O que pode acontecer com Jair Bolsonaro se for indiciado por atos golpistas no 8 de janeiro


Decisão de abrir inquérito penal e ofertar denúncia contra o ex-presidente depende do aval dos órgãos que receberão o relatório; indiciamento do colegiado é simbólico

Por Isabella Alonso Panho
Atualização:

O relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, lido nesta terça-feira, 17, pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora do colegiado, pede que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 60 pessoas sejam indiciadas criminalmente. O texto ainda precisa ser aprovado pelos demais membros da CPMI e pode render novos processos para o ex-chefe do Executivo.

Relatório final foi lido pela senadora Eliziane Gama nesta terça, 17, e precisa ser votado pelos demais membros da Comissão Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O indiciamento, na linguagem do processo penal, é ato atribuído a autoridade policial que enquadra a conduta de pessoa em crime definido pelo Código Penal. Posteriormente, essa indicação de cometimento de crime precisa ser submetida ao Ministério Público, a quem cabe decidir pela proposição de ação penal contra o acusado. Por isso, o indiciamento sugerido pela CPMI é simbólico: o relatório dos trabalhos do grupo vai para as mãos dessas autoridades, que podem ou não formalizar a abertura de uma investigação.

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As conclusões do colegiado são de que Jair Bolsonaro é culpado da prática de quatro crimes: associação criminosa (equivalente à formação de quadrilha, na linguagem popular), violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. As penas máximas, somadas, chegam a 29 anos de prisão.

A previsão no relatório da CPMI é de que o documento seja enviado, junto com as provas públicas e sigilosas coletadas, para Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério Público Federal (MPF), Advocacia-Geral da União (AGU), Polícia Federal (PF), Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU).

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Apesar do indiciamento tratar de acusações criminais contra o ex-presidente, é possível que o documento da CPMI seja usado para responsabilizar Bolsonaro e os demais investigados do grupo de outras formas - cível e administrativamente, por exemplo. É o que pode vir das análises da AGU e do TCU, órgãos que têm essas competências.

Além de Bolsonaro, mais 59 pessoas foram indiciadas pelo relatório; seu antigo candidato a vice, general Braga Netto, está na lista Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Competência de investigar de Bolsonaro é da Polícia Federal, mas crimes são da Justiça Comum

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Os crimes apontados no relatório desta terça são de competência federal, porque teriam sido praticados no território nacional, enquanto Bolsonaro exercia a presidência. Por isso, cabe a órgãos federais – MPF e PF – analisarem as provas e decidirem o destino delas. Pela independência entre os poderes, o Legislativo, onde está a CPMI, não pode obrigar esses órgãos a abrirem investigações. O relatório funciona como uma denúncia mais elaborada e acompanhada de provas que podem ser aproveitadas pelas autoridades.

Como Bolsonaro já é investigado pelo 8 de Janeiro, as provas da CPMI também podem ser usadas para complementar a investigação em andamento  Foto: Pedro França/Agência Senado

Depois que receberem o relatório, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal podem ou não abrir novos inquéritos e devem decidir posteriormente se são necessárias outras provas. Existe a possibilidade desses órgãos também acolherem o relatório e ofertarem denúncia (pontapé inicial de um processo criminal), mas a hipótese é mais remota.

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Desde que deixou a presidência, os processos contra Bolsonaro desceram para a Justiça Comum, porque ele perdeu o foro pela prerrogativa de função. É o que aconteceu com o processo da Wal do Açaí, que investiga funcionários-fantasma no seu gabinete, e com as ações penais envolvendo a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

Os casos que permanecem sob a guarda do Supremo são exceções: ou porque envolvem autoridades com foro privilegiado (como a investigação sobre vazamento de dados sigilosos envolvendo os ministros da Corte), ou porque houve uma definição extraordinária de competência (como os casos do 8 de Janeiro).

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Se a PGR decidir oferecer denúncia criminal contra Bolsonaro pelos crimes apontados no relatório da CPMI do 8 de Janeiro, essas ações deverão correr na Justiça Federal. A entidade pode ingressar com uma ou várias ações penais, e tem autonomia para avaliar quais crimes eventualmente imputar ao ex-presidente. Ela pode tanto concordar com a CPMI quanto retirar ou incluir outros delitos nas suas avaliações.

