BRASÍLIA - Depois de ser um dos primeiros governadores do País a fechar escolas e comércio por causa da pandemia do coronavírus, em março do ano passado, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), mudou radicalmente de postura três meses depois, alinhou-se ao presidente Jair Bolsonaro e disse que “restrições" não serviam para nada. O alinhamento ao discurso do Palácio do Planalto coincide com o processo de liberação de recursos do orçamento secreto por indicação de Ibaneis.
“(A covid-19) Vai ser tratada como uma gripe, como isso deveria ter sido tratado desde o início”, disse ao Estadão em 29 de junho do ano passado. Na época, não se sabia que, três dias antes, em 26 de junho, o Ministério do Desenvolvimento Regional havia autorizado a execução de uma “cota” do governador do DF de R$ 15 milhões no esquema do orçamento secreto, criado pelo presidente Jair Bolsonaro para aumentar sua base de apoio no Congresso e que, como mostrou o Estadão, contemplou também Ibaneis Rocha.
As opiniões e ações de Ibaneis mudaram entre março e junho, coincidindo com a aproximação do governador com Bolsonaro e a indicação, por ele, de recursos do governo federal para obras e compras de veículos e máquinas para o Distrito Federal e o Piauí, Estado de sua família.
Dezessete dias antes de criticar as medidas de restrição, o próprio governador havia dito que iria “até o final” com o isolamento social. No dia 12 de junho, após Bolsonaro publicar decreto incluindo salões de beleza e academias entre serviços essenciais, Ibaneis afirmou que iria contrariar o presidente e manteria os serviços fechados. “Eu fui desde o início nisso (pelo isolamento) e vou até o final, nem que eu tenha que me afundar politicamente", disse o governador ao Estadão na época.
Ibaneis fechou escolas e o comércio do Distrito Federal no início de março do ano passado, logo após a unidade da federação registrar os primeiros casos de contaminação por coronavírus. Tanto ele quanto o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), foram criticados por Bolsonaro pelas restrições à época. “Bolsonaro está dando sinais trocados desde o início do mandato. Está fazendo o que sempre fez. Tenta não ser político, sendo, a vida toda”, declarou o governador do DF, no dia 28 de março.
No fim daquele mês, Ibaneis disse que o último dia da quarentena seria “quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) disser que isso acabou, que teremos tratamento e que pudermos sair com segurança”.
Em abril, porém, o governador se aproximou de Jair Bolsonaro. No dia 22, depois de reunião de uma hora com o presidente no Palácio do Planalto, Ibaneis baixou o tom e disse que “o momento é de União”. Ainda assim, ele continuou defendendo o isolamento e adiou para 11 de maio a reabertura do comércio, prevista anteriormente para o início do mês.
No fim de maio, Ibaneis começou a flexibilizar restrições, abrindo parques e igrejas e shoppings em horário reduzido. Mas foi depois de enviar um ofício ao Ministério Desenvolvimento Regional (MDR) indicando como deveriam ser gastos R$ 15 milhões em recursos da Pasta, como mostrou o Estadão, que o governador mudou radicalmente de postura. Deste valor, R$ 7 milhões foram destinadis para o interior do Piauí, em municípios onde Ibaneis tem extensas fazendas de gado. As terras ficam no extremo sul do Estado, a mais de 800 quilômetros de Brasília.
No dia 26 de junho, o presidente da Codevasf, Marcelo Moreira Pinto, e o secretário de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano do MDR, Tiago Pontes Queiroz, assinaram um Termo de Execução Descentralizada determinando a execução de R$ 15 milhões em recurso “proveniente de emenda de relator” “indicado pelo governador do Distrito Federal, Sr. Ibaneis Rocha”.
Três dias depois, Ibaneis defendeu, na entrevista ao Estadão, a reabertura “sem restrições”. No dia 2 de junho, ele decretou a reabertura total de comércio e escolas do Distrito Federal.
