O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é um dos alvos da operação da Polícia Federal (PF), deflagrada nesta quinta-feira, 8, que investiga a organização criminosa responsável por atuar em tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. Segundo a investigação, a partir de conversas no celular do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, Bolsonaro teria redigido e editado a “minuta do golpe” – documento para convocar novas eleições e prender o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, orquestrando um golpe de Estado.
Bolsonaro teve o passaporte apreendido pela Polícia Federal, conforme decisão de Moraes que autorizou a operação desta quinta. O ex-presidente também está proibido de manter contato com outros investigados na operação.
A PF trabalha com a tese de que havia dois eixos de atuação dos golpistas. Enquanto um era focado em construir e propagar uma narrativa falsa de que as eleições de 2022 foram fraudadas, batendo na tecla de que as urnas eletrônicas não eram confiáveis, outro eixo praticava atos concretos para subsidiar a abolição do Estado Democrático de Direito por meio de um golpe.
Na ciência política, um golpe de Estado pode ser definido como as mudanças no governo realizadas, necessariamente, por quem já está ocupando o poder político, com violações à Constituição e, normalmente, de forma violenta.
Relembre os casos em que Bolsonaro, em declarações a interlocutores, a apoiadores ou à imprensa, sugeriu ideias que poderiam ladrilhar o caminho até uma interrupção da democracia no País.
Minuta do golpe
A PF acredita que Bolsonaro teve participação direta na edição da minuta golpista que circulou entre seus aliados após o segundo turno das eleições. As investigações encontraram conversas no celular de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, que sugerem que Bolsonaro ajudou a redigir e editar o documento.
A minuta foi encontrada na casa do ex-ministro da Justiça e então secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres após os ataques do 8 de Janeiro.
Nas mensagens obtidas pela PF, Mauro Cid afirma que Bolsonaro “enxugou” o texto. “Fez um decreto muito mais resumido”, afirma o ajudante de ordens. “Algo muito mais direto, objetivo e curto, e limitado.”
Cid já havia dito em delação premiada que Bolsonaro se reuniu com os altos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, para discutir um plano golpista de como se manter no poder, após perder as eleições em outubro. Bolsonaro em diversas ocasiões negou o fato.
Em novembro do ano passado, ele disse que não participou de conversas golpistas e afirmou adotaria medidas judicias contra “manifestações caluniosas”. Segundo a defesa, Bolsonaro “jamais tomou qualquer atitude que afrontasse os limites e garantias estabelecidas pela Constituição e, via de efeito, o Estado Democrático de Direito”.
Antes, em junho, também afirmou não ter conhecimento sobre o documento encontrado na residência de Torres. “Papéis, eu recebia um monte. Então, é óbvio que não tem cabimento você dar golpe com respaldo da Constituição”, disse Bolsonaro.
Urnas eletrônicas
Como aponta a investigação da PF, o discurso de que o sistema eleitoral possuía vulnerabilidades começou a ser construído por Bolsonaro e seus apoiadores antes mesmo do pleito, e seguiu nos meses seguintes ao resultado de sua derrota nas urnas.
Um ano antes das eleições de 2022, enquanto ainda era presidente, ele reuniu pelo menos 70 diplomatas estrangeiros para repetir a tese de que o sistema eleitoral brasileiro é passível de fraudes. “Eu sou acusado o tempo todo de querer dar o golpe, mas estou questionando antes porque temos tempo ainda de resolver esse problema”, disse, na ocasião, quando sustentou que hackers teriam ficado por oito meses dentro dos computadores do TSE e tiveram acesso a uma senha de um ministro da Corte.
Pelo teor dessa reunião, o ex-presidente foi declarado inelegível até 2023 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Com provas, a Polícia Federal e o TSE já haviam desmentido as acusações de Bolsonaro um ano antes da reunião com os embaixadores. Também em 2021, o então presidente fez uma live em que apresentaria as ditas provas sobre fraudes no sistema eleitoral. Isso não ocorreu, e um ano depois o YouTube tirou o vídeo com as alegações falsas – e já desmentidas na época da transmissão – do ar.
7 de setembro
Durante os anos de mandato presidencial, Bolsonaro usou a data para demonstrar a força do bolsonarismo para o País e para o exterior. Em setembro de 2021, foi a manifestações antidemocráticas e chegou a afirmar que não obedeceria mais decisões de Moraes. Em discurso na Avenida Paulista, disse que só deixaria o cargo morto e que nunca seria preso.
No mesmo pronunciamento Bolsonaro repetiu informações falsas sobre insegurança das urnas eletrônicas. Na época, o discurso inflamado do presidente gerou uma crise institucional e, dias depois, ele recuou do tom adotado, divulgando uma nota em que chegou até mesmo a elogiar Moraes.
‘Preso, morto ou com a vitória’
Em agosto de 2021, ele afirmou em um encontro de líderes evangélicos em Goiás (GO), que só tinha três alternativas para o futuro: “Estar preso, ser morto ou a vitória”, em referência às eleições de 2022.
No mesmo discurso, o então chefe do Executivo fez críticas ao TSE e afirmou não desejar “rupturas”, mas disse que “tudo tem um limite”, defendeu o armamento da população e pediu auditoria das eleições.
‘Eleições limpas’
No mesmo mês, em outro evento em Goiás, Bolsonaro afirmou que “alguns” tentam mudar o regime democrático brasileiro. “Somos um povo livre e tudo faremos para que o povo continue livre, apesar da tentativa de alguns para mudar nosso regime. Nosso regime é o democrático”, disse. “Vou para o lado que vocês assim apontarem.”
O presidente repetiu que “poucas pessoas mandam muito no Brasil, mas nenhuma delas manda em tudo”, em referência indireta aos magistrados do STF. “Vou dizer a todos vocês que eleições limpas, democráticas e auditáveis são a garantia da nossa democracia”, disse Bolsonaro, criticando novamente o sistema eleitoral brasileiro, pelo qual ele e os filhos foram eleitos.
“Estão dizendo que quero dar golpe. São idiotas. Já sou presidente”, disse a apoiadores em agosto de 2021.