general como Alberto Cardoso podia abraçar no Palácio Eunice Paiva, a viúva do deputado federal e desaparecido político Rubens Paiva, cena testemunhada por Tomás, que simbolizou a reconciliação na República.

A interlocutores, ele disse recentemente que neste ano não deve haver nota oficial sobre o 31 de Março. Ele reconhece que atos injustificáveis foram cometidos pelas forças de segurança durante o regime militar e pronuncia nomes como os do jornalista Wladimir Herzog, de Rubens Paiva e do operário Manoel Fiel Filho. Acredita ainda que o sacrifício dos militares em nossa história deve ser melhor reconhecido pela República. Uma data, como a tomada de Monte Castelo, em 21 de fevereiro, deveria ser lembrada por todos.

O general nasceu em São Paulo, formou-se na turma de 1981 da Aman e saiu aspirante da Arma de Infantaria. Além do Haiti, esteve em operação no complexo do Alemão, no Rio, durante a Operação Arcanjo VI. O novo comandante do Exército é casado e tem quatro filhos.

O general Tomás Miguel Miné Ribeiro de Paiva, de 62 anos, era ajudante de ordens do presidente Itamar Franco quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito. Tinha certeza de que seu trabalho no Palácio do Planalto terminaria e se preparava para se incorporar a uma unidade no Paraná quando foi surpreendido pela tarefa de cuidar da segurança da mulher do então novo presidente, Ruth Cardoso. Começava ali, na primeira metade dos anos 1990, uma amizade que o liga desde então a FHC, a quem visita mensalmente.

O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Foto: Reprodução/CMSE

Tomás era apontado, durante todo o ano de 2022, como o candidato favorito para chefiar o Exército do grupo que costumava ser ouvido sobre a Defesa na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva – acadêmicos como Manuel Domingos Netto, petistas como José Genoino e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Seu nome, no entanto, foi posto de lado em favor de Julio César de Arruda em função da decisão do presidente e do ministro da Defesa, José Múcio, de escolherem os oficiais mais antigos de cada Força para chefiar a Marinha, o Exército e a Aeronáutica.

Mas não só. O grupo do senador Jaques Wagner achava que Arruda era, dos três generais mais antigos – Tomás, Arruda e Valério Stumpf –, o menos comprometido com o bolsonarismo. Arruda contava ainda com a simpatia do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Marco Edson Gonçalves Dias, um general que, a exemplo do ex-comandante, é um Força Especial. E também contava com o apoio do ex-comandante do Exército Enzo Peri, um dos poucos generais que mantinham interlocução com o PT. Arruda foi ajudante de ordens de Enzo.

Contra Tomás pesava o fato de ser o comandante da Academia das Agulhas Negras (Aman) em 2014, quando o então deputado federal Jair Bolsonaro lançou ali a sua candidatura à Presidência em um vídeo compartilhado por críticos dos militares e do governo Bolsonaro. Muitos viam ali a prova da participação do general no projeto de fazer Bolsonaro presidente. Quatro anos depois, Tomás era o chefe de gabinete do comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, quando este fez seus famosos tuítes em que se manifestava contra a concessão de habeas corpus a Lula, na véspera do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Lula não obteve o habeas corpus. Foi preso em seguida e passou 580 dias na cadeia. Até sair por decisão do STF e recuperar seus direitos políticos para se tornar candidato e se eleger presidente contra o mesmo Bolsonaro, que ele não pôde enfrentar em 2018. Aos amigos, Tomás afirma que a decisão de fazer os tuítes foi de Villas Bôas e está relacionada à manifestações de oficiais da reserva, como a do general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, que disse ao Estadão que o Supremo podia ser indutor de violência se favorecesse Lula.

Depois disso, Tomás foi comandar a 5.ª Divisão de Exército, em Curitiba. Acabou promovido à quarta estrela em 2019, ao lado de Stumpf, seu colega de turma e atual chefe do Estado Maior do Exército. Passou pelo Departamento de Ensino e, depois, foi enviado ao Comando Militar do Sudeste (CMSE). Em São Paulo, ele se tornaria uma das peças fundamentais do Alto Comando contra todas as tentativas de se contestar as eleições e o resultado das urnas. Disse isso recentemente a Fernando Henrique Cardoso e a outros interlocutores.

Respeito às urnas

A campanha petista tinha conhecimento do comprometimento do general com o respeito ao resultado das urnas, assim como o de outros oficiais superiores, como o general Stumpf, o comandante militar do Nordeste, Richard Nunes, e o comandante militar do Sul, o discreto general Fernando Soares. O cerco aos militares foi grande. Colegas de turma de academia os pressionaram em grupos de WhatsApp. Tomás deixou o grupo de sua turma no aplicativo de mensagens depois que compartilharam ali uma imagem de seu colega, o general Otávio Rêgo Barros, com um capacete em forma de melancia.

