‘O ideal é Arthur Lira assumir um ministério porque temos de trazer o Centrão para mais perto’


Ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha diz que Lula precisa consolidar aliança estratégica com partidos de centro-direita para ter estabilidade e enfrentar a disputa da reeleição, em 2026

Por Vera Rosa
Atualização:
Foto: Wilton Junior/Estadão
Entrevista comJoão Paulo CunhaEx-presidente da Câmara dos Deputados

BRASÍLIA – Integrante da “velha guarda” do PT, o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha atua cada vez mais nos bastidores da política. Um dos conselheiros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, João Paulo tem bom trânsito tanto no Palácio do Planalto quanto no Congresso e acha que o governo precisa se preparar para enfrentar o avanço da centro-direita. O caminho apontado por ele é bem pragmático: na sua avaliação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deve ser alçado à equipe de Lula.

“O ideal é Lira assumir um ministério em 2025 porque temos de trazer o Centrão para mais perto”, disse João Paulo ao Estadão. “Precisamos consolidar essa banda do Centrão que dialoga com a gente para a disputa de 2026.”

Alvejado pelo escândalo do mensalão, João Paulo terminou de estudar Direito quando ainda estava na prisão. Na Papuda, ele escreveu dois livros, sendo um de poesia. Alguns anos depois, sua banca de mestrado contou com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e também com Paulo Gonet, hoje procurador-geral da República.

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Agora, o ex-deputado prepara uma autobiografia, na qual promete contar passagens da época em que comandou a Câmara, de 2003 a 2005, e, antes, o PT paulista. Mas faz suspense sobre seus apontamentos. Prefere falar sobre o livro que está lendo, com um nome sugestivo: “O homem inocente”, de John Grisham.

Para João Paulo, “o governo precisa tomar um chacoalhão” e o PT necessita se reformular logo após as eleições municipais. “O PT envelheceu muito rapidamente”, admitiu ele.

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Por que o PT teve um desempenho tão ruim no primeiro turno das eleições, principalmente em São Paulo?

Em número de municípios o PT sempre ficou muito aquém dos partidos de centro. A diferença é que, em alguns períodos, o PT governou muitos eleitores. Governou São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, grandes cidades do interior paulista e do ABC. O que me espanta agora é que a crise do PT seja mais de representação. O partido carece, nesse momento, de capilaridade, de representação social. Efetivamente, deixamos muito a desejar nesse processo eleitoral.

E a que o sr. atribui essa falta de representação?

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O PT envelheceu muito rapidamente, não conseguiu fazer o pacto geracional e sofre as consequências de uma mudança que nem todos captaram. É um fenômeno mundial.

Mas há muitas críticas de que o PT virou um partido burocrático, que não consegue renovar suas lideranças. Como mudar esse quadro?

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Na minha visão, o PT precisa atualizar a leitura do capitalismo no Brasil, que mudou muito, e também suas bandeiras e propostas. É necessário ter a compreensão de como os trabalhadores hoje estão se organizando. O problema fundamental do PT e do governo tem sido atender aquela faixa que melhorou um pouco de vida, os chamados remediados. Nós precisamos rapidamente preparar propostas para eles. Os evangélicos também entram nessa faixa. Tem um livro muito interessante, chamado O Alfaiate de ULM, do Lucio Magri, que foi secretário-geral do Partido Comunista italiano. Era o maior partido do Ocidente, na década de 50, e rivalizava com a União Soviética. Mas a burocracia, a sua não-renovação e a sua não-atualização programática o levaram à morte. Hoje, não existe mais.

Isso pode acontecer com o PT?

Não necessariamente. Mas é um exemplo bom, que vale a pena a gente estudar.

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O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, lê 'O Homem Inocente', de John Grisham, na varanda de sua casa: "Aquele processo serviu de alavanca para que eu pudesse olhar para a frente". Foto: Wilton Junior/Estadão

Mas por que o centro e a direita estão crescendo no Brasil a cada eleição?

A direita conseguiu captar com mais facilidade uma nova forma de se comunicar com a população, um sentimento que corresponde mais à expectativa das pessoas, juntando três aspectos: concepção liberal da economia, visão conservadora dos costumes e religiosidade. Dessa forma, conseguiu se sobrepor à visão de mundo que a esquerda oferece. O PT e o governo ainda não conseguiram enfrentar isso.

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Qual a consequência dessa nova correlação de forças para o governo Lula?

