Os generais da reserva com assento no ministério de Jair Bolsonaro ocuparam funções de oficiais na estrutura das Forças Armadas e dos governos do regime militar. Conselheiro de Bolsonaro, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno Ribeiro, de 71 anos, lembra como se fosse hoje daquele dia 31 de março de 1964, quando, há exatos 55 anos, se iniciou o golpe que culminou com a deposição do presidente João Goulart, conhecido como Jango.
À época com quase 17 anos, Heleno já se interessava por política e achava que algo precisava ser feito para restabelecer a ordem no País. “Eu era aluno do segundo ano Científico do Colégio Militar do Rio de Janeiro. Morava na Tijuca, no Largo da Segunda Feira, e vibrei com a queda de João Goulart, um cancro na política brasileira”, disse ele ao Estado.
A exemplo de Bolsonaro, Heleno não chama o golpe de golpe. Na definição do ministro, houve no Brasil um movimento para conter o avanço do comunismo. Em 1969, cinco anos após a queda de Goulart, Heleno era um dos cadetes que se formavam na Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio. No começo da década seguinte, ele foi instrutor ali. Entre os oficiais que se formaram na academia, naquele período, também estavam o atual ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz (turma de 1974), o vice-presidente Hamilton Mourão (1975) e o presidente Jair Bolsonaro (1977).
No ano da formatura de Bolsonaro, Heleno foi deslocado para o centro do poder do regime. Como capitão recém-promovido, ele assumiu o cargo de ajudante de ordens do então ministro do Exército, Sylvio Frota. General, Frota tentou se impor como sucessor do presidente Ernesto Geisel e foi demitido. O grupo do entorno dele ensaiou um levante. O Diário Oficial da União, de 18 de outubro de 1977, registra que o capitão Heleno e outros mais de cem oficiais do gabinete de Frota foram exonerados e retirados de Brasília.
Questionado sobre o episódio, Heleno disse que sua participação foi “irrelevante”. “Eu tinha apenas 30 anos. Apenas, pelo convívio com o alto escalão da República, aprendi muito”, comentou, citando o livro Ideais Traídos, no qual Frota conta suas memórias. “É fiel aos fatos”, resumiu.
O peso da violência do regime acabou sendo usado na campanha de Bolsonaro, no ano passado. O cantor Geraldo Azevedo acusou o então candidato a vice-presidente Hamilton Mourão de tê-lo torturado três vezes. “A coisa é tão mentirosa que, na época da suposta tortura, eu tinha 16 anos e era aluno do Colégio Militar em Porto Alegre”, afirmou Mourão ao Estado. Azevedo, depois, disse que se enganou. Para Mourão, a data de 31 de março ficará marcada no futuro como “o ápice das intervenções militares durante a história da República”.
O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, 65, tinha 10 anos quando o Exército derrubou João Goulart. Já Santos Cruz, que tem gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto, era um pouco mais velho: completava 12. A uma pergunta sobre sua experiência na ditadura, Santos Cruz fez questão de lembrar que era uma criança e apenas sorriu. À pergunta sobre sua experiência na ditadura, disse que não foi “frotista” nem “castelista”. “Não faço parte de grupos estereotipados. Fui ser militar porque tinha atração pela atividade militar e era uma opção profissional que eu tinha possibilidade de acessar.” O general personaliza a geração militar que terminava sua preparação nos estertores da ditadura. O Exército tinha acabado de exterminar as guerrilhas na Amazônia quando, entre 1975 e 1977, Santos Cruz concluiu os cursos de comando e guerra na selva. Não precisou dos treinamentos.
Visto como um dos generais mais políticos do núcleo do governo, Azevedo e Silva relatou que, durante o regime militar, se engajou nas atividades da Brigada Paraquedista, no Rio de Janeiro. Ali, ele se destacou como precursor da tropa de elite. Ainda durante a ditadura, Azevedo fez curso de especialização na França. O treinamento, segundo ele, foi aplicado no aperfeiçoamento de atividades militares aero-terrestres e suas atividades no regime foram “exclusivamente” voltadas à profissão militar.
Em 1973, no auge da repressão do governo Emílio Garrastazu Médici, o atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, general Floriano Peixoto Vieira Neto, 64 anos, se formava pela Academia Militar das Agulhas Negras. Naquele mesmo ano, outro ministro do governo Bolsonaro, o almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, de Minas e Energia, entrava para a Marinha. Aos 60 anos, Bento tem relação umbilical com o universo militar. Um avô dele serviu na Marinha e integrou a turma pioneira da Força Aérea Brasileira (FAB).
Bento entrou para a Marinha em 1973, na gestão de Emílio Garrastazu Médici. Nos dois últimos governos militares, de Geisel e João Figueiredo, ele se dedicou ao programa de submarinos.
Na Esplanada dos Ministérios, o titular da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, 56 anos, conta que tinha apenas um ano quando ocorreu o golpe militar. Como a ditadura durou 21 anos, às vésperas do fim do regime, em 1984, ele se formou em Tecnologia Aeronáutica na Academia da Força Aérea (AFA), em Pirassununga, São Paulo.
Do grupo de ministros militares mais novos do governo, os titulares da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, 43; e da Transparência e Controladoria-Geral da União, Wagner de Campos Rosário, 41; não eram sequer nascidos quando ocorreu o golpe contra João Goulart.