Reeleito prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) terá o desafio de acomodar mais partidos no primeiro escalão de seu novo governo e lidar com uma Câmara Municipal sem a liderança de Milton Leite (União), que vai se aposentar da política. A nova composição da Casa inclui uma bancada de bolsonaristas aguerridos e vereadores de perfil mais independente, o que poderá demandar mais habilidade do Executivo para aprovar projetos de seu interesse.
As negociações envolvendo a composição do próximo governo começam a se desenrolar nesta segunda-feira, e aliados de Ricardo Nunes já preveem um caminho longo e desafiador para acomodar parte da supercoligação que garantiu sua reeleição. Nunes teve o apoio de 11 partidos, incluindo o MDB, PL, PP, União Brasil, PSD, Republicanos, Solidariedade, Podemos, Avante, PRD e Mobiliza. Atualmente, a Prefeitura opera com 35 secretarias.
Nos últimos dias, correligionários de Nunes evitaram comentar sobre a distribuição de cargos entre os partidos, mas a expectativa é que o PL amplie seu espaço no governo. O partido, que doou R$ 17 milhões à campanha, abriu mão de lançar candidato próprio e ainda indicou o vice-prefeito, coronel Ricardo Mello Araújo (PL). Esses fatores, somados à eleição de 7 vereadores — segunda maior bancada ao lado do União Brasil e do próprio MDB — devem pesar nas negociações.
Na gestão atual, o PL ocupa apenas a Secretaria do Verde e Meio Ambiente. Segundo o vereador Isac Félix, presidente municipal do partido, o PL vai compor o governo com espaços maiores.
“O partido vai querer uma secretaria de expressão, e a bancada de 7 vereadores vai ter que ser acomodada dentro dos espaços do governo. Mas não há nada definido ainda”, disse o parlamentar, acrescentando que o papel de Mello Araújo na nova gestão será definido pelo coronel juntamente ao prefeito. “Acho que o Ricardo vai aproveitar ele na Segurança, mas é uma conversa dos dois.”
Tamanho da bancada terá peso
De acordo com fontes próximas ao prefeito, o tamanho das bancadas na Câmara Municipal será um fator determinante para a definição do espaço dos partidos no primeiro escalão. Nesse cenário, o Podemos deve ganhar mais protagonismo, já que dobrou o número de vereadores, passando de três em 2020 para seis eleitos este ano. Na atual gestão, a legenda não possui um filiado no primeiro escalão, mas o secretário de Esportes, Felipe Becari, do União Brasil, é visto como uma indicação pessoal da presidente do Podemos, a deputada federal Renata Abreu.
O União Brasil, que fez uma generosa bancada de 7 vereadores — um a mais que na eleição anterior —, buscará manter o espaço que ocupa atualmente no governo. O partido controla a Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito. Agora, também pretende indicar os responsáveis pela Secretaria de Mananciais e pela Secretaria da Causa Animal. A criação das duas pastas, que não fazem parte da atual estrutura municipal, foi uma das condições impostas pelo partido para integrar a aliança do prefeito.
Presidente estadual do PP, Maurício Neves disse ao Estadão que o apoio da sigla a Nunes não foi condicionado a uma secretaria específica, mas espera que o partido tenha uma representação no primeiro escalão proporcional ao seu tamanho. A bancada da legenda dobrou de 2 para 4 parlamentares, o que tende a significar mais espaço nas subprefeituras para atender aos vereadores. Atualmente, o PP comanda a Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia.
O Republicanos, partido do governador Tarcísio de Freitas, principal cabo eleitoral de Nunes nesta eleição, quer preservar a liderança da Secretaria de Habitação (Sehab) e da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab), vinculada à pasta.
“Esperamos continuar nosso trabalho à frente da Sehab, onde realizamos muitas entregas, juntamente com a gestão da Cohab, que integra a mesma área. Hoje também contamos com a Secretaria de Turismo, mas é uma indicação do Tarcísio”, afirma o vereador André Santos, presidente do Republicanos na capital paulista.
“Vamos nos reunir agora, após a eleição, para discutir as indicações. A conversa com o prefeito foi clara: vamos aguardar o fim da eleição para tratar disso. É claro que os partidos fizeram suas observações”, disse o vereador, destacando que o Republicanos abriu mão de lançar candidato, diferentemente das eleições anteriores. “Quando lançamos o Celso Russomanno, tivemos 96 mil votos de legenda. Agora, foram 46 mil. A decisão de não lançar candidato e apoiar o Ricardo desde o começo certamente será um fator decisivo na escolha do secretariado”, completou.