A principal lição que o governo Lula tem que tirar é a seguinte: a economia indo bem ajuda muito, mas não resolve mais. Além disso, o governo indo bem e tendo um grande tempo de TV (no horário eleitoral) também não resolve. (O ex-presidente) Bolsonaro (PL) já tinha mostrado em 2018 – e agora a candidatura do Pablo Marçal (PRTB) confirmou em São Paulo – que não basta ter um conjunto de partidos com um tempo grande de TV e de rádio. Então, esses dois elementos impõem ao governo ajustes para fazer com que em 2026 o presidente Lula chegue bem à reeleição.

O fenômeno Pablo Marçal preocupa o PT?

Preocupa o PT e deveria preocupar todos os democratas. Pablo Marçal é um perigo para o Brasil. A responsabilidade do governo e do PT aumenta na medida em que precisamos tirar da alçada de Marçal uma parte do centro.

Se o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, perder a eleição, a derrota será atribuída a Lula. O resultado na capital paulista não terá impacto em 2026?

Não há uma relação direta entre a eleição municipal e a nacional. Boulos é uma liderança ascendente, importante para a esquerda, e o momento era dele. Não foi só uma escolha do presidente. O PT não foi bem nas eleições municipais, mas Lula foi. Lula é muito maior do que o PT. O povo sabe que uma parte dos recursos que está chegando nas cidades é oriunda do governo federal. Mas, como eu disse, o governo precisa fazer ajustes urgentes.

Quando o sr. fala de ajustes urgentes, está se referindo à comunicação do governo?

A comunicação do governo é um problema. Eu não sei hoje, mas um tempo atrás eu vi que o presidente Lula tinha 13 milhões de seguidores, com um ano e seis meses de governo, e o Bolsonaro, com o mesmo tempo fora do governo, tinha o dobro. Como é que Bolsonaro sai, fica inelegível e tem o dobro de seguidores do Lula? A direita está hoje com mais problemas do que a esquerda, está dividida, tem brigas em público. E entrou um fenômeno na pauta sobre o qual o governo precisa se atentar, que é o Centrão.

Por quê?

Uma parte grande do Centrão está no governo. O PP, o União Brasil, o Republicanos, o PSD têm ministérios, mas não têm um compromisso para 2026 mais sólido. Precisamos consolidar essa banda do Centrão que dialoga com a gente para 2026.

De que forma?

Eu acho que o presidente da Câmara tem que ir para o governo. O ideal é Arthur Lira assumir um ministério em 2025 porque temos de trazer o Centrão para mais perto. E, nesse pacto, em particular na Câmara, os deputados Elmar Nascimento (União Brasil), Antônio Brito (PSD), Hugo Motta (Republicanos) e Marcos Pereira (Republicanos) precisam ter uma saída honrosa. Um deles (fora Pereira, que desistiu) vai ser presidente da Câmara a partir de fevereiro. E o que se faz com os outros? É quase um combo ali.

Uma parte grande do Centrão está no governo. O PP, o União Brasil, o Republicanos, o PSD têm ministérios, mas não têm um compromisso para 2026 mais sólido. Precisamos consolidar essa banda do Centrão que dialoga com a gente para 2026

João Paulo Cunha

O Centrão já está no governo, com vários ministérios e cargos. Isso não é um novo toma lá dá cá?

Não. O governo precisa discutir com esse grupo para ver como acomoda cada um. E também é necessário ter uma conversa mais profunda com (Gilberto) Kassab porque o PSD é um partido importante. Essa disputa não pode produzir derrotados.

Mas qual ministério Lira poderia ocupar? A Saúde? É isso que o grupo dele sempre quis...

Aí você tem de perguntar para o presidente Lula (risos).

Lira teve duros embates com o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e chegou a chamá-lo de ‘incompetente’. A entrada dele no governo não causaria embaraços?

Não vejo assim. O ministro Padilha cumpriu muito bem o seu papel. Todas as matérias importantes do governo foram aprovadas. Se Arthur Lira vier para o governo, vai sentir a situação do outro lado do balcão e pode ajudar muito o presidente Lula a dar estabilidade na relação com a Câmara. Ter os dois compondo o governo é exatamente a projeção daquilo que Lula diz: a união para fazer a Nação prosperar. Arthur seria a expressão do centro para uma aliança mais estratégica com Lula, em 2026. Eu acho que o presidente aponta o foguete para cima na segunda metade do mandato.

Nessa aliança com o Centrão para 2026, o vice não seria mais Geraldo Alckmin?

