Operação da PF enfraquece defesa de Bolsonaro e aumenta chance de denúncia da PGR, dizem juristas


Ex-presidente sempre negou intenções golpistas, mas, procurado, não se manifestou sobre a ação desta terça-feira, 19

Por Hugo Henud
Atualização:

A Operação Contragolpe da Polícia Federal (PF), deflagrada na terça-feira, 19, estreita o cerco jurídico em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao enfraquecer duas das principais linhas de defesa apresentadas até o momento: a alegação de que a trama golpista teria ocorrido à sua revelia e sem sua participação, e a de que os fatos investigados seriam apenas atos preparatórios, não passíveis de punição pela legislação.

Juristas ouvidos pelo Estadão afirmam que as novas revelações enfraquecem as teses jurídicas de Bolsonaro e aumentam as chances de uma denúncia pela Procuradoria-Geral da República (PGR), com penas que podem chegar a 28 anos de prisão – cenário que pode se agravar caso seja comprovado o elo entre esses acontecimentos e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro.

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Bolsonaro sempre negou qualquer intenção golpista. Sobre a operação desta semana, o ex-presidente não se manifestou até o momento após ser procurado por meio de sua assessoria.

Entre as evidências reveladas pela PF que embasaram a operação está o plano denominado Punhal Verde e Amarelo, apreendido com o general reformado do Exército Mário Fernandes — ex-secretário-executivo da Presidência no governo Bolsonaro. O documento detalhava a prisão e os assassinatos de Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Ex-presidente da República Jair Bolsonaro é alvo central das investigações da Polícia Federal Foto: Wilton Junior/Estadão
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Também foi descoberta uma reunião na residência do general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro, onde se discutiu a participação dos “Kids Pretos” no plano golpista. Os investigadores apontaram ainda que Bolsonaro não apenas analisou e alterou uma minuta de decreto para consumar o golpe de Estado, mas também manteve encontros regulares com aliados — como Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens; o general Estevam Cals Theophilo, então comandante do COTER; e Marcelo Câmara, ex-assessor presidencial — para discutir os detalhes da trama golpista.

Todos esses novos elementos, na avaliação do criminalista e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Renato Vieira, desmontam a tese da defesa que alegava desconhecimento e ausência de participação do ex-presidente na trama golpista. Para Vieira, os fatos revelados apontam para uma participação direta de Bolsonaro, demonstrada por uma atuação estruturada e coordenada com ministros e autoridades militares.

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“Dizer que o ex-presidente Bolsonaro não sabia de tudo nessa etapa, principalmente porque ele era o principal beneficiário dessa continuidade, é realmente fazer muito pouco caso da inteligência e do bom senso de todas as pessoas que estão tomando conhecimento desses acontecimentos agora. É evidente que essa linha de defesa, de alegar que ele não sabia de nada, não se sustenta mais após a operação desta semana”, afirma.

Os professores de Direito Penal da USP, Gustavo Badaró e Pierpaolo Bottini, compartilham a mesma avaliação e ressaltam que os detalhes apresentados no relatório da PF enfraquecem a narrativa de que os aliados do ex-presidente agiram por conta própria, sem sua anuência. Badaró cita, como exemplo, a descoberta de que o plano “Punhal Verde e Amarelo” foi impresso nas dependências do Palácio do Planalto por Mário Fernandes, o que torna cada vez mais difícil desvincular o ex-presidente dos atos investigados. “A situação, do ponto de vista jurídico, piora muito”, resume Badaró.

Conexão com os atos de 8 de janeiro

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Além de enfraquecer as teses da defesa, o relatório da PF consolida o nexo de causalidade entre os fatos investigados e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, conforme avalia o criminalista Marcelo Crespo, coordenador da ESPM. Em sua avaliação, as descobertas evidenciam que a invasão às sedes dos Três Poderes foi o desdobramento de uma série de ações iniciadas ainda no governo Bolsonaro.

“Está tudo conectado e isso agrava ainda mais a situação jurídica do ex-presidente”, completa Crespo.

Atos investigados foram colocados em prática

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Para Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, integrante do Grupo Prerrogativas, que é próximo do governo do PT, a operação da PF torna insustentável a situação jurídica de Bolsonaro. “Agora, eles não estão sequer negando mais os fatos. Estão discutindo, agora, se eram atos preparatórios ou executórios, um ponto que também foi significativamente enfraquecido com esse relatório”, afirma.

