Temer já vazou carta-desabafo, encomendou plano a economistas e ensaiou seu discurso de investidura. As três peças não constituem um plano de governo. Na realidade, são contraditórias. Ninguém sabe como será seu governo.
Em seu desabafo, o vice-presidente reclamou de descaso presidencial. Faltou com a verdade. Em maio de 2015, foi alçado ao posto de articulador político do governo. Sua missão, conhecida de todos, mas nunca reconhecida publicamente, era “controlar” Eduardo Cunha, azeitar as relações entre o presidente da Câmara e a presidente da República. Temer indicou ministros e negociou cargos. Foi tido e havido como o fiador do governo. Esbanjou confiança: em julho, quando Cunha ameaçou juntar-se à oposição, garantiu a investidores norte-americanos que o episódio não passava de uma crisezinha.
No início de agosto, Cunha rompeu com o governo e abraçou a tese do impedimento da presidente. A reação de Temer foi clamar por um governo de união nacional. Não foi ouvido por muitos e quem ouviu desconfiou de suas intenções. Em 22 de agosto, deixou a articulação política do governo e antes do fim do mês começara seu namoro com a oposição e a tese do impeachment. Temer fracassou como líder do governo Dilma e trocou de lado sem cerimônia. Escalado para tutelar Cunha, desistiu do confronto.
Agora os papéis se inverteram e Temer passou a ser o tutelado. O presidente da Câmara é o líder da operação impeachment. Sem sua liderança e iniciativa nada teria acontecido. Cunha concebeu, montou a coalizão e dirigiu a tramitação do processo. Hoje, seu sócio majoritário e beneficiário direto é Michel Temer. PSDB, DEM, FIESP e outros tantos não passam de sócios minoritários. Este é o impeachment que se terá e Cunha cobrará a fatura, goste-se ou não dele.
Quem apoia o encurtamento do mandato da presidente sabe do que se livra, mas não tem ideia clara do que receberá em troca. Se, como propalam seus defensores, o processo é político, é disto que se trata. Este é o impedimento real: saem Dilma e Lula, entram Temer e Cunha. Vale a pena? Do novo governo, só uma coisa é certa, a de que Cunha cobrará seu preço com a desfaçatez com que negociou com Leo Pinheiro o pagamento por emendas. Empossar Temer é uma incógnita, um salto no escuro promovido por um personagem obscuro.