Setores do bolsonarismo passaram a assediar os generais após a derrota do ex-presidente na eleição e, com a negativa da maioria do Alto Comando de questionar o resultado, Tomás, Richard e Stumpf se tornaram alvo de uma campanha de difamação que procurava apresentá-los como traidores e “melancias”. No fim, o próprio comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, virou alvo de uma operação psicológica que visava desestabilizá-lo por também ter sido contrário a uma virada de mesa.

O marco inicial dessa campanha foi o dia 2 de novembro, quando cerca de 60 mil manifestantes se reuniram diante da sede do CMSE para protestar contra o resultado das urnas. Tomás acompanhou tudo de perto. E deu uma ordem aos subordinados: estava proibido qualquer contato entre oficiais e os radicais. O general chegou a caminhar incógnito e sem farda entre os acampados, no trajeto entre sua casa e o quartel. O grupo de manifestantes perrmaneceu em frente ao quartel comandado por Tomás até o dia 9.

Durante os eventos do dia 8, o general telefonou para o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) e ofereceu ajuda logística e de inteligência, tudo o que fosse possível sem que houvesse um decreto de Garantia de Lei e Ordem (GLO). O governador agradeceu. E informou ao general que havia reforçado o policiamento das sedes dos três Poderes em São Paulo, com homens da tropa de choque da Polícia Militar. Ao mesmo tempo, Tomás orientou aos seus subordinados que contatassem os acampados que ainda permaneciam em frente ao quartel para que tudo fosse desmontado, conforme ordem de Brasília.

Nos dias subsequentes, o general desenvolveu a convicção de que o País precisava ser pacificado, superando as desconfianças mútuas entre o Poder Civil e o Poder Militar. Também defendia a punição dos que se excederam nos atos após a eleição e pretendia ver processados os que o tentaram difamar, a exemplo do que fizera com um oficial que se manifestou politicamente em 2022 – ele foi punido com dois dias de cadeia sem que isso fosse divulgado. Tomás Paiva tinha certeza de que era necessário de que todos os atores institucionais voltassem a agir dentro da normalidade - juízes, militares, políticos.

Na quarta-feira pela manhã, após participar por videoconferência com o então comandante da Força Terrestre, Júlio César de Arruda, Tomás tinha um compromisso marcado na sede do CMSE: era uma solenidade em memória dos 18 militares mortos no terremoto do Haiti, em 2010. Tomás servira na Minustah, a força de paz das Nações Unidas para o Haiti, em, 2007. Ele foi subcomandante do batalhão brasileiro.

No palanque oficial, o general falou por dez minutos. Reverberou em grande parte o que Arruda dissera de forma reservada aos oficiais generais. Mas o fez com a tropa formada, em público, e o vídeo foi compartilhado pela página do YouTube do CMSE. “Vamos continuar garantindo a nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade e garantias individuais e públicas. E é o regime do povo, de alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urna”, disse Tomás.

O discurso chamou novamente atenção para o general. Na tarde de sexta-feira, o ex-deputado federal José Genoino, um dos maiores críticos da escolha de Arruda no PT, voltou à carga. Em entrevista ao site DCM, defendeu a necessidade de “mudança na cadeia de comando do Exército”. Do jeito que estava, o presidente não comandava. Genoino era um dos que defendiam a escolha de Tomás por seu compromisso inquestionável com o resultado das urnas.

FHC

A amizade com Fernando Henrique, que continuou depois do término do mandato do tucano, também contava a favor do general. Ela foi um dos fatores que levaram em 2022 o ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim a acreditar que este era um ponto favorável para a sua nomeação como comandante do Exército. Tomás conquistara a simpatia do tucano logo nas primeiras semanas do governo.

O caminho do então jovem oficial para isso foi quase acidental. Ao perceber o desconforto de Ruth Cardoso com o esquema de segurança que a acompanhava, Tomás cuidou para que a mulher de Fernando Henrique se sentisse mais a vontade em Brasília. Consequentemente, despertou a atenção do presidente, que fez dele um interlocutor. Costumava expor a Tomás as razões geopolíticas por trás dos grande atores da cena internacional no fim do expediente no Planalto.

O general, que mais tarde chefiaria o departamento de Ensino do Exército, também guardou daqueles anos a admiração pelo então ministro da Educação, Paulo Renato. Os anos passaram, Fernando Henrique se distanciou do poder, mas nunca deixou de receber Tomás.

O general agora tem um novo desafio: ajudar a normalizar as relações entre o poder civil e o poder militar, e trazer para o Planalto de volta os tempos em que um general como Alberto Cardoso podia abraçar no Palácio Eunice Paiva, a viúva do deputado federal e desaparecido político Rubens Paiva, cena testemunhada por Tomás, que simbolizou a reconciliação na República.