Relatório da CPMI do 8 de Janeiro coloca nas costas Bolsonaro crimes cujas penas somadas chegam a 29 anos Foto: WILTON JUNIOR

Relatório pode embasar investigações em andamento

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Outra possibilidade é que o relatório da senadora Eliziane Gama seja desmembrado e sirva como prova de investigações que já estão em andamento. O 8 de Janeiro, por exemplo, já rendeu a Bolsonaro um inquérito conduzido pela Polícia Federal e sob a guarda do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, responsável por autorizar prisões preventivas e autorizar diligências.

Essa investigação é sigilosa no núcleo que envolve autoridades. No entanto, os primeiros acusados que já foram sentenciados no STF responderam por três dos quatro crimes que também são imputados a Bolsonaro no relatório - associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Bolsonaro já foi alvo de indiciamentos mais duros vindos de CPI

Em outubro de 2021, Bolsonaro foi alvo de outro indiciamento mais severo que o desta terça. Na época, a CPI da Covid aprovou um relatório, elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), que sugeria a responsabilização do ex-presidentes por sete crimes do Código Penal, por infrações administrativas e por crimes contra a humanidade (apreciados no Tribunal Penal Internacional). Somadas, as penas chegavam a 38 anos e nove meses.

O parecer foi para as mãos do ex-procurador-geral da República Augusto Aras, indicado duas vezes por Bolsonaro para o cargo. Ele segurou o relatório por meses, sem encaminhá-lo, e em julho de 2022 a vice-subprocuradora, Lindôra Araújo, pediu que 25 investigações contra Bolsonaro e seus apoiadores, vindas da CPI da Covid, fossem arquivadas.

Na CPI da Covid, Bolsonaro sofreu um indiciamento mais duro, mas teve o apoio de Augusto Aras; PGR arquivou todas as investigações vindas do relatório elaborado por Renan Calheiros Foto: Dida Sampaio / Estadão

Destino é incerto pela vacância da PGR

Com a saída de Aras da PGR, Bolsonaro pode não ter a mesma sorte. O ex-procurador tentou se aproximar do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atrás de um terceiro mandato, mas não obteve a indicação do presidente. Por ora, sabe-se que a lista tríplice da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) não será usada.

Além disso, o contexto político é outro: fora da presidência, o cerco tem se fechado em torno do clã Bolsonaro. O ex-presidente é investigado no caso das joias sauditas, pela fraude em cartões de vacinação seu e de sua filha e tem perdido o apoio de correligionários. Em junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o declarou inelegível. Ao lado de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, Bolsonaro tenta articular candidatos e manter sua influência nas eleições de 2024.

O relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, lido nesta terça-feira, 17, pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora do colegiado, pede que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 60 pessoas sejam indiciadas criminalmente. O texto ainda precisa ser aprovado pelos demais membros da CPMI e pode render novos processos para o ex-chefe do Executivo.

Relatório final foi lido pela senadora Eliziane Gama nesta terça, 17, e precisa ser votado pelos demais membros da Comissão Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O indiciamento, na linguagem do processo penal, é ato atribuído a autoridade policial que enquadra a conduta de pessoa em crime definido pelo Código Penal. Posteriormente, essa indicação de cometimento de crime precisa ser submetida ao Ministério Público, a quem cabe decidir pela proposição de ação penal contra o acusado. Por isso, o indiciamento sugerido pela CPMI é simbólico: o relatório dos trabalhos do grupo vai para as mãos dessas autoridades, que podem ou não formalizar a abertura de uma investigação.

As conclusões do colegiado são de que Jair Bolsonaro é culpado da prática de quatro crimes: associação criminosa (equivalente à formação de quadrilha, na linguagem popular), violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. As penas máximas, somadas, chegam a 29 anos de prisão.

A previsão no relatório da CPMI é de que o documento seja enviado, junto com as provas públicas e sigilosas coletadas, para Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério Público Federal (MPF), Advocacia-Geral da União (AGU), Polícia Federal (PF), Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU).

Apesar do indiciamento tratar de acusações criminais contra o ex-presidente, é possível que o documento da CPMI seja usado para responsabilizar Bolsonaro e os demais investigados do grupo de outras formas - cível e administrativamente, por exemplo. É o que pode vir das análises da AGU e do TCU, órgãos que têm essas competências.