A investigação da PF revelou que os atos relacionados ao plano golpista não se limitaram à fase preparatória, considerada não punível pela legislação brasileira, mas avançaram para a execução, como explica o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gustavo Sampaio.

Um exemplo é a ação clandestina denominada “Copa 2022,” cujo objetivo principal era capturar e assassinar Moraes. Os investigadores constataram que o plano foi colocado em prática em 15 de dezembro de 2022, com o deslocamento e posicionamento de integrantes em pontos estratégicos de Brasília, incluindo a região próxima à casa funcional de Moraes, onde sua movimentação era monitorada em tempo real. Contudo, o plano foi abortado.

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Ex-ajudante de ordens do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro ( PL), tenente-coronel Mauro Cid, deixa a sede da Polícia Federal em Brasília após prestar depoimento Foto: Wilton Junior/Estadão

Na avaliação de Sampaio, o caso configura os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa, dado que foi identificado um grupo estruturado, composto por quatro ou mais pessoas, atuando de forma ordenada e com divisão de tarefas. Ele também destaca a caracterização do crime de golpe de Estado, evidenciada não apenas pela tentativa de captura de Moraes, mas também por outros elementos revelados pela PF. Entre esses fatores estão as reuniões entre militares e aliados de Bolsonaro para planejar os detalhes da trama golpista, o aluguel de veículos, a descoberta de uma planilha de gastos, mensagens que demonstravam a intenção dos investigados de seguir com o plano, a minuta do golpe, a impressão do plano golpista no Palácio do Planalto, além do financiamento e direcionamento de manifestações, entre outros indícios.

“É importante lembrar que o golpe de Estado é punido pela legislação brasileira mesmo em sua forma tentada, ou seja, pelos atos preparatórios, já que, uma vez consumado, não há mais como se falar em punição. É o que ocorre nesse caso”, afirma Sampaio, ressaltando que as investigações fortalecem a percepção de que a cadeia de comando dos três crimes estava diretamente vinculada à participação de Bolsonaro.

Denúncia da PGR, possíveis crimes e prisão preventiva

Juristas ouvidos pelo Estadão apontam que há indícios suficientes para que a PGR apresente uma denúncia ao STF contra Bolsonaro pelos crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, cujas penas podem somar até 28 anos de prisão. Uma vez formalizada a denúncia, caberá ao Supremo decidir se aceita e inicia a ação penal ou se arquiva o pedido.

Quanto à possibilidade de prisão preventiva neste estágio do processo — considerada uma das medidas cautelares mais extremas — especialistas avaliam que essa medida só seria adotada caso Bolsonaro desrespeitasse as restrições já impostas ou obstruísse as investigações, como pela destruição de provas — condutas que, até o momento, não foram constatadas.

No entanto, Kakay, que anteriormente era contrário à aplicação dessa medida ao ex-presidente, agora defende sua necessidade. Ele avalia que o cerco jurídico em torno de Bolsonaro está se fechando e acredita que, em uma próxima ação da PF, o ex-presidente pode se tornar um dos alvos, o que justificaria a adoção da prisão preventiva.

“É um risco enorme simplesmente deixá-los soltos sem a segurança de que a justiça será feita”, completa.

A Operação Contragolpe da Polícia Federal (PF), deflagrada na terça-feira, 19, estreita o cerco jurídico em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao enfraquecer duas das principais linhas de defesa apresentadas até o momento: a alegação de que a trama golpista teria ocorrido à sua revelia e sem sua participação, e a de que os fatos investigados seriam apenas atos preparatórios, não passíveis de punição pela legislação.

Juristas ouvidos pelo Estadão afirmam que as novas revelações enfraquecem as teses jurídicas de Bolsonaro e aumentam as chances de uma denúncia pela Procuradoria-Geral da República (PGR), com penas que podem chegar a 28 anos de prisão – cenário que pode se agravar caso seja comprovado o elo entre esses acontecimentos e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro.

Bolsonaro sempre negou qualquer intenção golpista. Sobre a operação desta semana, o ex-presidente não se manifestou até o momento após ser procurado por meio de sua assessoria.

