Antes de ser advogado, César Santos Crisóstomo, que move uma ação contra o coach e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB), tentou trabalhar com coaching – palavra inglesa que significa “treinamento”, usada no contexto de cursos e palestras motivacionais. Crisóstomo cobra na Justiça que Marçal cumpra a promessa de pagar US$ 1 milhão para quem encontrasse um processo movido por ele, “contra alguém” por “qualquer coisa”. O advogado, que antes oferecia serviços de psicanálise e hipnose, encontrou dez ações e agora quer a quantia de cerca de R$ 51 milhões do pré-candidato.
Crisóstomo se formou no curso de Direito pelo Centro Universitário da Grande Fortaleza, no Ceará, em 2020, e foi aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em junho de 2022. Nas redes sociais, se descreve diretor na OAB do Ceará. Na Ordem, porém, suas funções são outras. Ele integra as comissões de Acompanhamento de Licitações e Contratos, como um dos 40 membros efetivos, e de Direito Penitenciário, com outros 55 membros consultivos, no período entre 2022 e 2024.
O advogado iniciante de 41 anos é especializado em agronegócio, mas também já ofereceu serviços na área criminal e de regularização de imóveis. Antes de migrar para o Direito, Crisóstomo afirmava ser coach, oferecendo serviços de hipnose e PNL (programação neurolinguística) – pseudociências comumente utilizadas por mentores que prometem melhorar a vida dos clientes com técnicas que se baseiam na “força do pensamento”.
Nas redes sociais, Crisóstomo publicava frases motivacionais, ofertava cursos de “inteligência emocional” e mostrava diplomas de cursos on-line de psicanálise e hipnose, de abril de 2021 até janeiro de 2022. Procurado pelo Estadão, o advogado disse que fez os cursos para “se curar” de traumas pessoais e que, apesar de anunciar os serviços e até participar de um programa na televisão local, nunca conseguiu trabalhar na área.
O agora defensor também se aventurou anteriormente no mercado de bitcoins, época em que alegava que a mineração das criptomoedas “era melhor que minerar ouro”. Dos perfis nas redes sociais com conteúdos publicados antes da advocacia restou somente o do Facebook, que permanece o mesmo, com posts sobre bitcoins e hipnose.
Apesar de as atividades divulgadas pelo cearense envolverem as áreas de Direito e coach, bancos de dados públicos indicam que Crisóstomo esteve registrado em outras duas atividades: fabricação de laticínios e serviços de táxi. Antes de exercer a advocacia, ele disse que trabalhava formalmente como socioeducador no governo do Ceará.
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Em março deste ano, Pablo Marçal disse ao vivo durante uma entrevista ao programa Pânico, da Jovem Pan, que pagaria US$ 1 milhão para a pessoa que encontrasse algum processo movido por ele, independentemente de pessoa física ou pessoa jurídica. Conforme a ação movida por Crisóstomo, são oito processos protocolados em 2022, um processo iniciado em 2023 e um habeas corpus, também no ano passado.
A juíza da 2ª Vara Cível de Barueri que acompanha o caso decidiu nesta quinta-feira, 2, que o advogado deve juntar ao processo provas de que não pode arcar com as custas processuais para ter acesso à Justiça gratuita. A medida garantiria a suspensão dos custos processuais que podem chegar a 20% do valor da causa – neste caso, de R$ 10,2 milhões.
Marçal é nacionalmente conhecido pelos treinamentos que oferece, em que a “força de vontade” dos alunos é o que supostamente proporcionará bons resultados a eles. Nas redes sociais, se define como escritor e investidor. Pré-candidato à Prefeitura, ele tentou concorrer à Presidência pelo PROS (incorporado ao Solidariedade) nas eleições de 2022. O partido, entretanto, cancelou o registro de candidatura do influenciador para apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na carreira de coach, Marçal é envolvido em diversas polêmicas, como as mortes de dois funcionários: um de 26 anos, durante uma “maratona surpresa” organizada pela empresa, e outra de um técnico de audiovisual, que sofreu uma descarga elétrica em um estúdio de Marçal. Em junho de 2023, foi alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) para investigar crimes eleitorais de falsidade ideológica, apropriação indébita e lavagem de capitais, quando foi candidato a deputado federal pelo PROS – e depois cassado pela Justiça. A defesa alegou, na época, que nenhum ilícito foi praticado.
Ao Estadão, o advogado César Santos Crisóstomo afirmou ter tentado contato com Marçal para fazer a cobrança do montante prometido ao vivo. “Mas, no silêncio, ingressei com a ação”, disse. Crisóstomo dirigia seu carro enquanto ouvia o rádio e, aos se deparar com a promessa de Marçal, resolveu fazer as buscas pelos tribunais do País. “Espero que ele pague o valor prometido”, afirmou.
Em uma palestra nesta quinta, Marçal chamou a atitude do advogado de o “ápice do fracassado”, por ele ter ingressado na Justiça solicitando o pagamento. Crisóstomo afirmou que moverá uma nova ação por danos morais contra o pré-candidato. “Até agora, ele só está com promessa e com desculpa. Para querer sair por cima, ele usa da arrogância, da prepotência, de insultar, de diminuir o advogado.”
“Se ele não consegue cumprir compromissos de um cidadão só, que está fazendo a cobrança na Justiça, como é que esse cara vai ser capaz de cumprir o compromisso com milhões de pessoas?”, questionou o advogado, informando que não tinha conhecimento anteriormente de que Marçal é pré-candidato à Prefeitura da capital paulista.