Oposição diz que esquema do lixo é corrupção e fala em reforma do orçamento público


Parlamentares pedem ao Tribunal de Contas da União que investigue compras de caminhões de lixo com superfaturamento

Por Vinícius Valfré, André Shalders e Julia Affonso
Atualização:

Parlamentares de oposição ao governo Jair Bolsonaro decidiram entrar com representação no Tribunal de Contas da União (TCU) para suspender a compra de caminhões de lixo com indícios de superfaturamento revelada pelo Estadão. Ligado ao debate do orçamento federal e à pauta ambiental, esse grupo de deputados e senadores quer também um raio X dos pregões de veículos pesados com suspeitas de irregularidades.

Neste domingo, 22, o Estadão revelou que as compras de caminhões de lixo tiveram um aumento de 500% no atual governo. O esquema foi chamado nas redes de “Bolsolão do Lixo” e chegou aos assuntos mais comentados do Brasil. A reportagem analisou 1,2 mil em 7,7 Gigabytes de documentos públicos de licitações e encontrou suspeitas de sobrepreço de R$ 109,3 milhões. O dinheiro sai de emendas parlamentares de deputados e senadores e a compra é feita por estatais que Bolsonaro deu para controle de líderes do Centrão.

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Caminhão de lixo entregue à cidade de Anhanguera, em Goiás. Foto: Wilton Junior/Estadão

A diferença dos preços de compra de modelos idênticos, em alguns casos, chegou a 30%. Em outubro passado, por exemplo, o governo adquiriu um modelo de caminhão por R$ 391 mil. Menos de um mês depois, aceitou pagar R$ 505 mil pelo mesmo veículo.

O Estadão encontrou também casos em que o governo recebeu veículos menores do que o comprado sem reaver a diferença de preço. Um município de 8 mil habitantes ganhou três caminhões compactadores num período de um ano e três meses, enquanto cidades próximas não têm nenhum. Até um beneficiário do auxílio emergencial ganhou licitações para fornecer caminhões de lixo para o governo.

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Nesta segunda-feira, dia 23, uma nova reportagem mostrou como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, direcionou dinheiro de uma emenda parlamentar dele para a compra de um caminhão de lixo fornecido pela empresa de uma amiga pessoal. Carla Morgana Denardin é uma das proprietárias do grupo automotivo Mônaco, que venceu licitações para a compra de caminhões da Codevasf do Piauí – o órgão é comandado por Inaldo Guerra, indicado de Nogueira.

A prefeita de Brasileira (PI), Carmem Gean (Progressistas), que comprou o equipamento, também é comandada por uma correligionária do ministro. Ela aceitou pagar R$ 79,2 mil a mais pelo caminhão de lixo do que o previsto na ata.

Carla Morgana Denardin com Ciro Nogueira no dia da posse dele como ministro-chefe da Casa Civil. Foto: Instagram Carla Denardin/Reprodução
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As representações ao TCU foram formuladas pelos senadores Alessandro Vieira (PSDB-SE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado; e pelos deputados Felipe Rigoni (União Brasil-ES) e Tabata Amaral (PSB-SP).

Na avaliação de Randolfe, trata-se de “mais um exemplo da corrupção instalada na atual gestão do governo federal, que está retomando a política do coronelismo no interior do País ao privilegiar políticos locais para garantir a sua sobrevivência no mandato”. “É falta de transparência e dano ao orçamento público”, ressaltou. “Bolsonaro coloca a culpa da crise econômica em terceiros, mas essa é uma demonstração de que a prioridade dele é o favorecimento político e não a vida do povo brasileiro que sofre com a miséria num cenário de profunda desigualdade social.”

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou que a farra expõe mais um “mar de lama” do governo de Jair Bolsonaro por causa da falta de transparência e da falta de critérios técnicos para distribuir recursos. “Os problemas vêm na priorização da aquisição, no superfaturamento e na entrega sem critério técnico”, disse Renan, que foi relator da CPI da Covid. “Esse governo não tem critério técnico para nada. Isso dificulta a retomada do crescimento e o fim do voo de galinha da nossa economia.”

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Na avaliação do senador, o preço que o País está pagando com o prestígio de aliados, inclusive com emendas de relator, é alto demais. “O Brasil ainda vai conviver muito tempo com isso. O preço que está pagando é irresgatável”, afirmou ele. “Se há uma prioridade no Brasil hoje é a reforma do orçamento público.”

