O que está em jogo na votação do PL 490 do marco temporal das terras indígenas; entenda


Projeto na pauta da Câmara opõe indigenistas e agronegócio; na Esplanada dos Ministérios, há divergência e ‘medo de confusão’

Por Isabella Alonso Panho
Atualização:

O PL 490/2007, conhecido como PL do Marco Temporal, está na pauta de votações do plenário da Câmara nesta terça-feira, 30. Na semana passada, a Casa aprovou regime de urgência para a tramitação do projeto, em uma tentativa de se antecipar à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), que prevê avaliar a constitucionalidade de uma data limite como “trava” para a demarcação de terras indígenas em julgamento no dia 7 de junho. A votação será outro desafio para a articulação política de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso e acirra a oposição entre agronegócio e ambientalistas. Um protesto de indígenas contra o marco chegou a fechar a Rodovia dos Bandeirantes no sentido SP na manhã desta terça.

Para o ex-ministro da Defesa na gestão Dilma Rousseff Aldo Rebelo, o governo Lula não tem unidade sobre o assunto. “Estive em Brasília, encontrei ministros e parlamentares. Senti preocupação da parte deles e que o governo está dividido”, disse. Questionado sobre o nome dos ministros com quem se reuniu, Rebelo respondeu que “foram encontros reservados”. Ele afirma que uma parte do governo “acha que isso (o PL do Marco Temporal) é uma porta aberta para uma confusão”.

Algumas dissidências na Esplanada já ficaram aparentes. Enquanto Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança no Clima) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas) são contra o PL, o ministro Carlos Fávaro (Agricultura) defendeu o marco temporal durante uma entrevista ao programa Roda Viva na segunda-feira passada, 22.

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Na avaliação de Aldo Rebelo, que foi ministro de Lula e Dilma, o governo está 'dividido' Foto: Felipe Rau/Estadão

A chamada tese do marco temporal é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição. Trata-se de uma linha de corte. Por esse entendimento, que é defendido por ruralistas, uma terra indígena só poderia ser demarcada se for comprovado que os indígenas estavam sobre a terra requerida na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nesta data ou chegasse depois deste dia, não teria direito a pedir sua demarcação.

A proposta desagrada a ambientalistas e defensores dos indígenas. De acordo com eles, a aprovação do PL poderia mudar o curso de pelo menos 303 pedidos em andamento, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que este tenha sido concluído. Essas terras somam 11 milhões de hectares (equivalente a 1,30% do território brasileiro), onde vivem cerca de 197 mil indígenas (0,20% da população do País).

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Protesto de indígenas bloqueia Rodovia dos Bandeirantes no sentido SP; tráfego já foi liberado Foto: WERTHER SANTANA

De acordo com monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA) com base em publicações feitas no Diário Oficial da União, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas.

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Uma das bandeiras levantadas pelos que são favoráveis ao marco é de que ele traz segurança jurídica para o agronegócio e os produtores rurais. “Muitos indígenas são nômades e mudam de localização. As áreas que foram, em um passado muito remoto, ocupadas por indígenas, mas abandonadas por eles, poderiam sofrer colonização por outras pessoas”, diz Paulo Sérgio Aguiar, vice-presidente da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa).

Ele cita como exemplos duas cidades do Mato Grosso – Campinápolis e Novo São Joaquim – que têm pedidos de demarcação de terras indígenas pendentes de decisão. Sobre o primeiro município, Aguiar afirma que haveria um pedido de demarcação de terras que estão dentro dos limites do município. “Se esse requerimento passar, dependendo do tamanho que tiver, vai inviabilizar a cidade; 50% vai virar terra indígena. Lá não tem indígenas. Eles estão em outras áreas, já homologadas.” As duas cidades foram fundadas nos anos 1960 e 1970, respectivamente, e eram habitadas por povos originários xavantes.

Lucas Beber, vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), compartilha da mesma perspectiva. Para ele, se o marco temporal não for aprovado, “seria um caos não só para a soja, mas um caos social total. Há famílias vivendo nessas terras, que podem ser afetadas”. Ele também cita uma cidade mato-grossense como exemplo. Segundo Beber, Sorriso poderia perder metade do seu território. “A Constituição já estabelece um marco temporal. Não significa que novas áreas não possam ser demarcadas, mas isso deve ser dentro do que prevê a Constituição”, afirma.

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Articulações em São Paulo

Em São Paulo, o secretário de Justiça e Cidadania, Fábio Prieto de Souza, enviou um ofício para o governador, Tarcísio de Fritas (Republicanos), com um apelo para que ele atue a favor da tese do marco temporal. “Nenhuma terra – urbana ou rural – estará a salvo da alegação de que, um dia, há séculos, terá sido ocupada por comunidades indígenas e, portanto, a propriedade não será mais dos brasileiros, mas da União que deve servi-los”, diz o documento.

O secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo, Fábio Prieto de Souza; ofício para o governador pede que ele atue a favor do marco temporal Foto: Gabriela Biló/Estadão
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O fundamento usado por Pietro é de que, quando foi juiz federal, esteve à frente de casos em que “cidadãos pediam usucapião de imóveis – na expressiva maioria dos casos, construções ou terrenos modestos” e “a União tentou intervir sob o argumento de que os imóveis estavam encravados em áreas vinculadas a antigos aldeamentos indígenas extintos, o que era – e é – exato”. Ele se refere ao gesto como uma manobra para que a União detenha a propriedade de terras sob o pretexto da demarcação.

STF retoma julgamento do PL do marco temporal

O julgamento do STF tem caráter de repercussão geral, ou seja, a decisão valerá para casos similares em todo o País. A decisão diz respeito a uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng. Eles requerem a demarcação da terra indígena Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas das etnias Guarani e Kaingang.

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O julgamento do marco temporal começou em agosto de 2021, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O placar está em 1 a 1.

O relator da ação é o ministro Edson Fachin, que se posionou contra a tese do marco temporal. Em seu voto, o ministro afirmou que “a data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas”.

Já o ministro Kassio Nunes Marques divergiu do relator e se manifestou pela aplicação do marco. Segundo ele, reconhecer pedidos de posse posteriores à data de promulgação da Constituição “implicaria o direito de expandi-las ilimitadamente para novas áreas já definitivamente incorporadas ao mercado imobiliário”.

O STF vai retomar o julgamento sobre a tese do marco temporal no dia 7 de junho. O retorno do tema à discussão no plenário foi anunciado em abril pela presidente da Corte, a ministra Rosa Weber. O processo tem sido chamado de “o julgamento do século” sobre as questões indígenas no País.

O PL 490/2007, conhecido como PL do Marco Temporal, está na pauta de votações do plenário da Câmara nesta terça-feira, 30. Na semana passada, a Casa aprovou regime de urgência para a tramitação do projeto, em uma tentativa de se antecipar à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), que prevê avaliar a constitucionalidade de uma data limite como “trava” para a demarcação de terras indígenas em julgamento no dia 7 de junho. A votação será outro desafio para a articulação política de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso e acirra a oposição entre agronegócio e ambientalistas. Um protesto de indígenas contra o marco chegou a fechar a Rodovia dos Bandeirantes no sentido SP na manhã desta terça.

Para o ex-ministro da Defesa na gestão Dilma Rousseff Aldo Rebelo, o governo Lula não tem unidade sobre o assunto. “Estive em Brasília, encontrei ministros e parlamentares. Senti preocupação da parte deles e que o governo está dividido”, disse. Questionado sobre o nome dos ministros com quem se reuniu, Rebelo respondeu que “foram encontros reservados”. Ele afirma que uma parte do governo “acha que isso (o PL do Marco Temporal) é uma porta aberta para uma confusão”.

Algumas dissidências na Esplanada já ficaram aparentes. Enquanto Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança no Clima) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas) são contra o PL, o ministro Carlos Fávaro (Agricultura) defendeu o marco temporal durante uma entrevista ao programa Roda Viva na segunda-feira passada, 22.

Na avaliação de Aldo Rebelo, que foi ministro de Lula e Dilma, o governo está 'dividido' Foto: Felipe Rau/Estadão

A chamada tese do marco temporal é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição. Trata-se de uma linha de corte. Por esse entendimento, que é defendido por ruralistas, uma terra indígena só poderia ser demarcada se for comprovado que os indígenas estavam sobre a terra requerida na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nesta data ou chegasse depois deste dia, não teria direito a pedir sua demarcação.

A proposta desagrada a ambientalistas e defensores dos indígenas. De acordo com eles, a aprovação do PL poderia mudar o curso de pelo menos 303 pedidos em andamento, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que este tenha sido concluído. Essas terras somam 11 milhões de hectares (equivalente a 1,30% do território brasileiro), onde vivem cerca de 197 mil indígenas (0,20% da população do País).

Protesto de indígenas bloqueia Rodovia dos Bandeirantes no sentido SP; tráfego já foi liberado Foto: WERTHER SANTANA

De acordo com monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA) com base em publicações feitas no Diário Oficial da União, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas.

Uma das bandeiras levantadas pelos que são favoráveis ao marco é de que ele traz segurança jurídica para o agronegócio e os produtores rurais. “Muitos indígenas são nômades e mudam de localização. As áreas que foram, em um passado muito remoto, ocupadas por indígenas, mas abandonadas por eles, poderiam sofrer colonização por outras pessoas”, diz Paulo Sérgio Aguiar, vice-presidente da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa).