Procurada, a assessoria do governador negou que tenha havido mudança de postura. “Ainda hoje há restrições ao funcionamento de determinadas atividades comerciais. A flexibilização vem sendo feita com responsabilidade, a partir de uma série de indicadores da equipe da Secretaria de Saúde”.
Origem. Nesta quinta-feira, a reportagem voltou a cobrar do governo do DF como se deu a articulação para que o chefe do Executivo local pudesse indicar fatia da emenda de relator-geral do Orçamento – algo que não tem previsão na legislação orçamentária.
Em nota, o Palácio do Buriti informou apenas que "a emenda orçamentária foi proposta pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO)", líder do governo Bolsonaro no Congresso.
O nome do emedebista do Tocantins, porém, não aparece no documento do ministério sobre a destinação de R$ 15 milhões para obras no DF por meio da Codevasf.
Por meio da assessoria, o senador Eduardo Gomes informou que, por ser relator setorial do orçamento, pôde atender demandas para destinar parte da emenda de relator-geral.
Questionado sobre o documento do governo que traz expressamente o governador do DF, Ibaneis Rocha, como o responsável pela indicação de R$ 15 milhões e obras, a assessoria informou que "governador não pode indicar, só quem pode indicar são os parlamentares".
Linha do tempo: As mudanças de Ibaneis Rocha na pandemia
11/03/2020 – O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, é o primeiro do país a determinar o fechamento de escolas e eventos públicos. Na época, o DF tinha dois casos de contaminação por coronavírus.
19/03/2020 – Ibaneis determina o fechamento de todo o comércio, mantendo apenas supermercados, farmácias e padarias abertos.
28/03/2020 – O governador defende a quarentena e critica o presidente. “Bolsonaro está dando sinais trocados desde o início do mandato. O presidente Bolsonaro, desde o início do mandato dele, está fazendo o que sempre fez. Tenta não ser político, sendo, a vida toda."
31/03/2020 – Ibaneis estende a quarentena até o fim de maio “Não tem último dia de quarentena. O último dia será quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) disser que isso acabou, que teremos tratamento e que pudermos sair com segurança”, disse ao Estadão na época.
16/04/2020 – Ibaneis marca reabertura do comércio para 3 de maio com exigências como testagem de funcionários e uso de equipamentos de proteção.
22/04/2020 – Depois de reunião de uma hora com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, Ibaneis baixou o tom e disse que “o momento é de União”.
29/04/2020 – Mesmo após aproximação com Bolsonaro, Ibaneis adia para 11 de maio a reabertura do comércio.
12/05/2020 – Após Bolsonaro publicar decreto incluindo salões de beleza e academias entre serviços essenciais, Ibaneis diz que vai manter serviços fechados. “Eu fui desde o início nisso (pelo isolamento) e vou até o final, nem que eu tenha que me afundar politicamente", disse o governador ao Estadão/Broadcast Político na época.
23/05/2020 – Ibaneis começa a flexibilizar as medidas de restrição e permite abertura de shoppings em horário reduzido.
30/05/2020 – Ibaneis determina reabertura de parques e igrejas
17/06/2020 – Ibaneis Rocha envia ofício ao Ministério do Desenvolvimento Regionalindicando como deveriam ser gastos R$ 15 milhões em recursos da Pasta provenientes de emenda de relator no Orçamento
26/06/2020 – Presidente da Codevasf, Marcelo Moreira Pinto , e secretário de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano do MDR, Tiago Pontes Queiroz, assinam o Termo de Execução Descentralizada determinando a execução de R$ 15 milhões em recurso “proveniente de emenda de relator” “indicado pelo governador do Distrito Federal, Sr. Ibaneis Rocha”.
29/06/2020 – Governador do DF defende reabertura sem restrições. “(A covid-19) Vai ser tratada como uma gripe, como isso deveria ter sido tratado desde o início”, disse, em entrevista ao Estadão na época.
02/06/2020 – Ibaneisdecreta reabertura total de comércio e escolas do Distrito Federal