Para o senador Alessandro Vieira, a farra do caminhão de lixo mostra a existência de “um método de apropriação do patrimônio público”. “E esse método agora vai sendo aplicado com extrema voracidade”, afirmou ao Estadão. “Você tem, de um lado, o mal da corrupção, com as coisas sendo conduzidas de modo a abrir espaço para a ocorrência da corrupção; mas você tem, principalmente, a ausência de requisitos mínimos para uma política pública. É o desperdício, é o descaso com os recursos que são de todos.”

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Vieira agora prepara uma representação ao Tribunal de Contas da União pedindo a suspensão dos pagamentos para a compra dos caminhões de lixo com indícios de superfaturamento, e a investigação dos pregões suspeitos. Além do senador, também são autores do pedido os deputados Tabata Amaral e Felipe Rigoni.

Juntos, Vieira, Rigoni e Tabata são responsáveis pelo Gabinete Compartilhado, uma equipe que vem fazendo representações aos órgãos de controle, como o TCU. Segundo Rigoni, a situação atual é “preocupante”: desde o começo do governo de Jair Bolsonaro, as ações ajuizadas pelo grupo já pediram o ressarcimento aos cofres públicos de mais de R$ 2 bilhões, e o bloqueio de licitações que somam outros R$ 7 bilhões. “São quase R$ 9 bilhões em gastos que, de uma forma ou de outra estavam irregulares. Independentemente de se houve enriquecimento ilícito ou não, são R$ 9 bilhões gastos de forma inadequada. É quase 30% valor do antigo (programa) Bolsa Família”, disse ele.

As representações anteriores dizem respeito a casos como o da licitação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a compra de ônibus escolares com sobrepreço de R$ 732 milhões, revelado em abril pelo Estadão.

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“Coronelismo”

Ex-líder da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB-SP) avalia que o caminhão de lixo é uma necessidade da maioria das cidades. No entanto, a falta de uma política de distribuição compromete a qualidade do gasto público. “O importante é fazer política pública baseada em evidências e sempre com muita transparência e controle social. Infelizmente, o critério é político, com distribuição para quem é próximo ao governo. Como efeito colateral, tem o sobrepreço. O governo tinha que ter um diagnóstico de onde precisa de caminhão de lixo”, afirmou.

O senador Humberto Costa (PT-PE) disse que a farra do caminhão de lixo resume a “cara do governo” Bolsonaro. “Esse governo caracterizou-se por produzir processo de aparelhamento de gestão sem qualquer critério técnico para destinação dos recursos”, destacou. “É a cara do governo e a cara da entrega do governo ao Centrão. Não leva em conta princípios básicos da administração pública.”

De acordo com o líder da Minoria na Câmara, o deputado Alencar Santana (PT-SP), a distribuição de caminhões de lixo por parte do governo Bolsonaro não chega a constituir uma política pública: busca apenas atender a interesses eleitorais.

“As necessidades desses municípios nas outras áreas, e mesmo no saneamento, são outras. E não a distribuição de caminhões, simplesmente”, diz ele, lembrando que a maioria das cidades que recebeu caminhões continua usando lixões, em vez de aterros sanitários. “(O caso) demonstra o lixo que virou este governo. Estamos vendo a volta da política do coronelismo, enxada e voto (livro de Victor Nunes Leal, de 1948), só que talvez modernizado, como ‘Coronelismo, caminhão de lixo e voto’”, disse ele.

Fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco avalia que o atual mau uso das emendas parlamentares cria as condições para casos de corrupção. “As emendas parlamentares, da forma promíscua como vêm sendo executadas, distorcem as políticas públicas, ampliam as desigualdades regionais e municipais, pulverizam recursos em municípios ‘apadrinhados’ politicamente, sem qualquer critério técnico ou parâmetro sócio-econômico, criando condições propícias para o mau uso do dinheiro público e para a corrupção”, disse.

Para a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), casos como o da explosão na compra de caminhões de lixo e o da licitação de ônibus escolares do FNDE mostram uma “distorção da política pública, pois este dinheiro não está indo necessariamente para quem mais precisa, para a coisa que é mais necessária para a população. E quando a gente vai aprofundando surgem os indícios de que os amigos estão sendo favorecidos, de que os preços são maiores do que deveriam, de que há corrupção ali por detrás. E só piora. Infelizmente, isto tem sido uma marca deste governo”, disse ela.