Não estou falando em mudança de vice. Longe disso. Estou me referindo às forças que devem compor o campo de apoio da chapa do presidente Lula em 2026.

Eu acho que há uma timidez nos programas sociais. São áreas que precisariam de um dinamismo maior porque a quantidade de coisas que o governo faz é impressionante e isso aparece pouco. O governo precisa tomar um chacoalhão

João Paulo Cunha

Lula precisa fazer uma reforma ministerial ou é algo só pontual?

Eu não sei se ele vai fazer a reforma ministerial ou não. A preocupação maior, nesse momento, é fazer com que o governo entenda os sinais que estão aparecendo na sociedade, perpassando pelas eleições municipais, para que possamos nos preparar para daqui a dois anos. Todo mundo sabe que há alguns problemas no governo que precisam ser corrigidos.

Quais?

Eu acho que há uma timidez nos programas sociais. São áreas que precisariam de um dinamismo maior porque a quantidade de coisas que o governo faz é impressionante e isso aparece pouco. O governo precisa tomar um chacoalhão.

O sr. apoia Hugo Motta para a sucessão de Lira na Câmara?

Eu apoio um acordo que possa formar uma grande maioria para o governo.

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou um pacote de medidas que limita os poderes de ministros do Supremo Tribunal Federal. O que o sr. acha dessa guerra contra o STF?

Veja, há algumas coisas ali que são razoáveis. Por que não se pode discutir que uma decisão monocrática de um ministro do STF não seja perene? Há hipóteses, por exemplo, de uma lei aprovada no Congresso por 480 deputados e 70 senadores. Aí um partido entra com representação de um senador, ou um deputado entra com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), e pede liminar. Um ministro dá liminar e suspende aquilo que foi aprovado pela maioria do Congresso. Eu tratei justamente desse tema das ADIs na minha tese de mestrado.

Mas isso tem dos dois lados. O STF decidiu que a data de promulgação da Constituição de 1988 não pode ser usada para demarcação das terras indígenas e o Congresso derrubou essa decisão.

O Congresso não pode, a partir de uma decisão do STF, correr lá e fazer uma lei ou uma emenda constitucional. Mas o Supremo também precisa tomar cuidado e ter autocontenção. Agora, eu sou contra a concepção de que é preciso guerrear, tirar poder do STF, e não creio que a tese de impeachment de ministros da Corte vá prosperar. Não acho que o Congresso embarcará numa aventura dessas.

O sr. vai ser candidato a deputado federal em 2026?

Não está no meu cenário. Mas, evidentemente, ainda tem muito chão pela frente.

Em 2013, o sr. foi condenado no processo do mensalão, depois passou a advogar, mas não se afastou da política. Agora, está escrevendo uma autobiografia. O sr. vai falar daquela época? Guarda alguma mágoa?

Vou abordar aquele período, sim. Foi um processo político, eu estava no centro do furacão e acabei sendo arrastado para ele. Mas eu sou muito crente de que a utopia e o sonho movem as pessoas. Então, eu fiz Direito, pós-graduação, mestrado, passei a advogar, estou trabalhando bastante e acompanho bem a política. Não guardo mágoa, não. Ao contrário: aquilo lá serviu de alavanca para que eu pudesse olhar para a frente.

BRASÍLIA – Integrante da “velha guarda” do PT, o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha atua cada vez mais nos bastidores da política. Um dos conselheiros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, João Paulo tem bom trânsito tanto no Palácio do Planalto quanto no Congresso e acha que o governo precisa se preparar para enfrentar o avanço da centro-direita. O caminho apontado por ele é bem pragmático: na sua avaliação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deve ser alçado à equipe de Lula.

“O ideal é Lira assumir um ministério em 2025 porque temos de trazer o Centrão para mais perto”, disse João Paulo ao Estadão. “Precisamos consolidar essa banda do Centrão que dialoga com a gente para a disputa de 2026.”

Alvejado pelo escândalo do mensalão, João Paulo terminou de estudar Direito quando ainda estava na prisão. Na Papuda, ele escreveu dois livros, sendo um de poesia. Alguns anos depois, sua banca de mestrado contou com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e também com Paulo Gonet, hoje procurador-geral da República.

Agora, o ex-deputado prepara uma autobiografia, na qual promete contar passagens da época em que comandou a Câmara, de 2003 a 2005, e, antes, o PT paulista. Mas faz suspense sobre seus apontamentos. Prefere falar sobre o livro que está lendo, com um nome sugestivo: “O homem inocente”, de John Grisham.