A interlocutores, ele disse recentemente que neste ano não deve haver nota oficial sobre o 31 de Março. Ele reconhece que atos injustificáveis foram cometidos pelas forças de segurança durante o regime militar e pronuncia nomes como os do jornalista Wladimir Herzog, de Rubens Paiva e do operário Manoel Fiel Filho. Acredita ainda que o sacrifício dos militares em nossa história deve ser melhor reconhecido pela República. Uma data, como a tomada de Monte Castelo, em 21 de fevereiro, deveria ser lembrada por todos.

O general nasceu em São Paulo, formou-se na turma de 1981 da Aman e saiu aspirante da Arma de Infantaria. Além do Haiti, esteve em operação no complexo do Alemão, no Rio, durante a Operação Arcanjo VI. O novo comandante do Exército é casado e tem quatro filhos.

O general Tomás Miguel Miné Ribeiro de Paiva, de 62 anos, era ajudante de ordens do presidente Itamar Franco quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito. Tinha certeza de que seu trabalho no Palácio do Planalto terminaria e se preparava para se incorporar a uma unidade no Paraná quando foi surpreendido pela tarefa de cuidar da segurança da mulher do então novo presidente, Ruth Cardoso. Começava ali, na primeira metade dos anos 1990, uma amizade que o liga desde então a FHC, a quem visita mensalmente.

O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Foto: Reprodução/CMSE

Tomás era apontado, durante todo o ano de 2022, como o candidato favorito para chefiar o Exército do grupo que costumava ser ouvido sobre a Defesa na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva – acadêmicos como Manuel Domingos Netto, petistas como José Genoino e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Seu nome, no entanto, foi posto de lado em favor de Julio César de Arruda em função da decisão do presidente e do ministro da Defesa, José Múcio, de escolherem os oficiais mais antigos de cada Força para chefiar a Marinha, o Exército e a Aeronáutica.

Mas não só. O grupo do senador Jaques Wagner achava que Arruda era, dos três generais mais antigos – Tomás, Arruda e Valério Stumpf –, o menos comprometido com o bolsonarismo. Arruda contava ainda com a simpatia do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Marco Edson Gonçalves Dias, um general que, a exemplo do ex-comandante, é um Força Especial. E também contava com o apoio do ex-comandante do Exército Enzo Peri, um dos poucos generais que mantinham interlocução com o PT. Arruda foi ajudante de ordens de Enzo.

Contra Tomás pesava o fato de ser o comandante da Academia das Agulhas Negras (Aman) em 2014, quando o então deputado federal Jair Bolsonaro lançou ali a sua candidatura à Presidência em um vídeo compartilhado por críticos dos militares e do governo Bolsonaro. Muitos viam ali a prova da participação do general no projeto de fazer Bolsonaro presidente. Quatro anos depois, Tomás era o chefe de gabinete do comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, quando este fez seus famosos tuítes em que se manifestava contra a concessão de habeas corpus a Lula, na véspera do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Lula não obteve o habeas corpus. Foi preso em seguida e passou 580 dias na cadeia. Até sair por decisão do STF e recuperar seus direitos políticos para se tornar candidato e se eleger presidente contra o mesmo Bolsonaro, que ele não pôde enfrentar em 2018. Aos amigos, Tomás afirma que a decisão de fazer os tuítes foi de Villas Bôas e está relacionada à manifestações de oficiais da reserva, como a do general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, que disse ao Estadão que o Supremo podia ser indutor de violência se favorecesse Lula.

Depois disso, Tomás foi comandar a 5.ª Divisão de Exército, em Curitiba. Acabou promovido à quarta estrela em 2019, ao lado de Stumpf, seu colega de turma e atual chefe do Estado Maior do Exército. Passou pelo Departamento de Ensino e, depois, foi enviado ao Comando Militar do Sudeste (CMSE). Em São Paulo, ele se tornaria uma das peças fundamentais do Alto Comando contra todas as tentativas de se contestar as eleições e o resultado das urnas. Disse isso recentemente a Fernando Henrique Cardoso e a outros interlocutores.

Respeito às urnas

A campanha petista tinha conhecimento do comprometimento do general com o respeito ao resultado das urnas, assim como o de outros oficiais superiores, como o general Stumpf, o comandante militar do Nordeste, Richard Nunes, e o comandante militar do Sul, o discreto general Fernando Soares. O cerco aos militares foi grande. Colegas de turma de academia os pressionaram em grupos de WhatsApp. Tomás deixou o grupo de sua turma no aplicativo de mensagens depois que compartilharam ali uma imagem de seu colega, o general Otávio Rêgo Barros, com um capacete em forma de melancia.

Setores do bolsonarismo passaram a assediar os generais após a derrota do ex-presidente na eleição e, com a negativa da maioria do Alto Comando de questionar o resultado, Tomás, Richard e Stumpf se tornaram alvo de uma campanha de difamação que procurava apresentá-los como traidores e “melancias”. No fim, o próprio comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, virou alvo de uma operação psicológica que visava desestabilizá-lo por também ter sido contrário a uma virada de mesa.