Entre as evidências reveladas pela PF que embasaram a operação está o plano denominado Punhal Verde e Amarelo, apreendido com o general reformado do Exército Mário Fernandes — ex-secretário-executivo da Presidência no governo Bolsonaro. O documento detalhava a prisão e os assassinatos de Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Ex-presidente da República Jair Bolsonaro é alvo central das investigações da Polícia Federal Foto: Wilton Junior/Estadão

Também foi descoberta uma reunião na residência do general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro, onde se discutiu a participação dos “Kids Pretos” no plano golpista. Os investigadores apontaram ainda que Bolsonaro não apenas analisou e alterou uma minuta de decreto para consumar o golpe de Estado, mas também manteve encontros regulares com aliados — como Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens; o general Estevam Cals Theophilo, então comandante do COTER; e Marcelo Câmara, ex-assessor presidencial — para discutir os detalhes da trama golpista.

Todos esses novos elementos, na avaliação do criminalista e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Renato Vieira, desmontam a tese da defesa que alegava desconhecimento e ausência de participação do ex-presidente na trama golpista. Para Vieira, os fatos revelados apontam para uma participação direta de Bolsonaro, demonstrada por uma atuação estruturada e coordenada com ministros e autoridades militares.

“Dizer que o ex-presidente Bolsonaro não sabia de tudo nessa etapa, principalmente porque ele era o principal beneficiário dessa continuidade, é realmente fazer muito pouco caso da inteligência e do bom senso de todas as pessoas que estão tomando conhecimento desses acontecimentos agora. É evidente que essa linha de defesa, de alegar que ele não sabia de nada, não se sustenta mais após a operação desta semana”, afirma.

Os professores de Direito Penal da USP, Gustavo Badaró e Pierpaolo Bottini, compartilham a mesma avaliação e ressaltam que os detalhes apresentados no relatório da PF enfraquecem a narrativa de que os aliados do ex-presidente agiram por conta própria, sem sua anuência. Badaró cita, como exemplo, a descoberta de que o plano “Punhal Verde e Amarelo” foi impresso nas dependências do Palácio do Planalto por Mário Fernandes, o que torna cada vez mais difícil desvincular o ex-presidente dos atos investigados. “A situação, do ponto de vista jurídico, piora muito”, resume Badaró.

Conexão com os atos de 8 de janeiro

Além de enfraquecer as teses da defesa, o relatório da PF consolida o nexo de causalidade entre os fatos investigados e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, conforme avalia o criminalista Marcelo Crespo, coordenador da ESPM. Em sua avaliação, as descobertas evidenciam que a invasão às sedes dos Três Poderes foi o desdobramento de uma série de ações iniciadas ainda no governo Bolsonaro.

“Está tudo conectado e isso agrava ainda mais a situação jurídica do ex-presidente”, completa Crespo.

Atos investigados foram colocados em prática

Para Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, integrante do Grupo Prerrogativas, que é próximo do governo do PT, a operação da PF torna insustentável a situação jurídica de Bolsonaro. “Agora, eles não estão sequer negando mais os fatos. Estão discutindo, agora, se eram atos preparatórios ou executórios, um ponto que também foi significativamente enfraquecido com esse relatório”, afirma.

A investigação da PF revelou que os atos relacionados ao plano golpista não se limitaram à fase preparatória, considerada não punível pela legislação brasileira, mas avançaram para a execução, como explica o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gustavo Sampaio.

Um exemplo é a ação clandestina denominada “Copa 2022,” cujo objetivo principal era capturar e assassinar Moraes. Os investigadores constataram que o plano foi colocado em prática em 15 de dezembro de 2022, com o deslocamento e posicionamento de integrantes em pontos estratégicos de Brasília, incluindo a região próxima à casa funcional de Moraes, onde sua movimentação era monitorada em tempo real. Contudo, o plano foi abortado.

Ex-ajudante de ordens do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro ( PL), tenente-coronel Mauro Cid, deixa a sede da Polícia Federal em Brasília após prestar depoimento Foto: Wilton Junior/Estadão

Na avaliação de Sampaio, o caso configura os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa, dado que foi identificado um grupo estruturado, composto por quatro ou mais pessoas, atuando de forma ordenada e com divisão de tarefas. Ele também destaca a caracterização do crime de golpe de Estado, evidenciada não apenas pela tentativa de captura de Moraes, mas também por outros elementos revelados pela PF. Entre esses fatores estão as reuniões entre militares e aliados de Bolsonaro para planejar os detalhes da trama golpista, o aluguel de veículos, a descoberta de uma planilha de gastos, mensagens que demonstravam a intenção dos investigados de seguir com o plano, a minuta do golpe, a impressão do plano golpista no Palácio do Planalto, além do financiamento e direcionamento de manifestações, entre outros indícios.