Para João Paulo, “o governo precisa tomar um chacoalhão” e o PT necessita se reformular logo após as eleições municipais. “O PT envelheceu muito rapidamente”, admitiu ele.

Por que o PT teve um desempenho tão ruim no primeiro turno das eleições, principalmente em São Paulo?

Em número de municípios o PT sempre ficou muito aquém dos partidos de centro. A diferença é que, em alguns períodos, o PT governou muitos eleitores. Governou São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, grandes cidades do interior paulista e do ABC. O que me espanta agora é que a crise do PT seja mais de representação. O partido carece, nesse momento, de capilaridade, de representação social. Efetivamente, deixamos muito a desejar nesse processo eleitoral.

E a que o sr. atribui essa falta de representação?

O PT envelheceu muito rapidamente, não conseguiu fazer o pacto geracional e sofre as consequências de uma mudança que nem todos captaram. É um fenômeno mundial.

Mas há muitas críticas de que o PT virou um partido burocrático, que não consegue renovar suas lideranças. Como mudar esse quadro?

Na minha visão, o PT precisa atualizar a leitura do capitalismo no Brasil, que mudou muito, e também suas bandeiras e propostas. É necessário ter a compreensão de como os trabalhadores hoje estão se organizando. O problema fundamental do PT e do governo tem sido atender aquela faixa que melhorou um pouco de vida, os chamados remediados. Nós precisamos rapidamente preparar propostas para eles. Os evangélicos também entram nessa faixa. Tem um livro muito interessante, chamado O Alfaiate de ULM, do Lucio Magri, que foi secretário-geral do Partido Comunista italiano. Era o maior partido do Ocidente, na década de 50, e rivalizava com a União Soviética. Mas a burocracia, a sua não-renovação e a sua não-atualização programática o levaram à morte. Hoje, não existe mais.

Isso pode acontecer com o PT?

Não necessariamente. Mas é um exemplo bom, que vale a pena a gente estudar.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, lê 'O Homem Inocente', de John Grisham, na varanda de sua casa: "Aquele processo serviu de alavanca para que eu pudesse olhar para a frente". Foto: Wilton Junior/Estadão

Mas por que o centro e a direita estão crescendo no Brasil a cada eleição?

A direita conseguiu captar com mais facilidade uma nova forma de se comunicar com a população, um sentimento que corresponde mais à expectativa das pessoas, juntando três aspectos: concepção liberal da economia, visão conservadora dos costumes e religiosidade. Dessa forma, conseguiu se sobrepor à visão de mundo que a esquerda oferece. O PT e o governo ainda não conseguiram enfrentar isso.

Qual a consequência dessa nova correlação de forças para o governo Lula?

A principal lição que o governo Lula tem que tirar é a seguinte: a economia indo bem ajuda muito, mas não resolve mais. Além disso, o governo indo bem e tendo um grande tempo de TV (no horário eleitoral) também não resolve. (O ex-presidente) Bolsonaro (PL) já tinha mostrado em 2018 – e agora a candidatura do Pablo Marçal (PRTB) confirmou em São Paulo – que não basta ter um conjunto de partidos com um tempo grande de TV e de rádio. Então, esses dois elementos impõem ao governo ajustes para fazer com que em 2026 o presidente Lula chegue bem à reeleição.

O fenômeno Pablo Marçal preocupa o PT?

Preocupa o PT e deveria preocupar todos os democratas. Pablo Marçal é um perigo para o Brasil. A responsabilidade do governo e do PT aumenta na medida em que precisamos tirar da alçada de Marçal uma parte do centro.

Se o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, perder a eleição, a derrota será atribuída a Lula. O resultado na capital paulista não terá impacto em 2026?

Não há uma relação direta entre a eleição municipal e a nacional. Boulos é uma liderança ascendente, importante para a esquerda, e o momento era dele. Não foi só uma escolha do presidente. O PT não foi bem nas eleições municipais, mas Lula foi. Lula é muito maior do que o PT. O povo sabe que uma parte dos recursos que está chegando nas cidades é oriunda do governo federal. Mas, como eu disse, o governo precisa fazer ajustes urgentes.

Quando o sr. fala de ajustes urgentes, está se referindo à comunicação do governo?