O marco inicial dessa campanha foi o dia 2 de novembro, quando cerca de 60 mil manifestantes se reuniram diante da sede do CMSE para protestar contra o resultado das urnas. Tomás acompanhou tudo de perto. E deu uma ordem aos subordinados: estava proibido qualquer contato entre oficiais e os radicais. O general chegou a caminhar incógnito e sem farda entre os acampados, no trajeto entre sua casa e o quartel. O grupo de manifestantes perrmaneceu em frente ao quartel comandado por Tomás até o dia 9.

Durante os eventos do dia 8, o general telefonou para o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) e ofereceu ajuda logística e de inteligência, tudo o que fosse possível sem que houvesse um decreto de Garantia de Lei e Ordem (GLO). O governador agradeceu. E informou ao general que havia reforçado o policiamento das sedes dos três Poderes em São Paulo, com homens da tropa de choque da Polícia Militar. Ao mesmo tempo, Tomás orientou aos seus subordinados que contatassem os acampados que ainda permaneciam em frente ao quartel para que tudo fosse desmontado, conforme ordem de Brasília.

Nos dias subsequentes, o general desenvolveu a convicção de que o País precisava ser pacificado, superando as desconfianças mútuas entre o Poder Civil e o Poder Militar. Também defendia a punição dos que se excederam nos atos após a eleição e pretendia ver processados os que o tentaram difamar, a exemplo do que fizera com um oficial que se manifestou politicamente em 2022 – ele foi punido com dois dias de cadeia sem que isso fosse divulgado. Tomás Paiva tinha certeza de que era necessário de que todos os atores institucionais voltassem a agir dentro da normalidade - juízes, militares, políticos.

Na quarta-feira pela manhã, após participar por videoconferência com o então comandante da Força Terrestre, Júlio César de Arruda, Tomás tinha um compromisso marcado na sede do CMSE: era uma solenidade em memória dos 18 militares mortos no terremoto do Haiti, em 2010. Tomás servira na Minustah, a força de paz das Nações Unidas para o Haiti, em, 2007. Ele foi subcomandante do batalhão brasileiro.

No palanque oficial, o general falou por dez minutos. Reverberou em grande parte o que Arruda dissera de forma reservada aos oficiais generais. Mas o fez com a tropa formada, em público, e o vídeo foi compartilhado pela página do YouTube do CMSE. “Vamos continuar garantindo a nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade e garantias individuais e públicas. E é o regime do povo, de alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urna”, disse Tomás.

O discurso chamou novamente atenção para o general. Na tarde de sexta-feira, o ex-deputado federal José Genoino, um dos maiores críticos da escolha de Arruda no PT, voltou à carga. Em entrevista ao site DCM, defendeu a necessidade de “mudança na cadeia de comando do Exército”. Do jeito que estava, o presidente não comandava. Genoino era um dos que defendiam a escolha de Tomás por seu compromisso inquestionável com o resultado das urnas.

FHC

A amizade com Fernando Henrique, que continuou depois do término do mandato do tucano, também contava a favor do general. Ela foi um dos fatores que levaram em 2022 o ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim a acreditar que este era um ponto favorável para a sua nomeação como comandante do Exército. Tomás conquistara a simpatia do tucano logo nas primeiras semanas do governo.

O caminho do então jovem oficial para isso foi quase acidental. Ao perceber o desconforto de Ruth Cardoso com o esquema de segurança que a acompanhava, Tomás cuidou para que a mulher de Fernando Henrique se sentisse mais a vontade em Brasília. Consequentemente, despertou a atenção do presidente, que fez dele um interlocutor. Costumava expor a Tomás as razões geopolíticas por trás dos grande atores da cena internacional no fim do expediente no Planalto.

O general, que mais tarde chefiaria o departamento de Ensino do Exército, também guardou daqueles anos a admiração pelo então ministro da Educação, Paulo Renato. Os anos passaram, Fernando Henrique se distanciou do poder, mas nunca deixou de receber Tomás.

O general agora tem um novo desafio: ajudar a normalizar as relações entre o poder civil e o poder militar, e trazer para o Planalto de volta os tempos em que um general como Alberto Cardoso podia abraçar no Palácio Eunice Paiva, a viúva do deputado federal e desaparecido político Rubens Paiva, cena testemunhada por Tomás, que simbolizou a reconciliação na República.

A interlocutores, ele disse recentemente que neste ano não deve haver nota oficial sobre o 31 de Março. Ele reconhece que atos injustificáveis foram cometidos pelas forças de segurança durante o regime militar e pronuncia nomes como os do jornalista Wladimir Herzog, de Rubens Paiva e do operário Manoel Fiel Filho. Acredita ainda que o sacrifício dos militares em nossa história deve ser melhor reconhecido pela República. Uma data, como a tomada de Monte Castelo, em 21 de fevereiro, deveria ser lembrada por todos.

