BRASÍLIA. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta colar no seu principal adversário na eleição deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL), a pecha de o candidato dos “100 anos de sigilo”. Repetiu isso no primeiro confronto direto entre os dois no debate promovido na noite de domingo, 28, pela TV Bandeirantes num pool e veículos de imprensa. Ainda não se sabe se o tema tem apelo eleitoral suficiente para tirar votos de Bolsonaro, mas ajuda a expor uma marca da atual gestão do Palácio do Planalto: o apego ao segredo de documentos oficiais.
Bolsonaro não inventou o sigilo de 100 anos. Ele é previsto na Lei de Acesso à Informação (LAI). Está expresso ali que informações pessoais estão protegidas e devem permanecer guardadas por um século. É o prazo mais longo de sigilo estabelecido pela legislação. A regra surgiu como uma salvaguarda para que cada cidadão tenha seus dados pessoais preservados da bisbilhotagem alheia. Também obrigou o Estado, que detém a informação, a guardá-la, sem direito à exposição pública. Ou seja, se você já foi operado no Sistema Único de Saúde (SUS), sua ficha médica não pode vir a público. Se declara ao imposto de renda que tem salário X, esse dado é somente seu e da Receita.
Mas isso tudo se aplica ao cidadão comum. É máxima de determinar ao Estado que tem amplos poderes que há um limite, e o limite é resguardar a vida pessoal de quem quer que seja.
A regra não inclui, ou não deveria incluir, autoridades públicas. Se um pastor visita às escondidas o Palácio do Planalto, isso não pode ser mantido em segredo. E por que não pode? Porque o prédio é público e o fluxo de pessoas ali costumava ser considerado um dado público, não sigiloso. Na gestão Bolsonaro, no entanto, tentou-ser fazer segredo disso alegando que era uma informação pessoal, e, portanto, protegida por 100 anos.
Outro caso notório é o do general Eduardo Pazuello, aquele que, sem autorização do Exército, participou de uma manifestação ao lado de Bolsonaro no Rio de Janeiro. Quem pediu acesso à investigação aberta pelo Comando da Força sobre a conduta do general - o código militar proíbe participação em eventos de caráter político - levou um “não”. O Exército alegou que era um dado pessoal e, portanto, protegido por 100 anos. Talvez nossos netos venham a saber o que se passou no Comando e quais foram os argumentos da defesa do general e ex-ministro da Saúde.
Para além do segredo centenário que a administração Bolsonaro vez ou outra alega para negar acesso a alguma informação, a gestão atual do Planalto tem indicadores que expõem que o sigilo ficou mais frequente nos últimos quatro anos. Dados oficiais mostram que cresceu a proporção de pedidos negados sob a alegação de que o documento solicitado está em sigilo.
Como mostrou o Estadão, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2021, 26,5% dos pedidos de informação negados pelo governo federal tiveram como justificativa a necessidade de sigilo da informação. A taxa é duas vezes a registrada na gestão da petista Dilma Rousseff e quatro pontos porcentuais maior do que a do governo Michel Temer (MDB).
Tudo indica que Lula e os seus devem continuar insistindo que Bolsonaro é o candidato dos 100 anos de sigilo. Bolsonaro poderá até fazer malabarismos verbais. Só não pode mais esconder que a transparência em seu governo é produto difícil de encontrar nas prateleiras.