A comunicação do governo é um problema. Eu não sei hoje, mas um tempo atrás eu vi que o presidente Lula tinha 13 milhões de seguidores, com um ano e seis meses de governo, e o Bolsonaro, com o mesmo tempo fora do governo, tinha o dobro. Como é que Bolsonaro sai, fica inelegível e tem o dobro de seguidores do Lula? A direita está hoje com mais problemas do que a esquerda, está dividida, tem brigas em público. E entrou um fenômeno na pauta sobre o qual o governo precisa se atentar, que é o Centrão.

Por quê?

Uma parte grande do Centrão está no governo. O PP, o União Brasil, o Republicanos, o PSD têm ministérios, mas não têm um compromisso para 2026 mais sólido. Precisamos consolidar essa banda do Centrão que dialoga com a gente para 2026.

De que forma?

Eu acho que o presidente da Câmara tem que ir para o governo. O ideal é Arthur Lira assumir um ministério em 2025 porque temos de trazer o Centrão para mais perto. E, nesse pacto, em particular na Câmara, os deputados Elmar Nascimento (União Brasil), Antônio Brito (PSD), Hugo Motta (Republicanos) e Marcos Pereira (Republicanos) precisam ter uma saída honrosa. Um deles (fora Pereira, que desistiu) vai ser presidente da Câmara a partir de fevereiro. E o que se faz com os outros? É quase um combo ali.

Uma parte grande do Centrão está no governo. O PP, o União Brasil, o Republicanos, o PSD têm ministérios, mas não têm um compromisso para 2026 mais sólido. Precisamos consolidar essa banda do Centrão que dialoga com a gente para 2026

João Paulo Cunha

O Centrão já está no governo, com vários ministérios e cargos. Isso não é um novo toma lá dá cá?

Não. O governo precisa discutir com esse grupo para ver como acomoda cada um. E também é necessário ter uma conversa mais profunda com (Gilberto) Kassab porque o PSD é um partido importante. Essa disputa não pode produzir derrotados.

Mas qual ministério Lira poderia ocupar? A Saúde? É isso que o grupo dele sempre quis...

Aí você tem de perguntar para o presidente Lula (risos).

Lira teve duros embates com o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e chegou a chamá-lo de ‘incompetente’. A entrada dele no governo não causaria embaraços?

Não vejo assim. O ministro Padilha cumpriu muito bem o seu papel. Todas as matérias importantes do governo foram aprovadas. Se Arthur Lira vier para o governo, vai sentir a situação do outro lado do balcão e pode ajudar muito o presidente Lula a dar estabilidade na relação com a Câmara. Ter os dois compondo o governo é exatamente a projeção daquilo que Lula diz: a união para fazer a Nação prosperar. Arthur seria a expressão do centro para uma aliança mais estratégica com Lula, em 2026. Eu acho que o presidente aponta o foguete para cima na segunda metade do mandato.

Nessa aliança com o Centrão para 2026, o vice não seria mais Geraldo Alckmin?

Não estou falando em mudança de vice. Longe disso. Estou me referindo às forças que devem compor o campo de apoio da chapa do presidente Lula em 2026.

Eu acho que há uma timidez nos programas sociais. São áreas que precisariam de um dinamismo maior porque a quantidade de coisas que o governo faz é impressionante e isso aparece pouco. O governo precisa tomar um chacoalhão

João Paulo Cunha

Lula precisa fazer uma reforma ministerial ou é algo só pontual?

Eu não sei se ele vai fazer a reforma ministerial ou não. A preocupação maior, nesse momento, é fazer com que o governo entenda os sinais que estão aparecendo na sociedade, perpassando pelas eleições municipais, para que possamos nos preparar para daqui a dois anos. Todo mundo sabe que há alguns problemas no governo que precisam ser corrigidos.

Quais?

Eu acho que há uma timidez nos programas sociais. São áreas que precisariam de um dinamismo maior porque a quantidade de coisas que o governo faz é impressionante e isso aparece pouco. O governo precisa tomar um chacoalhão.

O sr. apoia Hugo Motta para a sucessão de Lira na Câmara?

Eu apoio um acordo que possa formar uma grande maioria para o governo.

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou um pacote de medidas que limita os poderes de ministros do Supremo Tribunal Federal. O que o sr. acha dessa guerra contra o STF?

Veja, há algumas coisas ali que são razoáveis. Por que não se pode discutir que uma decisão monocrática de um ministro do STF não seja perene? Há hipóteses, por exemplo, de uma lei aprovada no Congresso por 480 deputados e 70 senadores. Aí um partido entra com representação de um senador, ou um deputado entra com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), e pede liminar. Um ministro dá liminar e suspende aquilo que foi aprovado pela maioria do Congresso. Eu tratei justamente desse tema das ADIs na minha tese de mestrado.

