BRASÍLIA - No início do ano, aliados do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, diziam que ele poderia concorrer a um terceiro mandato para seguir como chefe do Ministério Público Federal. Ele não negou. Janot não concorreu nas eleições internas, mas o boato o favorecia. O procurador tinha um medo: perder o poder à frente da instituição meses antes de sua saída. Ele disse a pessoas próximas que tinha sinais de que estavam “avançando em sua cadeira” antes do tempo.
A menos de 40 dias da troca na PGR, equipes de Janot e Raquel Dodge, sua sucessora, trabalham na transição de gabinetes. Desde a chegada dos tuiuiús – grupo do qual Janot faz parte – ao comando da instituição, em 2003, a passagem de bastão sempre ocorreu para um aliado, nunca um antagonista – o que ocorre agora.
O grupo dos tuiuiús foi formado na década de 1990 por procuradores da República que lutaram para que a categoria pudesse participar da escolha do chefe da instituição. Eles fizeram oposição ao ex-procurador-geral Geraldo Brindeiro, nomeado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso por quatro vezes. O nome do grupo, que se autodenominou desta forma, é referência a uma ave de mesmo nome do Pantanal que tem dificuldade em voos altos, em alusão aos problemas que enfrentavam na gestão tucana.
Raquel, escolhida pelo presidente Michel Temer para chefiar o Ministério Público, é considerada por Janot uma adversária interna. O procurador-geral, por sua vez, é tido como o último dos tuiuiús. Apesar disso, as equipes dizem que os trabalhos têm andado com tranquilidade.
Integrantes da Lava Jato consideram que a nova procuradora não vai mudar – nem seria capaz – de forma drástica o rumo da investigação ou atrapalhar a continuidade do caso. Para procuradores, o discurso contra Janot criado pelo Congresso, Planalto e ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, autorizariam Raquel a desfazer conquistas importantes da atual gestão. Investigadores avaliam, no entanto, que é difícil que isso aconteça.
A rápida preferência de Temer por Raquel e o encontro noturno entre a nova procuradora-geral da República e o presidente, na segunda-feira passada, geraram desconfianças no Ministério Público. Mas subprocuradores da República ouvidos pela reportagem dizem que não há uma grande divergência jurídica entre os dois, e sim modos distintos de trabalho. Mesmo votos destinados a Raquel, dizem, não foram necessariamente votos “anti-Janot”.
Depois do desconforto causado dentro da PGR com a notícia do encontro com Temer, Raquel decidiu que sua posse vai ocorrer no prédio da instituição. O cerimonial da Presidência tinha sugerido realizar o evento no Planalto, o que quebraria uma tradição. A hipótese foi cogitada inicialmente.
Toda a equipe próxima a Janot deve ser substituída. Antes disso, o grupo vai entregar a Raquel um relatório sobre a situação de cada secretaria. Na Lava Jato, os documentos vão incluir a análise de todos os acordos de delação firmados.
Raquel deve anunciar nas próximas semanas parte de sua equipe. A expectativa é de que o vice-procurador-geral seja Luciano Maia, ligado à proteção dos direitos indígenas, ou o subprocurador Humberto Jacques de Medeiros. Os procuradores Alexandre Camanho e Raquel Branquinho, que integram a equipe de transição, são cotados para os cargos de secretário-geral e responsável pelo grupo de trabalho da Lava Jato, respectivamente.
Sofá. Na semana passada, Janot trocou seu amplo gabinete do Bloco A da cobertura da PGR, em Brasília, por uma sala do outro lado do corredor, já no Bloco B. O local passa por pintura, numa preparação para receber Raquel. Na quinta-feira, Janot ficou por alguns minutos sentado em frente ao seu gabinete, em sofás usados como sala de espera. “Estou fazendo treinamento para ver como é. Quando eu quiser falar (com a PGR) vou ter que esperar aqui, né?”, brincou, sobre seu futuro próximo.