Parlamentares de oposição ao governo Jair Bolsonaro decidiram entrar com representação no Tribunal de Contas da União (TCU) para suspender a compra de caminhões de lixo com indícios de superfaturamento revelada pelo Estadão. Ligado ao debate do orçamento federal e à pauta ambiental, esse grupo de deputados e senadores quer também um raio X dos pregões de veículos pesados com suspeitas de irregularidades.

Neste domingo, 22, o Estadão revelou que as compras de caminhões de lixo tiveram um aumento de 500% no atual governo. O esquema foi chamado nas redes de “Bolsolão do Lixo” e chegou aos assuntos mais comentados do Brasil. A reportagem analisou 1,2 mil em 7,7 Gigabytes de documentos públicos de licitações e encontrou suspeitas de sobrepreço de R$ 109,3 milhões. O dinheiro sai de emendas parlamentares de deputados e senadores e a compra é feita por estatais que Bolsonaro deu para controle de líderes do Centrão.

Caminhão de lixo entregue à cidade de Anhanguera, em Goiás. Foto: Wilton Junior/Estadão

A diferença dos preços de compra de modelos idênticos, em alguns casos, chegou a 30%. Em outubro passado, por exemplo, o governo adquiriu um modelo de caminhão por R$ 391 mil. Menos de um mês depois, aceitou pagar R$ 505 mil pelo mesmo veículo.

O Estadão encontrou também casos em que o governo recebeu veículos menores do que o comprado sem reaver a diferença de preço. Um município de 8 mil habitantes ganhou três caminhões compactadores num período de um ano e três meses, enquanto cidades próximas não têm nenhum. Até um beneficiário do auxílio emergencial ganhou licitações para fornecer caminhões de lixo para o governo.

Nesta segunda-feira, dia 23, uma nova reportagem mostrou como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, direcionou dinheiro de uma emenda parlamentar dele para a compra de um caminhão de lixo fornecido pela empresa de uma amiga pessoal. Carla Morgana Denardin é uma das proprietárias do grupo automotivo Mônaco, que venceu licitações para a compra de caminhões da Codevasf do Piauí – o órgão é comandado por Inaldo Guerra, indicado de Nogueira.

A prefeita de Brasileira (PI), Carmem Gean (Progressistas), que comprou o equipamento, também é comandada por uma correligionária do ministro. Ela aceitou pagar R$ 79,2 mil a mais pelo caminhão de lixo do que o previsto na ata.

Carla Morgana Denardin com Ciro Nogueira no dia da posse dele como ministro-chefe da Casa Civil. Foto: Instagram Carla Denardin/Reprodução

As representações ao TCU foram formuladas pelos senadores Alessandro Vieira (PSDB-SE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado; e pelos deputados Felipe Rigoni (União Brasil-ES) e Tabata Amaral (PSB-SP).

Na avaliação de Randolfe, trata-se de “mais um exemplo da corrupção instalada na atual gestão do governo federal, que está retomando a política do coronelismo no interior do País ao privilegiar políticos locais para garantir a sua sobrevivência no mandato”. “É falta de transparência e dano ao orçamento público”, ressaltou. “Bolsonaro coloca a culpa da crise econômica em terceiros, mas essa é uma demonstração de que a prioridade dele é o favorecimento político e não a vida do povo brasileiro que sofre com a miséria num cenário de profunda desigualdade social.”

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou que a farra expõe mais um “mar de lama” do governo de Jair Bolsonaro por causa da falta de transparência e da falta de critérios técnicos para distribuir recursos. “Os problemas vêm na priorização da aquisição, no superfaturamento e na entrega sem critério técnico”, disse Renan, que foi relator da CPI da Covid. “Esse governo não tem critério técnico para nada. Isso dificulta a retomada do crescimento e o fim do voo de galinha da nossa economia.”

Na avaliação do senador, o preço que o País está pagando com o prestígio de aliados, inclusive com emendas de relator, é alto demais. “O Brasil ainda vai conviver muito tempo com isso. O preço que está pagando é irresgatável”, afirmou ele. “Se há uma prioridade no Brasil hoje é a reforma do orçamento público.”