Aliados de Nunes afirmam que o novo secretariado deverá refletir mais sua identidade. Durante a gestão atual, o prefeito manteve nomes indicados por seu antecessor, Bruno Covas, em respeito a ele e para evitar a impressão de ruptura. Agora, a expectativa é que Nunes imprima um toque pessoal ao novo secretariado, mantendo na equipe pessoas mais próximas, como o atual chefe da Casa Civil, Fabrício Cobra, o secretário de Governo, Edson Aparecido, e Enrico Misasi, presidente municipal do MDB, que atuava na Secretaria Executiva de Relações Institucionais. Esses nomes são vistos como o “núcleo duro” de Nunes no governo.
Câmara Municipal sem Milton Leite será desafio para Nunes
Embora o governo tenha eleito 36 dos 55 vereadores, garantindo uma base numerosa, André Santos acredita que Nunes enfrentará maiores desafios com a governabilidade nesta nova gestão, já que muitos dos eleitos têm um perfil mais independente.
“Teremos uma presença maior da extrema direita na Casa e vereadores que tendem a agir de forma mais autônoma, como o Lucas Pavanato (PL), a Amanda Vettorazzo (União Brasil) e a Janaina Paschoal (PP)”, afirma o vereador. Rubinho Nunes (União Brasil) vai na mesma linha. “Eu acredito que a relação vai ser projeto a projeto, diferente do que foi nos últimos quatro anos. Além da oposição, foi eleita uma quantidade significativa de vereadores independentes”, disse ele.
João Jorge (MDB), contudo, considera que o prefeito terá margem tranquila para aprovar a maioria das suas propostas. “95% dos projetos apresentados a gente passa com 28 votos. As exceções são projetos de mudança de zoneamento ou do Plano Diretor, que ora precisam de 33, ora de 37 votos. Aí temos que conversar com a oposição”, declarou.
Tanto as lideranças da Câmara quanto os aliados de Nunes expressam dúvidas sobre como será a relação da Prefeitura com a Casa na ausência da presença de Milton Leite. O vereador do União Brasil, que está em seu quarto mandato consecutivo como presidente da Câmara, é um aliado de primeira ordem de Nunes e possui grande ingerência sobre as votações da Casa.
Correligionários do prefeito acreditam que dificilmente o próximo líder da Casa terá tanto domínio sobre os vereadores, o que pode acrescentar uma dose extra de dificuldade para a relação entre o Legislativo e o Executivo municipais. Há ainda a perspectiva de que as emendas parlamentares se tornem impositivas, diminuindo o espaço para negociar a liberação de verbas em troca da aprovação de projetos.
Sucessão de Leite é incógnita
A sucessão de Milton Leite ainda é uma incógnita para os vereadores. Em julho, o PL anunciou que havia fechado o seguinte acordo: apoiaria um candidato a presidente do União Brasil em 2025 em troca dE o partido aceitar a indicação de Mello Araújo como vice. O acerto também envolveria o MDB, partido do prefeito.
Líderes e integrantes de outras bancadas contradizem essa alegação. João Jorge afirma que não foi informado sobre acordo e que pretende conversar com Nunes e o MDB a partir desta segunda-feira porque quer disputar o comando da Casa.
No ano passado, antes de Milton Leite realizar uma manobra para permanecer no comando da Câmara, o vereador Rubinho Nunes (União) era considerado seu sucessor. O nome de Rubinho é bem aceito pelos parlamentares, mas o vereador se tornou persona non grata para o prefeito após tê-lo “traído” e apoiado a candidatura de Pablo Marçal (PRTB).
Em razão desse episódio, vereadores acreditam que Milton Leite terá dificuldades de emplacar o nome do aliado para a próxima legislatura e não descartam a indicação de outro vereador da sigla. O natural, segundo líderes partidários, é que ele tente eleger um nome próximo para sucedê-lo, seja Rubinho ou outro integrante da bancada do União Brasil.
Ao Estadão, Isac Félix disse que, se existe acordo, o PL irá cumprir. Vereadores afirmam que ele iniciou uma articulação para se lançar candidato, mas foi barrado por Valdemar Costa Neto. O presidente do PL disse à Folha de S.Paulo que é preciso cumprir a promessa feita ao União Brasil.
Embora sinalize ter abortado o plano inicial, Félix tem buscado apoio para mudar a Lei Orgânica e retomar a regra original de que é permitida ao presidente apenas uma reeleição — o que lhe daria mais margem para tentar uma candidatura no futuro. A norma foi alterada duas vezes por Milton Leite para tornar possível reeleições ilimitadas, permitindo que ele ficasse quatro anos consecutivos no comando do Legislativo municipal.