Além de Bolsonaro, mais 59 pessoas foram indiciadas pelo relatório; seu antigo candidato a vice, general Braga Netto, está na lista Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Competência de investigar de Bolsonaro é da Polícia Federal, mas crimes são da Justiça Comum

Os crimes apontados no relatório desta terça são de competência federal, porque teriam sido praticados no território nacional, enquanto Bolsonaro exercia a presidência. Por isso, cabe a órgãos federais – MPF e PF – analisarem as provas e decidirem o destino delas. Pela independência entre os poderes, o Legislativo, onde está a CPMI, não pode obrigar esses órgãos a abrirem investigações. O relatório funciona como uma denúncia mais elaborada e acompanhada de provas que podem ser aproveitadas pelas autoridades.

Como Bolsonaro já é investigado pelo 8 de Janeiro, as provas da CPMI também podem ser usadas para complementar a investigação em andamento  Foto: Pedro França/Agência Senado

Depois que receberem o relatório, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal podem ou não abrir novos inquéritos e devem decidir posteriormente se são necessárias outras provas. Existe a possibilidade desses órgãos também acolherem o relatório e ofertarem denúncia (pontapé inicial de um processo criminal), mas a hipótese é mais remota.

Desde que deixou a presidência, os processos contra Bolsonaro desceram para a Justiça Comum, porque ele perdeu o foro pela prerrogativa de função. É o que aconteceu com o processo da Wal do Açaí, que investiga funcionários-fantasma no seu gabinete, e com as ações penais envolvendo a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

Os casos que permanecem sob a guarda do Supremo são exceções: ou porque envolvem autoridades com foro privilegiado (como a investigação sobre vazamento de dados sigilosos envolvendo os ministros da Corte), ou porque houve uma definição extraordinária de competência (como os casos do 8 de Janeiro).

Se a PGR decidir oferecer denúncia criminal contra Bolsonaro pelos crimes apontados no relatório da CPMI do 8 de Janeiro, essas ações deverão correr na Justiça Federal. A entidade pode ingressar com uma ou várias ações penais, e tem autonomia para avaliar quais crimes eventualmente imputar ao ex-presidente. Ela pode tanto concordar com a CPMI quanto retirar ou incluir outros delitos nas suas avaliações.

Relatório da CPMI do 8 de Janeiro coloca nas costas Bolsonaro crimes cujas penas somadas chegam a 29 anos Foto: WILTON JUNIOR

Relatório pode embasar investigações em andamento

Outra possibilidade é que o relatório da senadora Eliziane Gama seja desmembrado e sirva como prova de investigações que já estão em andamento. O 8 de Janeiro, por exemplo, já rendeu a Bolsonaro um inquérito conduzido pela Polícia Federal e sob a guarda do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, responsável por autorizar prisões preventivas e autorizar diligências.

Essa investigação é sigilosa no núcleo que envolve autoridades. No entanto, os primeiros acusados que já foram sentenciados no STF responderam por três dos quatro crimes que também são imputados a Bolsonaro no relatório - associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Bolsonaro já foi alvo de indiciamentos mais duros vindos de CPI

Em outubro de 2021, Bolsonaro foi alvo de outro indiciamento mais severo que o desta terça. Na época, a CPI da Covid aprovou um relatório, elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), que sugeria a responsabilização do ex-presidentes por sete crimes do Código Penal, por infrações administrativas e por crimes contra a humanidade (apreciados no Tribunal Penal Internacional). Somadas, as penas chegavam a 38 anos e nove meses.

O parecer foi para as mãos do ex-procurador-geral da República Augusto Aras, indicado duas vezes por Bolsonaro para o cargo. Ele segurou o relatório por meses, sem encaminhá-lo, e em julho de 2022 a vice-subprocuradora, Lindôra Araújo, pediu que 25 investigações contra Bolsonaro e seus apoiadores, vindas da CPI da Covid, fossem arquivadas.

Na CPI da Covid, Bolsonaro sofreu um indiciamento mais duro, mas teve o apoio de Augusto Aras; PGR arquivou todas as investigações vindas do relatório elaborado por Renan Calheiros Foto: Dida Sampaio / Estadão

Destino é incerto pela vacância da PGR

Com a saída de Aras da PGR, Bolsonaro pode não ter a mesma sorte. O ex-procurador tentou se aproximar do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atrás de um terceiro mandato, mas não obteve a indicação do presidente. Por ora, sabe-se que a lista tríplice da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) não será usada.

Além disso, o contexto político é outro: fora da presidência, o cerco tem se fechado em torno do clã Bolsonaro. O ex-presidente é investigado no caso das joias sauditas, pela fraude em cartões de vacinação seu e de sua filha e tem perdido o apoio de correligionários. Em junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o declarou inelegível. Ao lado de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, Bolsonaro tenta articular candidatos e manter sua influência nas eleições de 2024.

O relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, lido nesta terça-feira, 17, pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora do colegiado, pede que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 60 pessoas sejam indiciadas criminalmente. O texto ainda precisa ser aprovado pelos demais membros da CPMI e pode render novos processos para o ex-chefe do Executivo.

Relatório final foi lido pela senadora Eliziane Gama nesta terça, 17, e precisa ser votado pelos demais membros da Comissão Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O indiciamento, na linguagem do processo penal, é ato atribuído a autoridade policial que enquadra a conduta de pessoa em crime definido pelo Código Penal. Posteriormente, essa indicação de cometimento de crime precisa ser submetida ao Ministério Público, a quem cabe decidir pela proposição de ação penal contra o acusado. Por isso, o indiciamento sugerido pela CPMI é simbólico: o relatório dos trabalhos do grupo vai para as mãos dessas autoridades, que podem ou não formalizar a abertura de uma investigação.

As conclusões do colegiado são de que Jair Bolsonaro é culpado da prática de quatro crimes: associação criminosa (equivalente à formação de quadrilha, na linguagem popular), violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. As penas máximas, somadas, chegam a 29 anos de prisão.

A previsão no relatório da CPMI é de que o documento seja enviado, junto com as provas públicas e sigilosas coletadas, para Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério Público Federal (MPF), Advocacia-Geral da União (AGU), Polícia Federal (PF), Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU).

Apesar do indiciamento tratar de acusações criminais contra o ex-presidente, é possível que o documento da CPMI seja usado para responsabilizar Bolsonaro e os demais investigados do grupo de outras formas - cível e administrativamente, por exemplo. É o que pode vir das análises da AGU e do TCU, órgãos que têm essas competências.

Além de Bolsonaro, mais 59 pessoas foram indiciadas pelo relatório; seu antigo candidato a vice, general Braga Netto, está na lista Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Competência de investigar de Bolsonaro é da Polícia Federal, mas crimes são da Justiça Comum

Os crimes apontados no relatório desta terça são de competência federal, porque teriam sido praticados no território nacional, enquanto Bolsonaro exercia a presidência. Por isso, cabe a órgãos federais – MPF e PF – analisarem as provas e decidirem o destino delas. Pela independência entre os poderes, o Legislativo, onde está a CPMI, não pode obrigar esses órgãos a abrirem investigações. O relatório funciona como uma denúncia mais elaborada e acompanhada de provas que podem ser aproveitadas pelas autoridades.

Como Bolsonaro já é investigado pelo 8 de Janeiro, as provas da CPMI também podem ser usadas para complementar a investigação em andamento  Foto: Pedro França/Agência Senado

Depois que receberem o relatório, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal podem ou não abrir novos inquéritos e devem decidir posteriormente se são necessárias outras provas. Existe a possibilidade desses órgãos também acolherem o relatório e ofertarem denúncia (pontapé inicial de um processo criminal), mas a hipótese é mais remota.

Desde que deixou a presidência, os processos contra Bolsonaro desceram para a Justiça Comum, porque ele perdeu o foro pela prerrogativa de função. É o que aconteceu com o processo da Wal do Açaí, que investiga funcionários-fantasma no seu gabinete, e com as ações penais envolvendo a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

Os casos que permanecem sob a guarda do Supremo são exceções: ou porque envolvem autoridades com foro privilegiado (como a investigação sobre vazamento de dados sigilosos envolvendo os ministros da Corte), ou porque houve uma definição extraordinária de competência (como os casos do 8 de Janeiro).

Se a PGR decidir oferecer denúncia criminal contra Bolsonaro pelos crimes apontados no relatório da CPMI do 8 de Janeiro, essas ações deverão correr na Justiça Federal. A entidade pode ingressar com uma ou várias ações penais, e tem autonomia para avaliar quais crimes eventualmente imputar ao ex-presidente. Ela pode tanto concordar com a CPMI quanto retirar ou incluir outros delitos nas suas avaliações.

Relatório da CPMI do 8 de Janeiro coloca nas costas Bolsonaro crimes cujas penas somadas chegam a 29 anos Foto: WILTON JUNIOR

Relatório pode embasar investigações em andamento

Outra possibilidade é que o relatório da senadora Eliziane Gama seja desmembrado e sirva como prova de investigações que já estão em andamento. O 8 de Janeiro, por exemplo, já rendeu a Bolsonaro um inquérito conduzido pela Polícia Federal e sob a guarda do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, responsável por autorizar prisões preventivas e autorizar diligências.