Para o senador Alessandro Vieira, a farra do caminhão de lixo mostra a existência de “um método de apropriação do patrimônio público”. “E esse método agora vai sendo aplicado com extrema voracidade”, afirmou ao Estadão. “Você tem, de um lado, o mal da corrupção, com as coisas sendo conduzidas de modo a abrir espaço para a ocorrência da corrupção; mas você tem, principalmente, a ausência de requisitos mínimos para uma política pública. É o desperdício, é o descaso com os recursos que são de todos.”

Vieira agora prepara uma representação ao Tribunal de Contas da União pedindo a suspensão dos pagamentos para a compra dos caminhões de lixo com indícios de superfaturamento, e a investigação dos pregões suspeitos. Além do senador, também são autores do pedido os deputados Tabata Amaral e Felipe Rigoni.

Juntos, Vieira, Rigoni e Tabata são responsáveis pelo Gabinete Compartilhado, uma equipe que vem fazendo representações aos órgãos de controle, como o TCU. Segundo Rigoni, a situação atual é “preocupante”: desde o começo do governo de Jair Bolsonaro, as ações ajuizadas pelo grupo já pediram o ressarcimento aos cofres públicos de mais de R$ 2 bilhões, e o bloqueio de licitações que somam outros R$ 7 bilhões. “São quase R$ 9 bilhões em gastos que, de uma forma ou de outra estavam irregulares. Independentemente de se houve enriquecimento ilícito ou não, são R$ 9 bilhões gastos de forma inadequada. É quase 30% valor do antigo (programa) Bolsa Família”, disse ele.

As representações anteriores dizem respeito a casos como o da licitação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a compra de ônibus escolares com sobrepreço de R$ 732 milhões, revelado em abril pelo Estadão.

“Coronelismo”

Ex-líder da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB-SP) avalia que o caminhão de lixo é uma necessidade da maioria das cidades. No entanto, a falta de uma política de distribuição compromete a qualidade do gasto público. “O importante é fazer política pública baseada em evidências e sempre com muita transparência e controle social. Infelizmente, o critério é político, com distribuição para quem é próximo ao governo. Como efeito colateral, tem o sobrepreço. O governo tinha que ter um diagnóstico de onde precisa de caminhão de lixo”, afirmou.

O senador Humberto Costa (PT-PE) disse que a farra do caminhão de lixo resume a “cara do governo” Bolsonaro. “Esse governo caracterizou-se por produzir processo de aparelhamento de gestão sem qualquer critério técnico para destinação dos recursos”, destacou. “É a cara do governo e a cara da entrega do governo ao Centrão. Não leva em conta princípios básicos da administração pública.”

De acordo com o líder da Minoria na Câmara, o deputado Alencar Santana (PT-SP), a distribuição de caminhões de lixo por parte do governo Bolsonaro não chega a constituir uma política pública: busca apenas atender a interesses eleitorais.

“As necessidades desses municípios nas outras áreas, e mesmo no saneamento, são outras. E não a distribuição de caminhões, simplesmente”, diz ele, lembrando que a maioria das cidades que recebeu caminhões continua usando lixões, em vez de aterros sanitários. “(O caso) demonstra o lixo que virou este governo. Estamos vendo a volta da política do coronelismo, enxada e voto (livro de Victor Nunes Leal, de 1948), só que talvez modernizado, como ‘Coronelismo, caminhão de lixo e voto’”, disse ele.

Fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco avalia que o atual mau uso das emendas parlamentares cria as condições para casos de corrupção. “As emendas parlamentares, da forma promíscua como vêm sendo executadas, distorcem as políticas públicas, ampliam as desigualdades regionais e municipais, pulverizam recursos em municípios ‘apadrinhados’ politicamente, sem qualquer critério técnico ou parâmetro sócio-econômico, criando condições propícias para o mau uso do dinheiro público e para a corrupção”, disse.

Para a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), casos como o da explosão na compra de caminhões de lixo e o da licitação de ônibus escolares do FNDE mostram uma “distorção da política pública, pois este dinheiro não está indo necessariamente para quem mais precisa, para a coisa que é mais necessária para a população. E quando a gente vai aprofundando surgem os indícios de que os amigos estão sendo favorecidos, de que os preços são maiores do que deveriam, de que há corrupção ali por detrás. E só piora. Infelizmente, isto tem sido uma marca deste governo”, disse ela.