O general nasceu em São Paulo, formou-se na turma de 1981 da Aman e saiu aspirante da Arma de Infantaria. Além do Haiti, esteve em operação no complexo do Alemão, no Rio, durante a Operação Arcanjo VI. O novo comandante do Exército é casado e tem quatro filhos.

O general Tomás Miguel Miné Ribeiro de Paiva, de 62 anos, era ajudante de ordens do presidente Itamar Franco quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito. Tinha certeza de que seu trabalho no Palácio do Planalto terminaria e se preparava para se incorporar a uma unidade no Paraná quando foi surpreendido pela tarefa de cuidar da segurança da mulher do então novo presidente, Ruth Cardoso. Começava ali, na primeira metade dos anos 1990, uma amizade que o liga desde então a FHC, a quem visita mensalmente.

O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Foto: Reprodução/CMSE

Tomás era apontado, durante todo o ano de 2022, como o candidato favorito para chefiar o Exército do grupo que costumava ser ouvido sobre a Defesa na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva – acadêmicos como Manuel Domingos Netto, petistas como José Genoino e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Seu nome, no entanto, foi posto de lado em favor de Julio César de Arruda em função da decisão do presidente e do ministro da Defesa, José Múcio, de escolherem os oficiais mais antigos de cada Força para chefiar a Marinha, o Exército e a Aeronáutica.

Mas não só. O grupo do senador Jaques Wagner achava que Arruda era, dos três generais mais antigos – Tomás, Arruda e Valério Stumpf –, o menos comprometido com o bolsonarismo. Arruda contava ainda com a simpatia do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Marco Edson Gonçalves Dias, um general que, a exemplo do ex-comandante, é um Força Especial. E também contava com o apoio do ex-comandante do Exército Enzo Peri, um dos poucos generais que mantinham interlocução com o PT. Arruda foi ajudante de ordens de Enzo.

Contra Tomás pesava o fato de ser o comandante da Academia das Agulhas Negras (Aman) em 2014, quando o então deputado federal Jair Bolsonaro lançou ali a sua candidatura à Presidência em um vídeo compartilhado por críticos dos militares e do governo Bolsonaro. Muitos viam ali a prova da participação do general no projeto de fazer Bolsonaro presidente. Quatro anos depois, Tomás era o chefe de gabinete do comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, quando este fez seus famosos tuítes em que se manifestava contra a concessão de habeas corpus a Lula, na véspera do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Lula não obteve o habeas corpus. Foi preso em seguida e passou 580 dias na cadeia. Até sair por decisão do STF e recuperar seus direitos políticos para se tornar candidato e se eleger presidente contra o mesmo Bolsonaro, que ele não pôde enfrentar em 2018. Aos amigos, Tomás afirma que a decisão de fazer os tuítes foi de Villas Bôas e está relacionada à manifestações de oficiais da reserva, como a do general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, que disse ao Estadão que o Supremo podia ser indutor de violência se favorecesse Lula.

Depois disso, Tomás foi comandar a 5.ª Divisão de Exército, em Curitiba. Acabou promovido à quarta estrela em 2019, ao lado de Stumpf, seu colega de turma e atual chefe do Estado Maior do Exército. Passou pelo Departamento de Ensino e, depois, foi enviado ao Comando Militar do Sudeste (CMSE). Em São Paulo, ele se tornaria uma das peças fundamentais do Alto Comando contra todas as tentativas de se contestar as eleições e o resultado das urnas. Disse isso recentemente a Fernando Henrique Cardoso e a outros interlocutores.

Respeito às urnas

A campanha petista tinha conhecimento do comprometimento do general com o respeito ao resultado das urnas, assim como o de outros oficiais superiores, como o general Stumpf, o comandante militar do Nordeste, Richard Nunes, e o comandante militar do Sul, o discreto general Fernando Soares. O cerco aos militares foi grande. Colegas de turma de academia os pressionaram em grupos de WhatsApp. Tomás deixou o grupo de sua turma no aplicativo de mensagens depois que compartilharam ali uma imagem de seu colega, o general Otávio Rêgo Barros, com um capacete em forma de melancia.

Setores do bolsonarismo passaram a assediar os generais após a derrota do ex-presidente na eleição e, com a negativa da maioria do Alto Comando de questionar o resultado, Tomás, Richard e Stumpf se tornaram alvo de uma campanha de difamação que procurava apresentá-los como traidores e “melancias”. No fim, o próprio comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, virou alvo de uma operação psicológica que visava desestabilizá-lo por também ter sido contrário a uma virada de mesa.