Mas isso tem dos dois lados. O STF decidiu que a data de promulgação da Constituição de 1988 não pode ser usada para demarcação das terras indígenas e o Congresso derrubou essa decisão.

O Congresso não pode, a partir de uma decisão do STF, correr lá e fazer uma lei ou uma emenda constitucional. Mas o Supremo também precisa tomar cuidado e ter autocontenção. Agora, eu sou contra a concepção de que é preciso guerrear, tirar poder do STF, e não creio que a tese de impeachment de ministros da Corte vá prosperar. Não acho que o Congresso embarcará numa aventura dessas.

O sr. vai ser candidato a deputado federal em 2026?

Não está no meu cenário. Mas, evidentemente, ainda tem muito chão pela frente.

Em 2013, o sr. foi condenado no processo do mensalão, depois passou a advogar, mas não se afastou da política. Agora, está escrevendo uma autobiografia. O sr. vai falar daquela época? Guarda alguma mágoa?

Vou abordar aquele período, sim. Foi um processo político, eu estava no centro do furacão e acabei sendo arrastado para ele. Mas eu sou muito crente de que a utopia e o sonho movem as pessoas. Então, eu fiz Direito, pós-graduação, mestrado, passei a advogar, estou trabalhando bastante e acompanho bem a política. Não guardo mágoa, não. Ao contrário: aquilo lá serviu de alavanca para que eu pudesse olhar para a frente.

BRASÍLIA – Integrante da “velha guarda” do PT, o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha atua cada vez mais nos bastidores da política. Um dos conselheiros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, João Paulo tem bom trânsito tanto no Palácio do Planalto quanto no Congresso e acha que o governo precisa se preparar para enfrentar o avanço da centro-direita. O caminho apontado por ele é bem pragmático: na sua avaliação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deve ser alçado à equipe de Lula.

“O ideal é Lira assumir um ministério em 2025 porque temos de trazer o Centrão para mais perto”, disse João Paulo ao Estadão. “Precisamos consolidar essa banda do Centrão que dialoga com a gente para a disputa de 2026.”

Alvejado pelo escândalo do mensalão, João Paulo terminou de estudar Direito quando ainda estava na prisão. Na Papuda, ele escreveu dois livros, sendo um de poesia. Alguns anos depois, sua banca de mestrado contou com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e também com Paulo Gonet, hoje procurador-geral da República.

Agora, o ex-deputado prepara uma autobiografia, na qual promete contar passagens da época em que comandou a Câmara, de 2003 a 2005, e, antes, o PT paulista. Mas faz suspense sobre seus apontamentos. Prefere falar sobre o livro que está lendo, com um nome sugestivo: “O homem inocente”, de John Grisham.

Para João Paulo, “o governo precisa tomar um chacoalhão” e o PT necessita se reformular logo após as eleições municipais. “O PT envelheceu muito rapidamente”, admitiu ele.

Por que o PT teve um desempenho tão ruim no primeiro turno das eleições, principalmente em São Paulo?

Em número de municípios o PT sempre ficou muito aquém dos partidos de centro. A diferença é que, em alguns períodos, o PT governou muitos eleitores. Governou São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, grandes cidades do interior paulista e do ABC. O que me espanta agora é que a crise do PT seja mais de representação. O partido carece, nesse momento, de capilaridade, de representação social. Efetivamente, deixamos muito a desejar nesse processo eleitoral.

E a que o sr. atribui essa falta de representação?

O PT envelheceu muito rapidamente, não conseguiu fazer o pacto geracional e sofre as consequências de uma mudança que nem todos captaram. É um fenômeno mundial.

Mas há muitas críticas de que o PT virou um partido burocrático, que não consegue renovar suas lideranças. Como mudar esse quadro?

Na minha visão, o PT precisa atualizar a leitura do capitalismo no Brasil, que mudou muito, e também suas bandeiras e propostas. É necessário ter a compreensão de como os trabalhadores hoje estão se organizando. O problema fundamental do PT e do governo tem sido atender aquela faixa que melhorou um pouco de vida, os chamados remediados. Nós precisamos rapidamente preparar propostas para eles. Os evangélicos também entram nessa faixa. Tem um livro muito interessante, chamado O Alfaiate de ULM, do Lucio Magri, que foi secretário-geral do Partido Comunista italiano. Era o maior partido do Ocidente, na década de 50, e rivalizava com a União Soviética. Mas a burocracia, a sua não-renovação e a sua não-atualização programática o levaram à morte. Hoje, não existe mais.