Essa investigação é sigilosa no núcleo que envolve autoridades. No entanto, os primeiros acusados que já foram sentenciados no STF responderam por três dos quatro crimes que também são imputados a Bolsonaro no relatório - associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Bolsonaro já foi alvo de indiciamentos mais duros vindos de CPI

Em outubro de 2021, Bolsonaro foi alvo de outro indiciamento mais severo que o desta terça. Na época, a CPI da Covid aprovou um relatório, elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), que sugeria a responsabilização do ex-presidentes por sete crimes do Código Penal, por infrações administrativas e por crimes contra a humanidade (apreciados no Tribunal Penal Internacional). Somadas, as penas chegavam a 38 anos e nove meses.

O parecer foi para as mãos do ex-procurador-geral da República Augusto Aras, indicado duas vezes por Bolsonaro para o cargo. Ele segurou o relatório por meses, sem encaminhá-lo, e em julho de 2022 a vice-subprocuradora, Lindôra Araújo, pediu que 25 investigações contra Bolsonaro e seus apoiadores, vindas da CPI da Covid, fossem arquivadas.

Na CPI da Covid, Bolsonaro sofreu um indiciamento mais duro, mas teve o apoio de Augusto Aras; PGR arquivou todas as investigações vindas do relatório elaborado por Renan Calheiros Foto: Dida Sampaio / Estadão

Destino é incerto pela vacância da PGR

Com a saída de Aras da PGR, Bolsonaro pode não ter a mesma sorte. O ex-procurador tentou se aproximar do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atrás de um terceiro mandato, mas não obteve a indicação do presidente. Por ora, sabe-se que a lista tríplice da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) não será usada.

Além disso, o contexto político é outro: fora da presidência, o cerco tem se fechado em torno do clã Bolsonaro. O ex-presidente é investigado no caso das joias sauditas, pela fraude em cartões de vacinação seu e de sua filha e tem perdido o apoio de correligionários. Em junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o declarou inelegível. Ao lado de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, Bolsonaro tenta articular candidatos e manter sua influência nas eleições de 2024.

O relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, lido nesta terça-feira, 17, pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora do colegiado, pede que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 60 pessoas sejam indiciadas criminalmente. O texto ainda precisa ser aprovado pelos demais membros da CPMI e pode render novos processos para o ex-chefe do Executivo.

Relatório final foi lido pela senadora Eliziane Gama nesta terça, 17, e precisa ser votado pelos demais membros da Comissão Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O indiciamento, na linguagem do processo penal, é ato atribuído a autoridade policial que enquadra a conduta de pessoa em crime definido pelo Código Penal. Posteriormente, essa indicação de cometimento de crime precisa ser submetida ao Ministério Público, a quem cabe decidir pela proposição de ação penal contra o acusado. Por isso, o indiciamento sugerido pela CPMI é simbólico: o relatório dos trabalhos do grupo vai para as mãos dessas autoridades, que podem ou não formalizar a abertura de uma investigação.

As conclusões do colegiado são de que Jair Bolsonaro é culpado da prática de quatro crimes: associação criminosa (equivalente à formação de quadrilha, na linguagem popular), violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. As penas máximas, somadas, chegam a 29 anos de prisão.

A previsão no relatório da CPMI é de que o documento seja enviado, junto com as provas públicas e sigilosas coletadas, para Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério Público Federal (MPF), Advocacia-Geral da União (AGU), Polícia Federal (PF), Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU).

Apesar do indiciamento tratar de acusações criminais contra o ex-presidente, é possível que o documento da CPMI seja usado para responsabilizar Bolsonaro e os demais investigados do grupo de outras formas - cível e administrativamente, por exemplo. É o que pode vir das análises da AGU e do TCU, órgãos que têm essas competências.

Além de Bolsonaro, mais 59 pessoas foram indiciadas pelo relatório; seu antigo candidato a vice, general Braga Netto, está na lista Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Competência de investigar de Bolsonaro é da Polícia Federal, mas crimes são da Justiça Comum

Os crimes apontados no relatório desta terça são de competência federal, porque teriam sido praticados no território nacional, enquanto Bolsonaro exercia a presidência. Por isso, cabe a órgãos federais – MPF e PF – analisarem as provas e decidirem o destino delas. Pela independência entre os poderes, o Legislativo, onde está a CPMI, não pode obrigar esses órgãos a abrirem investigações. O relatório funciona como uma denúncia mais elaborada e acompanhada de provas que podem ser aproveitadas pelas autoridades.