O marco inicial dessa campanha foi o dia 2 de novembro, quando cerca de 60 mil manifestantes se reuniram diante da sede do CMSE para protestar contra o resultado das urnas. Tomás acompanhou tudo de perto. E deu uma ordem aos subordinados: estava proibido qualquer contato entre oficiais e os radicais. O general chegou a caminhar incógnito e sem farda entre os acampados, no trajeto entre sua casa e o quartel. O grupo de manifestantes perrmaneceu em frente ao quartel comandado por Tomás até o dia 9.

Durante os eventos do dia 8, o general telefonou para o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) e ofereceu ajuda logística e de inteligência, tudo o que fosse possível sem que houvesse um decreto de Garantia de Lei e Ordem (GLO). O governador agradeceu. E informou ao general que havia reforçado o policiamento das sedes dos três Poderes em São Paulo, com homens da tropa de choque da Polícia Militar. Ao mesmo tempo, Tomás orientou aos seus subordinados que contatassem os acampados que ainda permaneciam em frente ao quartel para que tudo fosse desmontado, conforme ordem de Brasília.

Nos dias subsequentes, o general desenvolveu a convicção de que o País precisava ser pacificado, superando as desconfianças mútuas entre o Poder Civil e o Poder Militar. Também defendia a punição dos que se excederam nos atos após a eleição e pretendia ver processados os que o tentaram difamar, a exemplo do que fizera com um oficial que se manifestou politicamente em 2022 – ele foi punido com dois dias de cadeia sem que isso fosse divulgado. Tomás Paiva tinha certeza de que era necessário de que todos os atores institucionais voltassem a agir dentro da normalidade - juízes, militares, políticos.

Na quarta-feira pela manhã, após participar por videoconferência com o então comandante da Força Terrestre, Júlio César de Arruda, Tomás tinha um compromisso marcado na sede do CMSE: era uma solenidade em memória dos 18 militares mortos no terremoto do Haiti, em 2010. Tomás servira na Minustah, a força de paz das Nações Unidas para o Haiti, em, 2007. Ele foi subcomandante do batalhão brasileiro.

No palanque oficial, o general falou por dez minutos. Reverberou em grande parte o que Arruda dissera de forma reservada aos oficiais generais. Mas o fez com a tropa formada, em público, e o vídeo foi compartilhado pela página do YouTube do CMSE. “Vamos continuar garantindo a nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade e garantias individuais e públicas. E é o regime do povo, de alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urna”, disse Tomás.

O discurso chamou novamente atenção para o general. Na tarde de sexta-feira, o ex-deputado federal José Genoino, um dos maiores críticos da escolha de Arruda no PT, voltou à carga. Em entrevista ao site DCM, defendeu a necessidade de “mudança na cadeia de comando do Exército”. Do jeito que estava, o presidente não comandava. Genoino era um dos que defendiam a escolha de Tomás por seu compromisso inquestionável com o resultado das urnas.

FHC

A amizade com Fernando Henrique, que continuou depois do término do mandato do tucano, também contava a favor do general. Ela foi um dos fatores que levaram em 2022 o ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim a acreditar que este era um ponto favorável para a sua nomeação como comandante do Exército. Tomás conquistara a simpatia do tucano logo nas primeiras semanas do governo.

O caminho do então jovem oficial para isso foi quase acidental. Ao perceber o desconforto de Ruth Cardoso com o esquema de segurança que a acompanhava, Tomás cuidou para que a mulher de Fernando Henrique se sentisse mais a vontade em Brasília. Consequentemente, despertou a atenção do presidente, que fez dele um interlocutor. Costumava expor a Tomás as razões geopolíticas por trás dos grande atores da cena internacional no fim do expediente no Planalto.

O general, que mais tarde chefiaria o departamento de Ensino do Exército, também guardou daqueles anos a admiração pelo então ministro da Educação, Paulo Renato. Os anos passaram, Fernando Henrique se distanciou do poder, mas nunca deixou de receber Tomás.

O general agora tem um novo desafio: ajudar a normalizar as relações entre o poder civil e o poder militar, e trazer para o Planalto de volta os tempos em que um general como Alberto Cardoso podia abraçar no Palácio Eunice Paiva, a viúva do deputado federal e desaparecido político Rubens Paiva, cena testemunhada por Tomás, que simbolizou a reconciliação na República.

A interlocutores, ele disse recentemente que neste ano não deve haver nota oficial sobre o 31 de Março. Ele reconhece que atos injustificáveis foram cometidos pelas forças de segurança durante o regime militar e pronuncia nomes como os do jornalista Wladimir Herzog, de Rubens Paiva e do operário Manoel Fiel Filho. Acredita ainda que o sacrifício dos militares em nossa história deve ser melhor reconhecido pela República. Uma data, como a tomada de Monte Castelo, em 21 de fevereiro, deveria ser lembrada por todos.

