Partes sem sigilo de inquéritos de milícias digitais e fake news não citam pedidos de Moraes ao TSE


Ministro havia apontado que relatórios constavam de inquéritos; especialistas criticam falta de transparência, sobretudo quanto à falta de menção ao fato de que ministro foi quem determinou produção dos documentos; STF não se manifestou

Por Hugo Henud e Heitor Mazzoco

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes deixou de incluir nos documentos públicos do inquérito das milícias digitais qualquer menção ao envolvimento da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na produção de relatórios que embasam as investigações. Já no inquérito das fake news, embora o órgão seja citado nos atos processuais que não estão sob sigilo, não há referência de que a ordem para produzir relatórios tenha partido do gabinete de Moraes.

O Estadão analisou quase 7.000 páginas de 700 peças públicas (documentos que compõem o inquérito, como ofícios, petições de defesa, procurações e decisões) referentes ao inquérito das milícias digitais disponíveis no sistema do Supremo.

Nesta terça-feira, 13, reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que Moraes ordenou, de forma não oficial, a produção de relatórios pelo TSE para embasar suas decisões contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em resposta às revelações, Moraes afirmou que, no curso dos dois inquéritos, “diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral”, que “os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais” e que “vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República.”

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Procurado pela reportagem para saber por qual motivo esses relatórios ou o órgão não aparecem em peças públicas do inquérito das milícias digitais, ou por qual motivo a ordem para a feitura dos documentos não aparece na investigação das fake news, o Supremo ainda não retornou com um posicionamento. O espaço permanece aberto para manifestação.

Alexandre de Moraes, ministro do STF, apontou que relatórios do TSE estavam em inquéritos das milícias digitais e das fake news Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasil

Juristas ouvidos pelo Estadão avaliam que, embora as atribuições constitucionais permitam os atos praticados pelo ministro, tanto a ausência de menção ao órgão no inquérito das milícias digitais quanto a falta de transparência no inquérito das fake news sobre o fato de que a determinação para a AEED produzir relatórios partiu de Moraes prejudicam as partes envolvidas e comprometem a legitimidade e a reputação da Corte.

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O jurista e professor do Insper, Luiz Gomes Esteves, ressalta que a menção ao órgão do TSE nas peças do inquérito das milícias digitais é fundamental para garantir a devida transparência às partes investigadas e para fortalecer a legitimidade da instituição perante a sociedade.

“Se esses documentos não existem ou se não constam nos autos do inquérito, eu acho que isso é um problema, um problema de transparência significativo. Sobretudo se considerarmos que as pessoas que estão sendo investigadas e seus defensores precisam ter acesso ao material utilizado para a realização desta investigação. Então, eu imagino que, sim, há um problema de transparência ali”, diz.

Se esses documentos não existem ou não constam nos autos do inquérito, eu acho que isso é um problema, um problema de transparência significativo”

Luiz Gomes Esteves, jurista e professor do Insper

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Para o professor de direito penal da USP Gustavo Badaró, o fato de que, no inquérito das fake news, não esteja claramente expresso que os pedidos à AEED foram feitos por determinação do ministro, também é passível de críticas, já que, em sua avaliação, a conduta fere a transparência da decisão.

“Não há menor dúvida: tanto a solicitação quanto a informação elaborada pelo TSE deveriam ser juntadas aos autos [no STF]. O correto seria a própria requisição estar documentada no inquérito. Se um juiz pode solicitar ao setor de desinformação do TSE esse tipo de informação, o correto seria que constasse um ofício nos autos dos inquéritos, ainda que, fisicamente, seja a mesma pessoa, Alexandre de Moraes. O correto seria que houvesse um ofício, um registro, dizendo: ‘Nesta data, solicita-se ao órgão tal do TSE um relatório sobre fulano de tal.’, diz.

Não há menor dúvida: tanto a solicitação quanto a informação elaborada pelo TSE deveriam ser juntadas aos autos [no STF]. O correto seria a própria requisição estar documentada no inquérito.

