BRASÍLIA – Era fevereiro de 2016 e fazia um calor inacreditável dentro do Presídio de Segurança Máxima II de Viana, na região metropolitana de Vitória (ES). Ao tomar assento na mesa dos prisioneiros, Ricardo Lewandowski enxugava o suor com um lenço. Ele ouviu atentamente três deles antes de entregar um alvará para cada. Era o lançamento de um projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que tinha por meta reduzir a superlotação carcerária, reconhecer direitos e levar dignidade a presidiários.
A simbólica presença de Lewandowski nas dependências do perigoso complexo penitenciário capixaba e outros marcos da atuação dele como presidente do CNJ, entre 2014 e 2016, revelam premissas da atuação do novo escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para comandar o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Lula anunciou nesta quinta-feira, 11, que Lewandowski assumirá em 1º de fevereiro.
O combate a organizações criminosas, um dos maiores desafios de Lewandowski na pasta, passa obrigatoriamente pelo enfrentamento dos problemas das penitenciárias, segundo especialistas.
“O sistema penitenciário sempre vai ser um grande tema e vai ser enfrentado pelo novo ministro. É um tema que ele desenvolve há muito tempo. E a questão do antirracismo deve permear todas as políticas relacionadas ao debate do sistema penitenciário”, afirmou Benedito Mariano, secretário de Segurança da Prefeitura de Diadema e um dos cotados para a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
Com o projeto “Cidadania nos Presídios”, lançado há oito anos, a preocupação de Lewandowski era aproximar juízes e sociedade dos encarcerados para “humanizar” o sistema de justiça. O plano, entre outras coisas, buscava e reconhecia direitos de presos para progressões de regime e ainda oferecia uma estrutura que pudesse apoiar detentos recém-saídos das prisões.
“O cidadão que está preso continua sendo um cidadão, com todos os direitos que a Constituição garante, sobretudo, integridade física e moral. O preso precisa ser tratado com dignidade, como qualquer pessoa”, disse à época. “Estamos dando esperança aos que estão isolados.”
O projeto era um complemento de outra iniciativa desenvolvida na gestão de Lewandowski no CNJ a partir de 2015. As audiências de custódia consistem na apresentação a um juiz, no prazo máximo de até 24 horas, das pessoas presas em flagrante. O magistrado verifica as condições da prisão e decide se o flagrante deve ser convertido em prisão preventiva ou não.
A iniciativa rendeu a Ricardo Lewandowski o Prêmio Direitos Humanos 2015, na categoria Prevenção e Combate à Tortura. A homenagem foi entregue pela então presidente Dilma Rousseff (PT), em cerimônia no Palácio do Planalto.
“É algo que dignifica nosso país, que mostra como as nossas instituições estão vivas e como esse é um processo de fortalecimento e garantia das relações fundamentais dos indivíduos com a Justiça”, disse a então presidente. Em maio de 2016, cinco meses depois de ser laureado por Dilma, Lewandowski assumiria a presidência do processo de impeachment da petista no Congresso.
Embora fossem projetos que reorganizaram o funcionamento da Execução Penal e do Judiciário, as iniciativas de Lewandowski no CNJ tiveram o poder de afetar a atuação de todos os profissionais dos sistema de Segurança e de Justiça, desde a do policial militar que prende na rua até a do juiz que mantém ou não a prisão e a do carcereiro que conduz até a cela.
“Ele conseguiu mudar a cultura organizacional da segurança pública com a implementação das audiências de custódia”, observa o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima. “E o que precisamos hoje é de uma reorganização, que é algo com baixa visibilidade, diferente das grandes operações, mas de alto impacto para resultados.”
O principal efeito prático dos projetos é o de mitigar a superlotação dos presídios ao criar um filtro nas portas de entrada e de reformar as portas de saída. A estratégia serve também para deixar de misturar criminosos de menor potencial ofensivo com presos faccionados dentro das cadeias.
Na avaliação de Sérgio de Lima, o ministro da Justiça poderá ajudar as polícias nas audiências de custódia e, assim, a segurança pública como um todo. “A articulação com policiais para melhorar produção de provas para audiências de custódia é um grande trabalho a se fazer. Ele poderia, por exemplo, fazer com que policiais e Judiciário conversem para entenderem como ter mais solidez de provas para que as pessoas fiquem presas. A grande reclamação das polícias a de que elas prendem e as pessoas são soltas”, comentou.
Embora as audiências de custódia e a cidadania dos presos tenham sido postas em prática à luz do que prevê a legislação penal e os resultados sejam considerados positivos pela literatura da segurança pública, parlamentares bolsonaristas classificam as ideias como aberrações. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi um dos primeiros a propor projeto para acabar com as audiências de custódia, ainda nos idos de 2016.
“(As audiências são) uma inversão de valores e papéis em que os investigados passaram a ser, prioritariamente, os agentes policiais responsáveis pelas prisões, e os criminosos de fato foram travestidos de vítimas em potencial”, justificou na proposta.
A reação ao nome de Ricardo Lewandowski de parlamentares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi a pior possível. O presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara, deputado Sanderson (PL-RS), disse que Lewandowski não é um bom quadro para a pasta.
“Não tenho qualquer expectativa a respeito de Lewandowski no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Só foi colocado lá porque aceitou seguir as vontades políticas e ideológicas do presidente Lula, que não tem o menor interesse em combater de fato as facções criminosas no Brasil”, afirmou.
“No momento que o Brasil vive um problema de segurança pública de alta escala vamos ter um ministro que não sabe nem quantas balas tem um revólver 38. Quer coisa mais desastrosa que audiência de custódia, onde o bandido tem mais direito que o policial?”, afirmou o deputado Alberto Fraga (PL-DF).