Parlamentares de oposição ao governo Jair Bolsonaro decidiram entrar com representação no Tribunal de Contas da União (TCU) para suspender a compra de caminhões de lixo com indícios de superfaturamento revelada pelo Estadão. Ligado ao debate do orçamento federal e à pauta ambiental, esse grupo de deputados e senadores quer também um raio X dos pregões de veículos pesados com suspeitas de irregularidades.

Neste domingo, 22, o Estadão revelou que as compras de caminhões de lixo tiveram um aumento de 500% no atual governo. O esquema foi chamado nas redes de “Bolsolão do Lixo” e chegou aos assuntos mais comentados do Brasil. A reportagem analisou 1,2 mil em 7,7 Gigabytes de documentos públicos de licitações e encontrou suspeitas de sobrepreço de R$ 109,3 milhões. O dinheiro sai de emendas parlamentares de deputados e senadores e a compra é feita por estatais que Bolsonaro deu para controle de líderes do Centrão.

Caminhão de lixo entregue à cidade de Anhanguera, em Goiás. Foto: Wilton Junior/Estadão

A diferença dos preços de compra de modelos idênticos, em alguns casos, chegou a 30%. Em outubro passado, por exemplo, o governo adquiriu um modelo de caminhão por R$ 391 mil. Menos de um mês depois, aceitou pagar R$ 505 mil pelo mesmo veículo.

O Estadão encontrou também casos em que o governo recebeu veículos menores do que o comprado sem reaver a diferença de preço. Um município de 8 mil habitantes ganhou três caminhões compactadores num período de um ano e três meses, enquanto cidades próximas não têm nenhum. Até um beneficiário do auxílio emergencial ganhou licitações para fornecer caminhões de lixo para o governo.

Nesta segunda-feira, dia 23, uma nova reportagem mostrou como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, direcionou dinheiro de uma emenda parlamentar dele para a compra de um caminhão de lixo fornecido pela empresa de uma amiga pessoal. Carla Morgana Denardin é uma das proprietárias do grupo automotivo Mônaco, que venceu licitações para a compra de caminhões da Codevasf do Piauí – o órgão é comandado por Inaldo Guerra, indicado de Nogueira.

A prefeita de Brasileira (PI), Carmem Gean (Progressistas), que comprou o equipamento, também é comandada por uma correligionária do ministro. Ela aceitou pagar R$ 79,2 mil a mais pelo caminhão de lixo do que o previsto na ata.

Carla Morgana Denardin com Ciro Nogueira no dia da posse dele como ministro-chefe da Casa Civil. Foto: Instagram Carla Denardin/Reprodução

As representações ao TCU foram formuladas pelos senadores Alessandro Vieira (PSDB-SE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado; e pelos deputados Felipe Rigoni (União Brasil-ES) e Tabata Amaral (PSB-SP).

Na avaliação de Randolfe, trata-se de “mais um exemplo da corrupção instalada na atual gestão do governo federal, que está retomando a política do coronelismo no interior do País ao privilegiar políticos locais para garantir a sua sobrevivência no mandato”. “É falta de transparência e dano ao orçamento público”, ressaltou. “Bolsonaro coloca a culpa da crise econômica em terceiros, mas essa é uma demonstração de que a prioridade dele é o favorecimento político e não a vida do povo brasileiro que sofre com a miséria num cenário de profunda desigualdade social.”

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou que a farra expõe mais um “mar de lama” do governo de Jair Bolsonaro por causa da falta de transparência e da falta de critérios técnicos para distribuir recursos. “Os problemas vêm na priorização da aquisição, no superfaturamento e na entrega sem critério técnico”, disse Renan, que foi relator da CPI da Covid. “Esse governo não tem critério técnico para nada. Isso dificulta a retomada do crescimento e o fim do voo de galinha da nossa economia.”

Na avaliação do senador, o preço que o País está pagando com o prestígio de aliados, inclusive com emendas de relator, é alto demais. “O Brasil ainda vai conviver muito tempo com isso. O preço que está pagando é irresgatável”, afirmou ele. “Se há uma prioridade no Brasil hoje é a reforma do orçamento público.”