O general nasceu em São Paulo, formou-se na turma de 1981 da Aman e saiu aspirante da Arma de Infantaria. Além do Haiti, esteve em operação no complexo do Alemão, no Rio, durante a Operação Arcanjo VI. O novo comandante do Exército é casado e tem quatro filhos.

O general Tomás Miguel Miné Ribeiro de Paiva, de 62 anos, era ajudante de ordens do presidente Itamar Franco quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito. Tinha certeza de que seu trabalho no Palácio do Planalto terminaria e se preparava para se incorporar a uma unidade no Paraná quando foi surpreendido pela tarefa de cuidar da segurança da mulher do então novo presidente, Ruth Cardoso. Começava ali, na primeira metade dos anos 1990, uma amizade que o liga desde então a FHC, a quem visita mensalmente.

O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Foto: Reprodução/CMSE

Tomás era apontado, durante todo o ano de 2022, como o candidato favorito para chefiar o Exército do grupo que costumava ser ouvido sobre a Defesa na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva – acadêmicos como Manuel Domingos Netto, petistas como José Genoino e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Seu nome, no entanto, foi posto de lado em favor de Julio César de Arruda em função da decisão do presidente e do ministro da Defesa, José Múcio, de escolherem os oficiais mais antigos de cada Força para chefiar a Marinha, o Exército e a Aeronáutica.

Mas não só. O grupo do senador Jaques Wagner achava que Arruda era, dos três generais mais antigos – Tomás, Arruda e Valério Stumpf –, o menos comprometido com o bolsonarismo. Arruda contava ainda com a simpatia do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Marco Edson Gonçalves Dias, um general que, a exemplo do ex-comandante, é um Força Especial. E também contava com o apoio do ex-comandante do Exército Enzo Peri, um dos poucos generais que mantinham interlocução com o PT. Arruda foi ajudante de ordens de Enzo.

Contra Tomás pesava o fato de ser o comandante da Academia das Agulhas Negras (Aman) em 2014, quando o então deputado federal Jair Bolsonaro lançou ali a sua candidatura à Presidência em um vídeo compartilhado por críticos dos militares e do governo Bolsonaro. Muitos viam ali a prova da participação do general no projeto de fazer Bolsonaro presidente. Quatro anos depois, Tomás era o chefe de gabinete do comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, quando este fez seus famosos tuítes em que se manifestava contra a concessão de habeas corpus a Lula, na véspera do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Lula não obteve o habeas corpus. Foi preso em seguida e passou 580 dias na cadeia. Até sair por decisão do STF e recuperar seus direitos políticos para se tornar candidato e se eleger presidente contra o mesmo Bolsonaro, que ele não pôde enfrentar em 2018. Aos amigos, Tomás afirma que a decisão de fazer os tuítes foi de Villas Bôas e está relacionada à manifestações de oficiais da reserva, como a do general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, que disse ao Estadão que o Supremo podia ser indutor de violência se favorecesse Lula.

Depois disso, Tomás foi comandar a 5.ª Divisão de Exército, em Curitiba. Acabou promovido à quarta estrela em 2019, ao lado de Stumpf, seu colega de turma e atual chefe do Estado Maior do Exército. Passou pelo Departamento de Ensino e, depois, foi enviado ao Comando Militar do Sudeste (CMSE). Em São Paulo, ele se tornaria uma das peças fundamentais do Alto Comando contra todas as tentativas de se contestar as eleições e o resultado das urnas. Disse isso recentemente a Fernando Henrique Cardoso e a outros interlocutores.

Respeito às urnas

A campanha petista tinha conhecimento do comprometimento do general com o respeito ao resultado das urnas, assim como o de outros oficiais superiores, como o general Stumpf, o comandante militar do Nordeste, Richard Nunes, e o comandante militar do Sul, o discreto general Fernando Soares. O cerco aos militares foi grande. Colegas de turma de academia os pressionaram em grupos de WhatsApp. Tomás deixou o grupo de sua turma no aplicativo de mensagens depois que compartilharam ali uma imagem de seu colega, o general Otávio Rêgo Barros, com um capacete em forma de melancia.

Setores do bolsonarismo passaram a assediar os generais após a derrota do ex-presidente na eleição e, com a negativa da maioria do Alto Comando de questionar o resultado, Tomás, Richard e Stumpf se tornaram alvo de uma campanha de difamação que procurava apresentá-los como traidores e “melancias”. No fim, o próprio comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, virou alvo de uma operação psicológica que visava desestabilizá-lo por também ter sido contrário a uma virada de mesa.

O marco inicial dessa campanha foi o dia 2 de novembro, quando cerca de 60 mil manifestantes se reuniram diante da sede do CMSE para protestar contra o resultado das urnas. Tomás acompanhou tudo de perto. E deu uma ordem aos subordinados: estava proibido qualquer contato entre oficiais e os radicais. O general chegou a caminhar incógnito e sem farda entre os acampados, no trajeto entre sua casa e o quartel. O grupo de manifestantes perrmaneceu em frente ao quartel comandado por Tomás até o dia 9.