Isso pode acontecer com o PT?

Não necessariamente. Mas é um exemplo bom, que vale a pena a gente estudar.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, lê 'O Homem Inocente', de John Grisham, na varanda de sua casa: "Aquele processo serviu de alavanca para que eu pudesse olhar para a frente". Foto: Wilton Junior/Estadão

Mas por que o centro e a direita estão crescendo no Brasil a cada eleição?

A direita conseguiu captar com mais facilidade uma nova forma de se comunicar com a população, um sentimento que corresponde mais à expectativa das pessoas, juntando três aspectos: concepção liberal da economia, visão conservadora dos costumes e religiosidade. Dessa forma, conseguiu se sobrepor à visão de mundo que a esquerda oferece. O PT e o governo ainda não conseguiram enfrentar isso.

Qual a consequência dessa nova correlação de forças para o governo Lula?

A principal lição que o governo Lula tem que tirar é a seguinte: a economia indo bem ajuda muito, mas não resolve mais. Além disso, o governo indo bem e tendo um grande tempo de TV (no horário eleitoral) também não resolve. (O ex-presidente) Bolsonaro (PL) já tinha mostrado em 2018 – e agora a candidatura do Pablo Marçal (PRTB) confirmou em São Paulo – que não basta ter um conjunto de partidos com um tempo grande de TV e de rádio. Então, esses dois elementos impõem ao governo ajustes para fazer com que em 2026 o presidente Lula chegue bem à reeleição.

O fenômeno Pablo Marçal preocupa o PT?

Preocupa o PT e deveria preocupar todos os democratas. Pablo Marçal é um perigo para o Brasil. A responsabilidade do governo e do PT aumenta na medida em que precisamos tirar da alçada de Marçal uma parte do centro.

Se o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, perder a eleição, a derrota será atribuída a Lula. O resultado na capital paulista não terá impacto em 2026?

Não há uma relação direta entre a eleição municipal e a nacional. Boulos é uma liderança ascendente, importante para a esquerda, e o momento era dele. Não foi só uma escolha do presidente. O PT não foi bem nas eleições municipais, mas Lula foi. Lula é muito maior do que o PT. O povo sabe que uma parte dos recursos que está chegando nas cidades é oriunda do governo federal. Mas, como eu disse, o governo precisa fazer ajustes urgentes.

Quando o sr. fala de ajustes urgentes, está se referindo à comunicação do governo?

A comunicação do governo é um problema. Eu não sei hoje, mas um tempo atrás eu vi que o presidente Lula tinha 13 milhões de seguidores, com um ano e seis meses de governo, e o Bolsonaro, com o mesmo tempo fora do governo, tinha o dobro. Como é que Bolsonaro sai, fica inelegível e tem o dobro de seguidores do Lula? A direita está hoje com mais problemas do que a esquerda, está dividida, tem brigas em público. E entrou um fenômeno na pauta sobre o qual o governo precisa se atentar, que é o Centrão.

Por quê?

Uma parte grande do Centrão está no governo. O PP, o União Brasil, o Republicanos, o PSD têm ministérios, mas não têm um compromisso para 2026 mais sólido. Precisamos consolidar essa banda do Centrão que dialoga com a gente para 2026.

De que forma?

Eu acho que o presidente da Câmara tem que ir para o governo. O ideal é Arthur Lira assumir um ministério em 2025 porque temos de trazer o Centrão para mais perto. E, nesse pacto, em particular na Câmara, os deputados Elmar Nascimento (União Brasil), Antônio Brito (PSD), Hugo Motta (Republicanos) e Marcos Pereira (Republicanos) precisam ter uma saída honrosa. Um deles (fora Pereira, que desistiu) vai ser presidente da Câmara a partir de fevereiro. E o que se faz com os outros? É quase um combo ali.

Uma parte grande do Centrão está no governo. O PP, o União Brasil, o Republicanos, o PSD têm ministérios, mas não têm um compromisso para 2026 mais sólido. Precisamos consolidar essa banda do Centrão que dialoga com a gente para 2026

João Paulo Cunha

O Centrão já está no governo, com vários ministérios e cargos. Isso não é um novo toma lá dá cá?

Não. O governo precisa discutir com esse grupo para ver como acomoda cada um. E também é necessário ter uma conversa mais profunda com (Gilberto) Kassab porque o PSD é um partido importante. Essa disputa não pode produzir derrotados.