“É importante lembrar que o golpe de Estado é punido pela legislação brasileira mesmo em sua forma tentada, ou seja, pelos atos preparatórios, já que, uma vez consumado, não há mais como se falar em punição. É o que ocorre nesse caso”, afirma Sampaio, ressaltando que as investigações fortalecem a percepção de que a cadeia de comando dos três crimes estava diretamente vinculada à participação de Bolsonaro.

Denúncia da PGR, possíveis crimes e prisão preventiva

Juristas ouvidos pelo Estadão apontam que há indícios suficientes para que a PGR apresente uma denúncia ao STF contra Bolsonaro pelos crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, cujas penas podem somar até 28 anos de prisão. Uma vez formalizada a denúncia, caberá ao Supremo decidir se aceita e inicia a ação penal ou se arquiva o pedido.

Quanto à possibilidade de prisão preventiva neste estágio do processo — considerada uma das medidas cautelares mais extremas — especialistas avaliam que essa medida só seria adotada caso Bolsonaro desrespeitasse as restrições já impostas ou obstruísse as investigações, como pela destruição de provas — condutas que, até o momento, não foram constatadas.

No entanto, Kakay, que anteriormente era contrário à aplicação dessa medida ao ex-presidente, agora defende sua necessidade. Ele avalia que o cerco jurídico em torno de Bolsonaro está se fechando e acredita que, em uma próxima ação da PF, o ex-presidente pode se tornar um dos alvos, o que justificaria a adoção da prisão preventiva.

“É um risco enorme simplesmente deixá-los soltos sem a segurança de que a justiça será feita”, completa.

A Operação Contragolpe da Polícia Federal (PF), deflagrada na terça-feira, 19, estreita o cerco jurídico em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao enfraquecer duas das principais linhas de defesa apresentadas até o momento: a alegação de que a trama golpista teria ocorrido à sua revelia e sem sua participação, e a de que os fatos investigados seriam apenas atos preparatórios, não passíveis de punição pela legislação.

Juristas ouvidos pelo Estadão afirmam que as novas revelações enfraquecem as teses jurídicas de Bolsonaro e aumentam as chances de uma denúncia pela Procuradoria-Geral da República (PGR), com penas que podem chegar a 28 anos de prisão – cenário que pode se agravar caso seja comprovado o elo entre esses acontecimentos e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro.

Bolsonaro sempre negou qualquer intenção golpista. Sobre a operação desta semana, o ex-presidente não se manifestou até o momento após ser procurado por meio de sua assessoria.

Entre as evidências reveladas pela PF que embasaram a operação está o plano denominado Punhal Verde e Amarelo, apreendido com o general reformado do Exército Mário Fernandes — ex-secretário-executivo da Presidência no governo Bolsonaro. O documento detalhava a prisão e os assassinatos de Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Ex-presidente da República Jair Bolsonaro é alvo central das investigações da Polícia Federal Foto: Wilton Junior/Estadão

Também foi descoberta uma reunião na residência do general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro, onde se discutiu a participação dos “Kids Pretos” no plano golpista. Os investigadores apontaram ainda que Bolsonaro não apenas analisou e alterou uma minuta de decreto para consumar o golpe de Estado, mas também manteve encontros regulares com aliados — como Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens; o general Estevam Cals Theophilo, então comandante do COTER; e Marcelo Câmara, ex-assessor presidencial — para discutir os detalhes da trama golpista.

Todos esses novos elementos, na avaliação do criminalista e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Renato Vieira, desmontam a tese da defesa que alegava desconhecimento e ausência de participação do ex-presidente na trama golpista. Para Vieira, os fatos revelados apontam para uma participação direta de Bolsonaro, demonstrada por uma atuação estruturada e coordenada com ministros e autoridades militares.

“Dizer que o ex-presidente Bolsonaro não sabia de tudo nessa etapa, principalmente porque ele era o principal beneficiário dessa continuidade, é realmente fazer muito pouco caso da inteligência e do bom senso de todas as pessoas que estão tomando conhecimento desses acontecimentos agora. É evidente que essa linha de defesa, de alegar que ele não sabia de nada, não se sustenta mais após a operação desta semana”, afirma.