Gustavo Badaró, professor de direito penal da USP

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Na mesma linha, o criminalista e jurista Alberto Toron avalia que o comportamento de Moraes, marcado pela ausência de determinação ao órgão do TSE nas decisões do inquérito das fake news, pode colocar em dúvida sua imparcialidade. ”Grave é isso aparecer como algo espontâneo, quando não o foi, e sim por ordem do ministro. Pior ainda é, no exercício da jurisdição no STF, a clara perda da imparcialidade. Isso me parece grave”, pontua.

Grave é isso aparecer como algo espontâneo, quando não o foi, e sim por ordem do ministro.

Alberto Toron, criminalista

Acúmulo de funções não justifica falta de transparência

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O acúmulo de funções e poder no Judiciário, decorrente do desenho constitucional brasileiro, que permite a um mesmo ministro atuar simultaneamente como relator no STF e presidente do TSE, não justifica, por si só, a falta de transparência e de ritos formais na atuação de Moraes nesses casos, conforme explica Luiz Gomes Esteves.

O jurista também ressalta que a comunicação em um processo jurídico deve zelar pela impessoalidade e formalidade, predicados que, segundo ele, faltaram aos assessores do ministro.

“É muito importante que a comunicação seja formalizada, pois todos esses agentes são servidores públicos e precisam fundamentar suas decisões, especialmente aquelas tomadas no âmbito de uma investigação criminal”.

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Esteves aponta ainda que o próprio escopo de atuação do órgão, que em tese deveria se limitar ao âmbito eleitoral, aparentemente foi utilizado para outros temas e investigações, extrapolando sua competência jurisdicional.

“Essa assessoria do TSE tem um papel limitado a questões relacionadas ao processo eleitoral; não é uma assessoria que pode produzir informações ou exercer o poder de polícia, sobretudo. Portanto, ela está limitada a questões relacionadas a eleições. Nesse contexto, eu diria que é ainda mais importante, além da elaboração de um ofício ou documento formalizado, compreender se os pedidos de investigação ou de produção de informações estão realmente relacionados ao papel que o TSE desempenha no nosso sistema político”, diz.

“O escopo do inquérito das fake news não se confunde com o da justiça eleitoral. Existem alguns temas investigados no inquérito das fake news que não são relacionados a eleições, assim como há temas de competência da justiça eleitoral que não estão vinculados ao inquérito das fake news. Portanto, é necessário separar as duas coisas e olhar com muito cuidado todas as decisões tomadas no âmbito do inquérito e as decisões relacionadas ao TSE, para entender se alguma dessas decisões tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, ou algum dos pedidos realizados por ele, ultrapassa os limites de sua atuação, seja como relator do inquérito das fake news, seja como presidente do TSE”, completa.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes deixou de incluir nos documentos públicos do inquérito das milícias digitais qualquer menção ao envolvimento da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na produção de relatórios que embasam as investigações. Já no inquérito das fake news, embora o órgão seja citado nos atos processuais que não estão sob sigilo, não há referência de que a ordem para produzir relatórios tenha partido do gabinete de Moraes.

O Estadão analisou quase 7.000 páginas de 700 peças públicas (documentos que compõem o inquérito, como ofícios, petições de defesa, procurações e decisões) referentes ao inquérito das milícias digitais disponíveis no sistema do Supremo.

Nesta terça-feira, 13, reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que Moraes ordenou, de forma não oficial, a produção de relatórios pelo TSE para embasar suas decisões contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em resposta às revelações, Moraes afirmou que, no curso dos dois inquéritos, “diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral”, que “os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais” e que “vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República.”

Procurado pela reportagem para saber por qual motivo esses relatórios ou o órgão não aparecem em peças públicas do inquérito das milícias digitais, ou por qual motivo a ordem para a feitura dos documentos não aparece na investigação das fake news, o Supremo ainda não retornou com um posicionamento. O espaço permanece aberto para manifestação.