Mas qual ministério Lira poderia ocupar? A Saúde? É isso que o grupo dele sempre quis...

Aí você tem de perguntar para o presidente Lula (risos).

Lira teve duros embates com o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e chegou a chamá-lo de ‘incompetente’. A entrada dele no governo não causaria embaraços?

Não vejo assim. O ministro Padilha cumpriu muito bem o seu papel. Todas as matérias importantes do governo foram aprovadas. Se Arthur Lira vier para o governo, vai sentir a situação do outro lado do balcão e pode ajudar muito o presidente Lula a dar estabilidade na relação com a Câmara. Ter os dois compondo o governo é exatamente a projeção daquilo que Lula diz: a união para fazer a Nação prosperar. Arthur seria a expressão do centro para uma aliança mais estratégica com Lula, em 2026. Eu acho que o presidente aponta o foguete para cima na segunda metade do mandato.

Nessa aliança com o Centrão para 2026, o vice não seria mais Geraldo Alckmin?

Não estou falando em mudança de vice. Longe disso. Estou me referindo às forças que devem compor o campo de apoio da chapa do presidente Lula em 2026.

Eu acho que há uma timidez nos programas sociais. São áreas que precisariam de um dinamismo maior porque a quantidade de coisas que o governo faz é impressionante e isso aparece pouco. O governo precisa tomar um chacoalhão

João Paulo Cunha

Lula precisa fazer uma reforma ministerial ou é algo só pontual?

Eu não sei se ele vai fazer a reforma ministerial ou não. A preocupação maior, nesse momento, é fazer com que o governo entenda os sinais que estão aparecendo na sociedade, perpassando pelas eleições municipais, para que possamos nos preparar para daqui a dois anos. Todo mundo sabe que há alguns problemas no governo que precisam ser corrigidos.

Quais?

Eu acho que há uma timidez nos programas sociais. São áreas que precisariam de um dinamismo maior porque a quantidade de coisas que o governo faz é impressionante e isso aparece pouco. O governo precisa tomar um chacoalhão.

O sr. apoia Hugo Motta para a sucessão de Lira na Câmara?

Eu apoio um acordo que possa formar uma grande maioria para o governo.

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou um pacote de medidas que limita os poderes de ministros do Supremo Tribunal Federal. O que o sr. acha dessa guerra contra o STF?

Veja, há algumas coisas ali que são razoáveis. Por que não se pode discutir que uma decisão monocrática de um ministro do STF não seja perene? Há hipóteses, por exemplo, de uma lei aprovada no Congresso por 480 deputados e 70 senadores. Aí um partido entra com representação de um senador, ou um deputado entra com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), e pede liminar. Um ministro dá liminar e suspende aquilo que foi aprovado pela maioria do Congresso. Eu tratei justamente desse tema das ADIs na minha tese de mestrado.

Mas isso tem dos dois lados. O STF decidiu que a data de promulgação da Constituição de 1988 não pode ser usada para demarcação das terras indígenas e o Congresso derrubou essa decisão.

O Congresso não pode, a partir de uma decisão do STF, correr lá e fazer uma lei ou uma emenda constitucional. Mas o Supremo também precisa tomar cuidado e ter autocontenção. Agora, eu sou contra a concepção de que é preciso guerrear, tirar poder do STF, e não creio que a tese de impeachment de ministros da Corte vá prosperar. Não acho que o Congresso embarcará numa aventura dessas.

O sr. vai ser candidato a deputado federal em 2026?

Não está no meu cenário. Mas, evidentemente, ainda tem muito chão pela frente.

Em 2013, o sr. foi condenado no processo do mensalão, depois passou a advogar, mas não se afastou da política. Agora, está escrevendo uma autobiografia. O sr. vai falar daquela época? Guarda alguma mágoa?

Vou abordar aquele período, sim. Foi um processo político, eu estava no centro do furacão e acabei sendo arrastado para ele. Mas eu sou muito crente de que a utopia e o sonho movem as pessoas. Então, eu fiz Direito, pós-graduação, mestrado, passei a advogar, estou trabalhando bastante e acompanho bem a política. Não guardo mágoa, não. Ao contrário: aquilo lá serviu de alavanca para que eu pudesse olhar para a frente.

Entrevista por Vera Rosa

Repórter especial do ‘Estadão’. Na Sucursal de Brasília desde 2003, sempre cobrindo Planalto e Congresso. É jornalista formada pela PUC-SP. Escreve às quartas-feiras

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