O acordo de colaboração premiada feito pelo tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, tem como uma das etapas o detalhamento de como funcionava o “gabinete do ódio” no governo de Jair Bolsonaro (PL). O grupo, revelado pelo Estadão em 2019, era responsável pela estratégia de comunicação digital do ex-presidente e adotava um tom belicoso para lidar com os adversários políticos.
A existência do gabinete paralelo veio à tona por ser um motivo de dissidência no clã Bolsonaro. O filho mais velho do ex-presidente, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), não concordava com a estratégia de ataque e acreditava que as ações do “gabinete do ódio” atrapalhavam as articulações do governo. O pai ora cedia às estratégias do grupo, ora não.
O mentor e coordenador do gabinete foi o filho “02″ do ex-presidente, Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), que está hoje no seu sexto mandato como vereador da cidade do Rio de Janeiro, cargo que ele ocupa desde 2001. Apesar de o trabalho demandar uma ação local, Carlos tinha acesso frequente e livre ao Palácio do Planalto. Fora dos holofotes da Presidência, o vereador lançou um livro sobre estratégias de comunicação digital e luta na Justiça para recuperar o porte de arma.
A repercussão das ações do “gabinete do ódio” colocaram o grupo na mira das autoridades. No Congresso, foi instalada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News e no Supremo Tribunal Federal (STF) há um inquérito que investiga a atuação do grupo como uma “milícia digital”, que usava estruturas públicas (tanto pessoas quanto equipamentos) para realizar as atividades. O “gabinete do ódio” ainda tentou manter sua influência no Planalto, mas foi diluído aos poucos por causa do cerco das investigações.
Veja como estão os integrantes do “gabinete do ódio”:
Tércio Arnaud Tomaz
Tércio Arnaud Tomaz foi descoberto por Carlos por administrar páginas de apoio ao ex-presidente no Facebook, como a “Bolsonaro Opressor”, que foi derrubada e teve várias reedições. Ele trabalhou como assessor da Presidência durante toda a gestão passada.
O paraibano despachava ao lado de Bolsonaro diariamente e administrava as redes sociais do então presidente. Em julho de 2020, foi alvo de uma ação do Facebook que removeu páginas ligadas a uma rede de perfis falsos e de disseminação de fake news.
Tomaz ficou um tempo fora do cargo apenas no período eleitoral: ele foi candidato a suplente de senador de Bruno Roberto (PL-PB), que não se elegeu. O Planalto recontratou Tomaz no dia seguinte à derrota. O ex-assessor viajou com Bolsonaro aos Estados Unidos no final do ano passado e está fora das redes sociais.
José Mateus Sales Gomes, Mateus Matos Diniz e Leonardo Augusto Matedi Amorim
Na gestão presidencial passada, os três foram assessores da Presidência. Hoje, com o fim do governo bolsonaro, eles continuam, de outra forma, remunerados com dinheiro público. José Mateus Sales Gomes, Mateus Matos Diniz e Leonardo Augusto Matedi Amorim têm uma empresa de comunicação, chamada “Agência Mellon”, que foi contratada pelo gabinete do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) para fazer a comunicação do mandato, como revelado pelo Estadão.
A empresa foi criada em maio deste ano, um mês antes da contratação no gabinete do deputado. Procurada pela reportagem, a empresa não foi encontrada no endereço que declarou à Receita Federal. Os três chegaram ao clã Bolsonaro também pela atuação na militância virtual: Gomes, por exemplo, cuidava da página “Bolsonaro Zueiro”, de grande repercussão no Facebook, e foi assessor de Carlos Bolsonaro.
Gomes e Diniz são investigados no inquérito das fake news do STF. Ramagem foi diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na época em que o órgão fez monitoramentos ilegais de políticos, advogados, jornalistas e ministros do Supremo.
Filipe Martins
O ex-assessor da Presidência Filipe Martins chegou ao Planalto aproximando-se do filho “03″ do ex-presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por meio da militância virtual. Ele tem 35 anos, é formado em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e entusiasta do ideólogo Olavo de Carvalho, falecido em janeiro de 2022. Ele faz parte da ala mais ideológica do bolsonarismo.
Contratado para auxiliar o ex-chanceler Ernesto Araújo, o nome de Martins foi parar nos noticiários nacionais em março de 2021, quando, durante uma sessão do Senado, fez duas vezes um gesto que, na visão do Ministério Público Federal, simboliza as iniciais WP, do movimento supremacista “White Power” (do inglês, “Poder Branco”).
Ele responde a uma ação criminal por causa do episódio. Martins foi absolvido na primeira instância e, nesta terça-feira, 7, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) reverteu a decisão, retomando as investigações. A decisão é passível de recurso. O ex-assessor diz, em sua defesa, que estava ajeitando o paletó.
Martins é suspeito de ter redigido uma “minuta de golpe” que Jair Bolsonaro apresentou aos membros das Forças Armadas depois de ser derrotado nas eleições. De acordo com o que Mauro Cid disse no acordo de colaboração premiada, o encontro não teve êxito, pois os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica não aderiram ao plano do ex-presidente. As redes sociais dele não são atualizadas desde o ano passado.
Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio
Primo dos filhos do ex-presidente, Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Leo Índio, tinha livre trânsito no Planalto no começo da gestão Bolsonaro, mesmo sem ter nenhum cargo no governo. Nos primeiros 45 dias de governo, por exemplo, ele foi ao prédio 58 vezes. Na época, ele era responsável por identificar “comunistas” que estivessem infiltrados nas estruturas do governo.
Depois que o caso veio à tona, Leo Índio foi contratado como assessor parlamentar. Um dos assessorados dele foi o senador Chico Rodrigues (PSB-RR), que foi flagrado escondendo dinheiro dentro da cueca durante uma operação da Polícia Federal de que foi alvo. O primo dos filhos mais velhos do ex-presidente chegou a ser candidato a deputado federal pelo PL do Distrito Federal, usando o nome de urna “Leo Índio Bolsonaro”. Não foi eleito.
No dia 25 de outubro, ele foi um dos alvos da 19ª etapa da Operação Lesa Pátria, que investiga os financiadores e articuladores dos ataques às sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro em Brasília. Leo Índio teve seu endereço vistoriado pela Polícia Federal. Desde que deixou a assessoria do Senado, ele vive com a família no Distrito Federal e se apresenta nas redes sociais como empreendedor.
Célio Faria Júnior
O servidor federal e economista Célio Faria Júnior, que estava na Marinha antes de compor o governo Bolsonaro, também integrava o “gabinete do ódio”. Na gestão passada, ele passou por diversos cargos de assessoria que orbitavam o ex-presidente, chegando a ser ministro da Secretaria de Governo. Hoje, Faria Junior é assessor da liderança da minoria no Senado Federal e recebe um salário de R$ 15 mil.
Antes do final da gestão, Bolsonaro nomeou Faria Júnior para a Comissão de Ética Pública da Presidência, cargo que seu ex-assessor ocuparia por três anos. Ele foi demitido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 7 de fevereiro, um dia depois de o Estadão revelar que a Comissão o beneficiou com uma “quarentena remunerada” – Faria Junior e outros servidores poderiam exercer atividades remuneradas com empresas privadas que tinham relação com seus antigos cargos.