Ele cita como exemplos duas cidades do Mato Grosso – Campinápolis e Novo São Joaquim – que têm pedidos de demarcação de terras indígenas pendentes de decisão. Sobre o primeiro município, Aguiar afirma que haveria um pedido de demarcação de terras que estão dentro dos limites do município. “Se esse requerimento passar, dependendo do tamanho que tiver, vai inviabilizar a cidade; 50% vai virar terra indígena. Lá não tem indígenas. Eles estão em outras áreas, já homologadas.” As duas cidades foram fundadas nos anos 1960 e 1970, respectivamente, e eram habitadas por povos originários xavantes.

Lucas Beber, vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), compartilha da mesma perspectiva. Para ele, se o marco temporal não for aprovado, “seria um caos não só para a soja, mas um caos social total. Há famílias vivendo nessas terras, que podem ser afetadas”. Ele também cita uma cidade mato-grossense como exemplo. Segundo Beber, Sorriso poderia perder metade do seu território. “A Constituição já estabelece um marco temporal. Não significa que novas áreas não possam ser demarcadas, mas isso deve ser dentro do que prevê a Constituição”, afirma.

Articulações em São Paulo

Em São Paulo, o secretário de Justiça e Cidadania, Fábio Prieto de Souza, enviou um ofício para o governador, Tarcísio de Fritas (Republicanos), com um apelo para que ele atue a favor da tese do marco temporal. “Nenhuma terra – urbana ou rural – estará a salvo da alegação de que, um dia, há séculos, terá sido ocupada por comunidades indígenas e, portanto, a propriedade não será mais dos brasileiros, mas da União que deve servi-los”, diz o documento.

O secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo, Fábio Prieto de Souza; ofício para o governador pede que ele atue a favor do marco temporal Foto: Gabriela Biló/Estadão

O fundamento usado por Pietro é de que, quando foi juiz federal, esteve à frente de casos em que “cidadãos pediam usucapião de imóveis – na expressiva maioria dos casos, construções ou terrenos modestos” e “a União tentou intervir sob o argumento de que os imóveis estavam encravados em áreas vinculadas a antigos aldeamentos indígenas extintos, o que era – e é – exato”. Ele se refere ao gesto como uma manobra para que a União detenha a propriedade de terras sob o pretexto da demarcação.

STF retoma julgamento do PL do marco temporal

O julgamento do STF tem caráter de repercussão geral, ou seja, a decisão valerá para casos similares em todo o País. A decisão diz respeito a uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng. Eles requerem a demarcação da terra indígena Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas das etnias Guarani e Kaingang.

O julgamento do marco temporal começou em agosto de 2021, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O placar está em 1 a 1.

O relator da ação é o ministro Edson Fachin, que se posionou contra a tese do marco temporal. Em seu voto, o ministro afirmou que “a data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas”.

Já o ministro Kassio Nunes Marques divergiu do relator e se manifestou pela aplicação do marco. Segundo ele, reconhecer pedidos de posse posteriores à data de promulgação da Constituição “implicaria o direito de expandi-las ilimitadamente para novas áreas já definitivamente incorporadas ao mercado imobiliário”.

O STF vai retomar o julgamento sobre a tese do marco temporal no dia 7 de junho. O retorno do tema à discussão no plenário foi anunciado em abril pela presidente da Corte, a ministra Rosa Weber. O processo tem sido chamado de “o julgamento do século” sobre as questões indígenas no País.

O PL 490/2007, conhecido como PL do Marco Temporal, está na pauta de votações do plenário da Câmara nesta terça-feira, 30. Na semana passada, a Casa aprovou regime de urgência para a tramitação do projeto, em uma tentativa de se antecipar à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), que prevê avaliar a constitucionalidade de uma data limite como “trava” para a demarcação de terras indígenas em julgamento no dia 7 de junho. A votação será outro desafio para a articulação política de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso e acirra a oposição entre agronegócio e ambientalistas. Um protesto de indígenas contra o marco chegou a fechar a Rodovia dos Bandeirantes no sentido SP na manhã desta terça.

Para o ex-ministro da Defesa na gestão Dilma Rousseff Aldo Rebelo, o governo Lula não tem unidade sobre o assunto. “Estive em Brasília, encontrei ministros e parlamentares. Senti preocupação da parte deles e que o governo está dividido”, disse. Questionado sobre o nome dos ministros com quem se reuniu, Rebelo respondeu que “foram encontros reservados”. Ele afirma que uma parte do governo “acha que isso (o PL do Marco Temporal) é uma porta aberta para uma confusão”.

Algumas dissidências na Esplanada já ficaram aparentes. Enquanto Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança no Clima) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas) são contra o PL, o ministro Carlos Fávaro (Agricultura) defendeu o marco temporal durante uma entrevista ao programa Roda Viva na segunda-feira passada, 22.