Alexandre de Moraes, ministro do STF, apontou que relatórios do TSE estavam em inquéritos das milícias digitais e das fake news Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasil

Juristas ouvidos pelo Estadão avaliam que, embora as atribuições constitucionais permitam os atos praticados pelo ministro, tanto a ausência de menção ao órgão no inquérito das milícias digitais quanto a falta de transparência no inquérito das fake news sobre o fato de que a determinação para a AEED produzir relatórios partiu de Moraes prejudicam as partes envolvidas e comprometem a legitimidade e a reputação da Corte.

O jurista e professor do Insper, Luiz Gomes Esteves, ressalta que a menção ao órgão do TSE nas peças do inquérito das milícias digitais é fundamental para garantir a devida transparência às partes investigadas e para fortalecer a legitimidade da instituição perante a sociedade.

“Se esses documentos não existem ou se não constam nos autos do inquérito, eu acho que isso é um problema, um problema de transparência significativo. Sobretudo se considerarmos que as pessoas que estão sendo investigadas e seus defensores precisam ter acesso ao material utilizado para a realização desta investigação. Então, eu imagino que, sim, há um problema de transparência ali”, diz.

Se esses documentos não existem ou não constam nos autos do inquérito, eu acho que isso é um problema, um problema de transparência significativo”

Luiz Gomes Esteves, jurista e professor do Insper

Para o professor de direito penal da USP Gustavo Badaró, o fato de que, no inquérito das fake news, não esteja claramente expresso que os pedidos à AEED foram feitos por determinação do ministro, também é passível de críticas, já que, em sua avaliação, a conduta fere a transparência da decisão.

“Não há menor dúvida: tanto a solicitação quanto a informação elaborada pelo TSE deveriam ser juntadas aos autos [no STF]. O correto seria a própria requisição estar documentada no inquérito. Se um juiz pode solicitar ao setor de desinformação do TSE esse tipo de informação, o correto seria que constasse um ofício nos autos dos inquéritos, ainda que, fisicamente, seja a mesma pessoa, Alexandre de Moraes. O correto seria que houvesse um ofício, um registro, dizendo: ‘Nesta data, solicita-se ao órgão tal do TSE um relatório sobre fulano de tal.’, diz.

Não há menor dúvida: tanto a solicitação quanto a informação elaborada pelo TSE deveriam ser juntadas aos autos [no STF]. O correto seria a própria requisição estar documentada no inquérito.

Gustavo Badaró, professor de direito penal da USP

Na mesma linha, o criminalista e jurista Alberto Toron avalia que o comportamento de Moraes, marcado pela ausência de determinação ao órgão do TSE nas decisões do inquérito das fake news, pode colocar em dúvida sua imparcialidade. ”Grave é isso aparecer como algo espontâneo, quando não o foi, e sim por ordem do ministro. Pior ainda é, no exercício da jurisdição no STF, a clara perda da imparcialidade. Isso me parece grave”, pontua.

Grave é isso aparecer como algo espontâneo, quando não o foi, e sim por ordem do ministro.

Alberto Toron, criminalista

Acúmulo de funções não justifica falta de transparência

O acúmulo de funções e poder no Judiciário, decorrente do desenho constitucional brasileiro, que permite a um mesmo ministro atuar simultaneamente como relator no STF e presidente do TSE, não justifica, por si só, a falta de transparência e de ritos formais na atuação de Moraes nesses casos, conforme explica Luiz Gomes Esteves.

O jurista também ressalta que a comunicação em um processo jurídico deve zelar pela impessoalidade e formalidade, predicados que, segundo ele, faltaram aos assessores do ministro.

“É muito importante que a comunicação seja formalizada, pois todos esses agentes são servidores públicos e precisam fundamentar suas decisões, especialmente aquelas tomadas no âmbito de uma investigação criminal”.

Esteves aponta ainda que o próprio escopo de atuação do órgão, que em tese deveria se limitar ao âmbito eleitoral, aparentemente foi utilizado para outros temas e investigações, extrapolando sua competência jurisdicional.