Durante os eventos do dia 8, o general telefonou para o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) e ofereceu ajuda logística e de inteligência, tudo o que fosse possível sem que houvesse um decreto de Garantia de Lei e Ordem (GLO). O governador agradeceu. E informou ao general que havia reforçado o policiamento das sedes dos três Poderes em São Paulo, com homens da tropa de choque da Polícia Militar. Ao mesmo tempo, Tomás orientou aos seus subordinados que contatassem os acampados que ainda permaneciam em frente ao quartel para que tudo fosse desmontado, conforme ordem de Brasília.

Nos dias subsequentes, o general desenvolveu a convicção de que o País precisava ser pacificado, superando as desconfianças mútuas entre o Poder Civil e o Poder Militar. Também defendia a punição dos que se excederam nos atos após a eleição e pretendia ver processados os que o tentaram difamar, a exemplo do que fizera com um oficial que se manifestou politicamente em 2022 – ele foi punido com dois dias de cadeia sem que isso fosse divulgado. Tomás Paiva tinha certeza de que era necessário de que todos os atores institucionais voltassem a agir dentro da normalidade - juízes, militares, políticos.

Na quarta-feira pela manhã, após participar por videoconferência com o então comandante da Força Terrestre, Júlio César de Arruda, Tomás tinha um compromisso marcado na sede do CMSE: era uma solenidade em memória dos 18 militares mortos no terremoto do Haiti, em 2010. Tomás servira na Minustah, a força de paz das Nações Unidas para o Haiti, em, 2007. Ele foi subcomandante do batalhão brasileiro.

No palanque oficial, o general falou por dez minutos. Reverberou em grande parte o que Arruda dissera de forma reservada aos oficiais generais. Mas o fez com a tropa formada, em público, e o vídeo foi compartilhado pela página do YouTube do CMSE. “Vamos continuar garantindo a nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade e garantias individuais e públicas. E é o regime do povo, de alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urna”, disse Tomás.

O discurso chamou novamente atenção para o general. Na tarde de sexta-feira, o ex-deputado federal José Genoino, um dos maiores críticos da escolha de Arruda no PT, voltou à carga. Em entrevista ao site DCM, defendeu a necessidade de “mudança na cadeia de comando do Exército”. Do jeito que estava, o presidente não comandava. Genoino era um dos que defendiam a escolha de Tomás por seu compromisso inquestionável com o resultado das urnas.

FHC

A amizade com Fernando Henrique, que continuou depois do término do mandato do tucano, também contava a favor do general. Ela foi um dos fatores que levaram em 2022 o ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim a acreditar que este era um ponto favorável para a sua nomeação como comandante do Exército. Tomás conquistara a simpatia do tucano logo nas primeiras semanas do governo.

O caminho do então jovem oficial para isso foi quase acidental. Ao perceber o desconforto de Ruth Cardoso com o esquema de segurança que a acompanhava, Tomás cuidou para que a mulher de Fernando Henrique se sentisse mais a vontade em Brasília. Consequentemente, despertou a atenção do presidente, que fez dele um interlocutor. Costumava expor a Tomás as razões geopolíticas por trás dos grande atores da cena internacional no fim do expediente no Planalto.

O general, que mais tarde chefiaria o departamento de Ensino do Exército, também guardou daqueles anos a admiração pelo então ministro da Educação, Paulo Renato. Os anos passaram, Fernando Henrique se distanciou do poder, mas nunca deixou de receber Tomás.

O general agora tem um novo desafio: ajudar a normalizar as relações entre o poder civil e o poder militar, e trazer para o Planalto de volta os tempos em que um general como Alberto Cardoso podia abraçar no Palácio Eunice Paiva, a viúva do deputado federal e desaparecido político Rubens Paiva, cena testemunhada por Tomás, que simbolizou a reconciliação na República.

A interlocutores, ele disse recentemente que neste ano não deve haver nota oficial sobre o 31 de Março. Ele reconhece que atos injustificáveis foram cometidos pelas forças de segurança durante o regime militar e pronuncia nomes como os do jornalista Wladimir Herzog, de Rubens Paiva e do operário Manoel Fiel Filho. Acredita ainda que o sacrifício dos militares em nossa história deve ser melhor reconhecido pela República. Uma data, como a tomada de Monte Castelo, em 21 de fevereiro, deveria ser lembrada por todos.

O general nasceu em São Paulo, formou-se na turma de 1981 da Aman e saiu aspirante da Arma de Infantaria. Além do Haiti, esteve em operação no complexo do Alemão, no Rio, durante a Operação Arcanjo VI. O novo comandante do Exército é casado e tem quatro filhos.

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