Na avaliação de Aldo Rebelo, que foi ministro de Lula e Dilma, o governo está 'dividido' Foto: Felipe Rau/Estadão

A chamada tese do marco temporal é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição. Trata-se de uma linha de corte. Por esse entendimento, que é defendido por ruralistas, uma terra indígena só poderia ser demarcada se for comprovado que os indígenas estavam sobre a terra requerida na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nesta data ou chegasse depois deste dia, não teria direito a pedir sua demarcação.

A proposta desagrada a ambientalistas e defensores dos indígenas. De acordo com eles, a aprovação do PL poderia mudar o curso de pelo menos 303 pedidos em andamento, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que este tenha sido concluído. Essas terras somam 11 milhões de hectares (equivalente a 1,30% do território brasileiro), onde vivem cerca de 197 mil indígenas (0,20% da população do País).

Protesto de indígenas bloqueia Rodovia dos Bandeirantes no sentido SP; tráfego já foi liberado Foto: WERTHER SANTANA

De acordo com monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA) com base em publicações feitas no Diário Oficial da União, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas.

Uma das bandeiras levantadas pelos que são favoráveis ao marco é de que ele traz segurança jurídica para o agronegócio e os produtores rurais. “Muitos indígenas são nômades e mudam de localização. As áreas que foram, em um passado muito remoto, ocupadas por indígenas, mas abandonadas por eles, poderiam sofrer colonização por outras pessoas”, diz Paulo Sérgio Aguiar, vice-presidente da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa).

Ele cita como exemplos duas cidades do Mato Grosso – Campinápolis e Novo São Joaquim – que têm pedidos de demarcação de terras indígenas pendentes de decisão. Sobre o primeiro município, Aguiar afirma que haveria um pedido de demarcação de terras que estão dentro dos limites do município. “Se esse requerimento passar, dependendo do tamanho que tiver, vai inviabilizar a cidade; 50% vai virar terra indígena. Lá não tem indígenas. Eles estão em outras áreas, já homologadas.” As duas cidades foram fundadas nos anos 1960 e 1970, respectivamente, e eram habitadas por povos originários xavantes.

Lucas Beber, vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), compartilha da mesma perspectiva. Para ele, se o marco temporal não for aprovado, “seria um caos não só para a soja, mas um caos social total. Há famílias vivendo nessas terras, que podem ser afetadas”. Ele também cita uma cidade mato-grossense como exemplo. Segundo Beber, Sorriso poderia perder metade do seu território. “A Constituição já estabelece um marco temporal. Não significa que novas áreas não possam ser demarcadas, mas isso deve ser dentro do que prevê a Constituição”, afirma.

Articulações em São Paulo

Em São Paulo, o secretário de Justiça e Cidadania, Fábio Prieto de Souza, enviou um ofício para o governador, Tarcísio de Fritas (Republicanos), com um apelo para que ele atue a favor da tese do marco temporal. “Nenhuma terra – urbana ou rural – estará a salvo da alegação de que, um dia, há séculos, terá sido ocupada por comunidades indígenas e, portanto, a propriedade não será mais dos brasileiros, mas da União que deve servi-los”, diz o documento.

O secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo, Fábio Prieto de Souza; ofício para o governador pede que ele atue a favor do marco temporal Foto: Gabriela Biló/Estadão

O fundamento usado por Pietro é de que, quando foi juiz federal, esteve à frente de casos em que “cidadãos pediam usucapião de imóveis – na expressiva maioria dos casos, construções ou terrenos modestos” e “a União tentou intervir sob o argumento de que os imóveis estavam encravados em áreas vinculadas a antigos aldeamentos indígenas extintos, o que era – e é – exato”. Ele se refere ao gesto como uma manobra para que a União detenha a propriedade de terras sob o pretexto da demarcação.

STF retoma julgamento do PL do marco temporal

O julgamento do STF tem caráter de repercussão geral, ou seja, a decisão valerá para casos similares em todo o País. A decisão diz respeito a uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng. Eles requerem a demarcação da terra indígena Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas das etnias Guarani e Kaingang.

O julgamento do marco temporal começou em agosto de 2021, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O placar está em 1 a 1.

O relator da ação é o ministro Edson Fachin, que se posionou contra a tese do marco temporal. Em seu voto, o ministro afirmou que “a data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas”.

Já o ministro Kassio Nunes Marques divergiu do relator e se manifestou pela aplicação do marco. Segundo ele, reconhecer pedidos de posse posteriores à data de promulgação da Constituição “implicaria o direito de expandi-las ilimitadamente para novas áreas já definitivamente incorporadas ao mercado imobiliário”.

O STF vai retomar o julgamento sobre a tese do marco temporal no dia 7 de junho. O retorno do tema à discussão no plenário foi anunciado em abril pela presidente da Corte, a ministra Rosa Weber. O processo tem sido chamado de “o julgamento do século” sobre as questões indígenas no País.

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