Os professores de Direito Penal da USP, Gustavo Badaró e Pierpaolo Bottini, compartilham a mesma avaliação e ressaltam que os detalhes apresentados no relatório da PF enfraquecem a narrativa de que os aliados do ex-presidente agiram por conta própria, sem sua anuência. Badaró cita, como exemplo, a descoberta de que o plano “Punhal Verde e Amarelo” foi impresso nas dependências do Palácio do Planalto por Mário Fernandes, o que torna cada vez mais difícil desvincular o ex-presidente dos atos investigados. “A situação, do ponto de vista jurídico, piora muito”, resume Badaró.

Conexão com os atos de 8 de janeiro

Além de enfraquecer as teses da defesa, o relatório da PF consolida o nexo de causalidade entre os fatos investigados e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, conforme avalia o criminalista Marcelo Crespo, coordenador da ESPM. Em sua avaliação, as descobertas evidenciam que a invasão às sedes dos Três Poderes foi o desdobramento de uma série de ações iniciadas ainda no governo Bolsonaro.

“Está tudo conectado e isso agrava ainda mais a situação jurídica do ex-presidente”, completa Crespo.

Atos investigados foram colocados em prática

Para Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, integrante do Grupo Prerrogativas, que é próximo do governo do PT, a operação da PF torna insustentável a situação jurídica de Bolsonaro. “Agora, eles não estão sequer negando mais os fatos. Estão discutindo, agora, se eram atos preparatórios ou executórios, um ponto que também foi significativamente enfraquecido com esse relatório”, afirma.

A investigação da PF revelou que os atos relacionados ao plano golpista não se limitaram à fase preparatória, considerada não punível pela legislação brasileira, mas avançaram para a execução, como explica o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gustavo Sampaio.

Um exemplo é a ação clandestina denominada “Copa 2022,” cujo objetivo principal era capturar e assassinar Moraes. Os investigadores constataram que o plano foi colocado em prática em 15 de dezembro de 2022, com o deslocamento e posicionamento de integrantes em pontos estratégicos de Brasília, incluindo a região próxima à casa funcional de Moraes, onde sua movimentação era monitorada em tempo real. Contudo, o plano foi abortado.

Ex-ajudante de ordens do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro ( PL), tenente-coronel Mauro Cid, deixa a sede da Polícia Federal em Brasília após prestar depoimento Foto: Wilton Junior/Estadão

Na avaliação de Sampaio, o caso configura os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa, dado que foi identificado um grupo estruturado, composto por quatro ou mais pessoas, atuando de forma ordenada e com divisão de tarefas. Ele também destaca a caracterização do crime de golpe de Estado, evidenciada não apenas pela tentativa de captura de Moraes, mas também por outros elementos revelados pela PF. Entre esses fatores estão as reuniões entre militares e aliados de Bolsonaro para planejar os detalhes da trama golpista, o aluguel de veículos, a descoberta de uma planilha de gastos, mensagens que demonstravam a intenção dos investigados de seguir com o plano, a minuta do golpe, a impressão do plano golpista no Palácio do Planalto, além do financiamento e direcionamento de manifestações, entre outros indícios.

“É importante lembrar que o golpe de Estado é punido pela legislação brasileira mesmo em sua forma tentada, ou seja, pelos atos preparatórios, já que, uma vez consumado, não há mais como se falar em punição. É o que ocorre nesse caso”, afirma Sampaio, ressaltando que as investigações fortalecem a percepção de que a cadeia de comando dos três crimes estava diretamente vinculada à participação de Bolsonaro.

Denúncia da PGR, possíveis crimes e prisão preventiva

Juristas ouvidos pelo Estadão apontam que há indícios suficientes para que a PGR apresente uma denúncia ao STF contra Bolsonaro pelos crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, cujas penas podem somar até 28 anos de prisão. Uma vez formalizada a denúncia, caberá ao Supremo decidir se aceita e inicia a ação penal ou se arquiva o pedido.

Quanto à possibilidade de prisão preventiva neste estágio do processo — considerada uma das medidas cautelares mais extremas — especialistas avaliam que essa medida só seria adotada caso Bolsonaro desrespeitasse as restrições já impostas ou obstruísse as investigações, como pela destruição de provas — condutas que, até o momento, não foram constatadas.

No entanto, Kakay, que anteriormente era contrário à aplicação dessa medida ao ex-presidente, agora defende sua necessidade. Ele avalia que o cerco jurídico em torno de Bolsonaro está se fechando e acredita que, em uma próxima ação da PF, o ex-presidente pode se tornar um dos alvos, o que justificaria a adoção da prisão preventiva.

“É um risco enorme simplesmente deixá-los soltos sem a segurança de que a justiça será feita”, completa.

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