“Essa assessoria do TSE tem um papel limitado a questões relacionadas ao processo eleitoral; não é uma assessoria que pode produzir informações ou exercer o poder de polícia, sobretudo. Portanto, ela está limitada a questões relacionadas a eleições. Nesse contexto, eu diria que é ainda mais importante, além da elaboração de um ofício ou documento formalizado, compreender se os pedidos de investigação ou de produção de informações estão realmente relacionados ao papel que o TSE desempenha no nosso sistema político”, diz.

“O escopo do inquérito das fake news não se confunde com o da justiça eleitoral. Existem alguns temas investigados no inquérito das fake news que não são relacionados a eleições, assim como há temas de competência da justiça eleitoral que não estão vinculados ao inquérito das fake news. Portanto, é necessário separar as duas coisas e olhar com muito cuidado todas as decisões tomadas no âmbito do inquérito e as decisões relacionadas ao TSE, para entender se alguma dessas decisões tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, ou algum dos pedidos realizados por ele, ultrapassa os limites de sua atuação, seja como relator do inquérito das fake news, seja como presidente do TSE”, completa.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes deixou de incluir nos documentos públicos do inquérito das milícias digitais qualquer menção ao envolvimento da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na produção de relatórios que embasam as investigações. Já no inquérito das fake news, embora o órgão seja citado nos atos processuais que não estão sob sigilo, não há referência de que a ordem para produzir relatórios tenha partido do gabinete de Moraes.

O Estadão analisou quase 7.000 páginas de 700 peças públicas (documentos que compõem o inquérito, como ofícios, petições de defesa, procurações e decisões) referentes ao inquérito das milícias digitais disponíveis no sistema do Supremo.

Nesta terça-feira, 13, reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que Moraes ordenou, de forma não oficial, a produção de relatórios pelo TSE para embasar suas decisões contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em resposta às revelações, Moraes afirmou que, no curso dos dois inquéritos, “diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral”, que “os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais” e que “vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República.”

Procurado pela reportagem para saber por qual motivo esses relatórios ou o órgão não aparecem em peças públicas do inquérito das milícias digitais, ou por qual motivo a ordem para a feitura dos documentos não aparece na investigação das fake news, o Supremo ainda não retornou com um posicionamento. O espaço permanece aberto para manifestação.

Alexandre de Moraes, ministro do STF, apontou que relatórios do TSE estavam em inquéritos das milícias digitais e das fake news Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasil

Juristas ouvidos pelo Estadão avaliam que, embora as atribuições constitucionais permitam os atos praticados pelo ministro, tanto a ausência de menção ao órgão no inquérito das milícias digitais quanto a falta de transparência no inquérito das fake news sobre o fato de que a determinação para a AEED produzir relatórios partiu de Moraes prejudicam as partes envolvidas e comprometem a legitimidade e a reputação da Corte.

O jurista e professor do Insper, Luiz Gomes Esteves, ressalta que a menção ao órgão do TSE nas peças do inquérito das milícias digitais é fundamental para garantir a devida transparência às partes investigadas e para fortalecer a legitimidade da instituição perante a sociedade.

“Se esses documentos não existem ou se não constam nos autos do inquérito, eu acho que isso é um problema, um problema de transparência significativo. Sobretudo se considerarmos que as pessoas que estão sendo investigadas e seus defensores precisam ter acesso ao material utilizado para a realização desta investigação. Então, eu imagino que, sim, há um problema de transparência ali”, diz.

Se esses documentos não existem ou não constam nos autos do inquérito, eu acho que isso é um problema, um problema de transparência significativo”

Luiz Gomes Esteves, jurista e professor do Insper

Para o professor de direito penal da USP Gustavo Badaró, o fato de que, no inquérito das fake news, não esteja claramente expresso que os pedidos à AEED foram feitos por determinação do ministro, também é passível de críticas, já que, em sua avaliação, a conduta fere a transparência da decisão.

“Não há menor dúvida: tanto a solicitação quanto a informação elaborada pelo TSE deveriam ser juntadas aos autos [no STF]. O correto seria a própria requisição estar documentada no inquérito. Se um juiz pode solicitar ao setor de desinformação do TSE esse tipo de informação, o correto seria que constasse um ofício nos autos dos inquéritos, ainda que, fisicamente, seja a mesma pessoa, Alexandre de Moraes. O correto seria que houvesse um ofício, um registro, dizendo: ‘Nesta data, solicita-se ao órgão tal do TSE um relatório sobre fulano de tal.’, diz.