Como Bolsonaro já é investigado pelo 8 de Janeiro, as provas da CPMI também podem ser usadas para complementar a investigação em andamento  Foto: Pedro França/Agência Senado

Depois que receberem o relatório, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal podem ou não abrir novos inquéritos e devem decidir posteriormente se são necessárias outras provas. Existe a possibilidade desses órgãos também acolherem o relatório e ofertarem denúncia (pontapé inicial de um processo criminal), mas a hipótese é mais remota.

Desde que deixou a presidência, os processos contra Bolsonaro desceram para a Justiça Comum, porque ele perdeu o foro pela prerrogativa de função. É o que aconteceu com o processo da Wal do Açaí, que investiga funcionários-fantasma no seu gabinete, e com as ações penais envolvendo a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

Os casos que permanecem sob a guarda do Supremo são exceções: ou porque envolvem autoridades com foro privilegiado (como a investigação sobre vazamento de dados sigilosos envolvendo os ministros da Corte), ou porque houve uma definição extraordinária de competência (como os casos do 8 de Janeiro).

Se a PGR decidir oferecer denúncia criminal contra Bolsonaro pelos crimes apontados no relatório da CPMI do 8 de Janeiro, essas ações deverão correr na Justiça Federal. A entidade pode ingressar com uma ou várias ações penais, e tem autonomia para avaliar quais crimes eventualmente imputar ao ex-presidente. Ela pode tanto concordar com a CPMI quanto retirar ou incluir outros delitos nas suas avaliações.

Relatório da CPMI do 8 de Janeiro coloca nas costas Bolsonaro crimes cujas penas somadas chegam a 29 anos Foto: WILTON JUNIOR

Relatório pode embasar investigações em andamento

Outra possibilidade é que o relatório da senadora Eliziane Gama seja desmembrado e sirva como prova de investigações que já estão em andamento. O 8 de Janeiro, por exemplo, já rendeu a Bolsonaro um inquérito conduzido pela Polícia Federal e sob a guarda do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, responsável por autorizar prisões preventivas e autorizar diligências.

Essa investigação é sigilosa no núcleo que envolve autoridades. No entanto, os primeiros acusados que já foram sentenciados no STF responderam por três dos quatro crimes que também são imputados a Bolsonaro no relatório - associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Bolsonaro já foi alvo de indiciamentos mais duros vindos de CPI

Em outubro de 2021, Bolsonaro foi alvo de outro indiciamento mais severo que o desta terça. Na época, a CPI da Covid aprovou um relatório, elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), que sugeria a responsabilização do ex-presidentes por sete crimes do Código Penal, por infrações administrativas e por crimes contra a humanidade (apreciados no Tribunal Penal Internacional). Somadas, as penas chegavam a 38 anos e nove meses.

O parecer foi para as mãos do ex-procurador-geral da República Augusto Aras, indicado duas vezes por Bolsonaro para o cargo. Ele segurou o relatório por meses, sem encaminhá-lo, e em julho de 2022 a vice-subprocuradora, Lindôra Araújo, pediu que 25 investigações contra Bolsonaro e seus apoiadores, vindas da CPI da Covid, fossem arquivadas.

Na CPI da Covid, Bolsonaro sofreu um indiciamento mais duro, mas teve o apoio de Augusto Aras; PGR arquivou todas as investigações vindas do relatório elaborado por Renan Calheiros Foto: Dida Sampaio / Estadão

Destino é incerto pela vacância da PGR

Com a saída de Aras da PGR, Bolsonaro pode não ter a mesma sorte. O ex-procurador tentou se aproximar do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atrás de um terceiro mandato, mas não obteve a indicação do presidente. Por ora, sabe-se que a lista tríplice da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) não será usada.

Além disso, o contexto político é outro: fora da presidência, o cerco tem se fechado em torno do clã Bolsonaro. O ex-presidente é investigado no caso das joias sauditas, pela fraude em cartões de vacinação seu e de sua filha e tem perdido o apoio de correligionários. Em junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o declarou inelegível. Ao lado de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, Bolsonaro tenta articular candidatos e manter sua influência nas eleições de 2024.

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