As campanhas do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) já indicaram, nos primeiros dias do segundo turno para a Prefeitura de São Paulo, as estratégias que irão adotar para enfraquecer um ao outro. Enquanto a equipe do emedebista aposta em contrapor Boulos, destacando sua inexperiência em cargos Executivos, a pecha de radical e as inconsistências em seu discurso, o candidato do PSOL reforçará a percepção de “mais do mesmo”, dando ênfase às investigações que envolvem a administração de Nunes, além de buscar associá-lo cada vez mais ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e à acusação de violência doméstica, decorrente do boletim de ocorrência registrado por sua esposa em 2011.
Em seu discurso, poucos minutos após o resultado do primeiro turno, Nunes indicou como pretende confrontar e derrotar Boulos, afirmando que a disputa representa a “diferença entre ordem e desordem”, “experiência e inexperiência”, “boa gestão e incerteza” e “equilíbrio e radicalismo” — reforçando a imagem de ‘destemperado’ atribuída ao candidato do PSOL.
O Estadão apurou junto a aliados de Nunes que essas declarações fazem parte de uma estratégia que será intensificada pela campanha daqui em diante, na qual serão explorados tanto a inexperiência de Boulos, que nunca ocupou cargos Executivos, quanto seu histórico à frente do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), destacando, inclusive, que o psolista já foi preso em decorrência das ocupações.
Nunes não apenas reforçou a tática em uma agenda com os vereadores eleitos pela sigla, na terça-feira, 8, como também aproveitou para destacar outra frente que será utilizada pela campanha: as mudanças de posicionamento de seu adversário em relação a temas caros ao eleitorado paulistano. “Ele fica indo e voltando no que diz. Vocês [vereadores] precisam levar isso também para suas bases eleitorais”, ressaltou.
Por essa razão, a equipe de Nunes planeja divulgar, nos próximos dias, peças de campanha que resgatem declarações anteriores de Boulos, evidenciando suas contradições e sugerindo que a modulação de seu discurso é oportunista. Entre os temas escolhidos estão o aborto e a descriminalização das drogas — bandeiras já defendidas por Boulos e sensíveis ao eleitorado conservador, especialmente entre os evangélicos, um segmento no qual ele enfrenta forte rejeição.
A campanha de Boulos, por sua vez, adotará uma postura mais incisiva e contundente — em parte devido ao fato de estar atrás nas projeções dos institutos de pesquisa —, mas sem exagerar no tom, de modo a continuar consolidando e reforçando sua imagem mais moderada. A equipe de Boulos, portanto, recorrerá a investigações já em andamento e a casos revelados pela imprensa, evitando acusações de “jogo sujo”, como ocorreu com Pablo Marçal (PRTB).
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A propaganda eleitoral da campanha busca, com isso, reforçar a percepção de que Nunes permitiu a infiltração do crime organizado na administração pública municipal. Entre os casos que serão explorados estão a investigação do Ministério Público de São Paulo, que encontrou indícios de envolvimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) em empresas de ônibus com contratos com a prefeitura, além do superfaturamento em obras emergenciais contratadas por sua gestão entre 2021 e 2022. O histórico do prefeito também será lembrado com o caso da máfia das creches, inquérito no qual Nunes é citado, referente à época em que era vereador da cidade. O prefeito sempre negou qualquer participação em irregularidades.
Aliados de Boulos afirmam que o objetivo das peças é desgastar a imagem de Nunes, associando-o ao crime organizado e transmitindo a ideia de que o emedebista não tem “pulso firme”, cedendo aos interesses de grupos de poder que orbitam ao seu redor, com sua permanência representando “mais do mesmo”.
No entanto, a campanha de Boulos terá cautela em alguns pontos, como a exploração do boletim de ocorrência registrado pela esposa de Nunes em 2011. A percepção é de que o tema, amplamente utilizado no primeiro turno, deverá ser tratado com mais cuidado, dependendo da reação dos eleitores, para evitar a impressão de oportunismo ou apelação.
Em outra frente, a campanha continuará vinculando Nunes à figura de Bolsonaro, que enfrenta alta rejeição na capital paulista — região onde perdeu para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022. A expectativa entre os apoiadores de Boulos é que Bolsonaro se envolva mais na campanha do emedebista neste segundo turno, o que daria munição para intensificar a ligação entre os dois.
Ao Estadão, o presidente municipal do MDB, Enrico Misasi, disse que já está construindo uma agenda junto ao PL para garantir uma maior participação de Bolsonaro nas atividades ao lado de Nunes nesta reta final. Na mesma linha, o presidente municipal do PL em São Paulo, Isac Félix, afirmou que espera uma participação mais ativa de Bolsonaro na campanha do prefeito neste segundo turno, classificando a presença do ex-presidente como “mais importante do que nunca.”
Boulos busca fato novo; Nunes ‘joga parado’
Na avaliação do cientista político Antonio Lavareda, as estratégias adotadas neste início de segundo turno favorecem Nunes, que aparece à frente de Boulos nas pesquisas eleitorais. Lavareda ressalta que o candidato do PSOL precisa apresentar fatos novos contra o emedebista, destacando que as acusações já levantadas na primeira etapa da eleição foram “precificadas”pelos eleitores, tendo pouco impacto para mudar votos.
“No segundo turno, só fatos novos alteram as atitudes e opiniões dos eleitores ou podem influenciar em relação aos dois candidatos. A questão das investigações e do boletim de ocorrência já foi exaustivamente apresentada ao público”, explica Lavareda.
Ele acrescenta que, no segundo turno, o mais importante é reduzir a rejeição, um fator que desfavorece Boulos, que lidera nesse índice, enquanto permite a Nunes “jogar parado”. Na mesma linha, o cientista político e diretor do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), Vinicius Alves, destaca que a campanha de Boulos enfrenta o grande desafio de diminuir a resistência ao candidato e, por isso, os estrategistas precisam calibrar eventuais ataques contra Nunes, adotando um tom mais moderado.
Alves também avalia que a estratégia adotada por Nunes contra Boulos, de intensificar as diferenças ideológicas entre os dois e reforçar os posicionamentos do candidato do PSOL em pautas de costumes, pode ser eficiente para aglutinar a direita em torno de seu nome, especialmente após a entrada de Marçal na disputa, fator que fragmentou o campo político. Em sua avaliação, a tática também contribui para aumentar a rejeição ao seu adversário.
“Acredito que a estratégia do prefeito será fazer manter ou crescer a rejeição contra Boulos, que terminou em um patamar alto no primeiro turno”, resume.
Para o estrategista de comunicação Marc Tawil, após um primeiro turno marcado por agressividade e violência, os eleitores esperam uma reta final de eleição mais propositiva, com foco em propostas concretas para a cidade, em vez de estratégias voltadas a explorar as “fraquezas” mútuas.
“As táticas de Nunes e Boulos de enfraquecimento mútuo têm efeito limitado na conquista dos eleitores, que, após um 1º turno caótico e nada propositivo, esperam propostas concretas para a cidade. Eficaz seria ambos os candidatos adotar táticas que dialoguem - de forma adulta - com as preocupações reais da população, como soluções para mobilidade urbana, segurança e saúde”, completa.