Para o senador Alessandro Vieira, a farra do caminhão de lixo mostra a existência de “um método de apropriação do patrimônio público”. “E esse método agora vai sendo aplicado com extrema voracidade”, afirmou ao Estadão. “Você tem, de um lado, o mal da corrupção, com as coisas sendo conduzidas de modo a abrir espaço para a ocorrência da corrupção; mas você tem, principalmente, a ausência de requisitos mínimos para uma política pública. É o desperdício, é o descaso com os recursos que são de todos.”

Vieira agora prepara uma representação ao Tribunal de Contas da União pedindo a suspensão dos pagamentos para a compra dos caminhões de lixo com indícios de superfaturamento, e a investigação dos pregões suspeitos. Além do senador, também são autores do pedido os deputados Tabata Amaral e Felipe Rigoni.

Juntos, Vieira, Rigoni e Tabata são responsáveis pelo Gabinete Compartilhado, uma equipe que vem fazendo representações aos órgãos de controle, como o TCU. Segundo Rigoni, a situação atual é “preocupante”: desde o começo do governo de Jair Bolsonaro, as ações ajuizadas pelo grupo já pediram o ressarcimento aos cofres públicos de mais de R$ 2 bilhões, e o bloqueio de licitações que somam outros R$ 7 bilhões. “São quase R$ 9 bilhões em gastos que, de uma forma ou de outra estavam irregulares. Independentemente de se houve enriquecimento ilícito ou não, são R$ 9 bilhões gastos de forma inadequada. É quase 30% valor do antigo (programa) Bolsa Família”, disse ele.

As representações anteriores dizem respeito a casos como o da licitação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a compra de ônibus escolares com sobrepreço de R$ 732 milhões, revelado em abril pelo Estadão.

“Coronelismo”

Ex-líder da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB-SP) avalia que o caminhão de lixo é uma necessidade da maioria das cidades. No entanto, a falta de uma política de distribuição compromete a qualidade do gasto público. “O importante é fazer política pública baseada em evidências e sempre com muita transparência e controle social. Infelizmente, o critério é político, com distribuição para quem é próximo ao governo. Como efeito colateral, tem o sobrepreço. O governo tinha que ter um diagnóstico de onde precisa de caminhão de lixo”, afirmou.

O senador Humberto Costa (PT-PE) disse que a farra do caminhão de lixo resume a “cara do governo” Bolsonaro. “Esse governo caracterizou-se por produzir processo de aparelhamento de gestão sem qualquer critério técnico para destinação dos recursos”, destacou. “É a cara do governo e a cara da entrega do governo ao Centrão. Não leva em conta princípios básicos da administração pública.”

De acordo com o líder da Minoria na Câmara, o deputado Alencar Santana (PT-SP), a distribuição de caminhões de lixo por parte do governo Bolsonaro não chega a constituir uma política pública: busca apenas atender a interesses eleitorais.

“As necessidades desses municípios nas outras áreas, e mesmo no saneamento, são outras. E não a distribuição de caminhões, simplesmente”, diz ele, lembrando que a maioria das cidades que recebeu caminhões continua usando lixões, em vez de aterros sanitários. “(O caso) demonstra o lixo que virou este governo. Estamos vendo a volta da política do coronelismo, enxada e voto (livro de Victor Nunes Leal, de 1948), só que talvez modernizado, como ‘Coronelismo, caminhão de lixo e voto’”, disse ele.

Fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco avalia que o atual mau uso das emendas parlamentares cria as condições para casos de corrupção. “As emendas parlamentares, da forma promíscua como vêm sendo executadas, distorcem as políticas públicas, ampliam as desigualdades regionais e municipais, pulverizam recursos em municípios ‘apadrinhados’ politicamente, sem qualquer critério técnico ou parâmetro sócio-econômico, criando condições propícias para o mau uso do dinheiro público e para a corrupção”, disse.

Para a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), casos como o da explosão na compra de caminhões de lixo e o da licitação de ônibus escolares do FNDE mostram uma “distorção da política pública, pois este dinheiro não está indo necessariamente para quem mais precisa, para a coisa que é mais necessária para a população. E quando a gente vai aprofundando surgem os indícios de que os amigos estão sendo favorecidos, de que os preços são maiores do que deveriam, de que há corrupção ali por detrás. E só piora. Infelizmente, isto tem sido uma marca deste governo”, disse ela.

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