Não há menor dúvida: tanto a solicitação quanto a informação elaborada pelo TSE deveriam ser juntadas aos autos [no STF]. O correto seria a própria requisição estar documentada no inquérito.

Gustavo Badaró, professor de direito penal da USP

Na mesma linha, o criminalista e jurista Alberto Toron avalia que o comportamento de Moraes, marcado pela ausência de determinação ao órgão do TSE nas decisões do inquérito das fake news, pode colocar em dúvida sua imparcialidade. ”Grave é isso aparecer como algo espontâneo, quando não o foi, e sim por ordem do ministro. Pior ainda é, no exercício da jurisdição no STF, a clara perda da imparcialidade. Isso me parece grave”, pontua.

Grave é isso aparecer como algo espontâneo, quando não o foi, e sim por ordem do ministro.

Alberto Toron, criminalista

Acúmulo de funções não justifica falta de transparência

O acúmulo de funções e poder no Judiciário, decorrente do desenho constitucional brasileiro, que permite a um mesmo ministro atuar simultaneamente como relator no STF e presidente do TSE, não justifica, por si só, a falta de transparência e de ritos formais na atuação de Moraes nesses casos, conforme explica Luiz Gomes Esteves.

O jurista também ressalta que a comunicação em um processo jurídico deve zelar pela impessoalidade e formalidade, predicados que, segundo ele, faltaram aos assessores do ministro.

“É muito importante que a comunicação seja formalizada, pois todos esses agentes são servidores públicos e precisam fundamentar suas decisões, especialmente aquelas tomadas no âmbito de uma investigação criminal”.

Esteves aponta ainda que o próprio escopo de atuação do órgão, que em tese deveria se limitar ao âmbito eleitoral, aparentemente foi utilizado para outros temas e investigações, extrapolando sua competência jurisdicional.

“Essa assessoria do TSE tem um papel limitado a questões relacionadas ao processo eleitoral; não é uma assessoria que pode produzir informações ou exercer o poder de polícia, sobretudo. Portanto, ela está limitada a questões relacionadas a eleições. Nesse contexto, eu diria que é ainda mais importante, além da elaboração de um ofício ou documento formalizado, compreender se os pedidos de investigação ou de produção de informações estão realmente relacionados ao papel que o TSE desempenha no nosso sistema político”, diz.

“O escopo do inquérito das fake news não se confunde com o da justiça eleitoral. Existem alguns temas investigados no inquérito das fake news que não são relacionados a eleições, assim como há temas de competência da justiça eleitoral que não estão vinculados ao inquérito das fake news. Portanto, é necessário separar as duas coisas e olhar com muito cuidado todas as decisões tomadas no âmbito do inquérito e as decisões relacionadas ao TSE, para entender se alguma dessas decisões tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, ou algum dos pedidos realizados por ele, ultrapassa os limites de sua atuação, seja como relator do inquérito das fake news, seja como presidente do TSE”, completa.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes deixou de incluir nos documentos públicos do inquérito das milícias digitais qualquer menção ao envolvimento da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na produção de relatórios que embasam as investigações. Já no inquérito das fake news, embora o órgão seja citado nos atos processuais que não estão sob sigilo, não há referência de que a ordem para produzir relatórios tenha partido do gabinete de Moraes.

O Estadão analisou quase 7.000 páginas de 700 peças públicas (documentos que compõem o inquérito, como ofícios, petições de defesa, procurações e decisões) referentes ao inquérito das milícias digitais disponíveis no sistema do Supremo.

Nesta terça-feira, 13, reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que Moraes ordenou, de forma não oficial, a produção de relatórios pelo TSE para embasar suas decisões contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em resposta às revelações, Moraes afirmou que, no curso dos dois inquéritos, “diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral”, que “os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais” e que “vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República.”

Procurado pela reportagem para saber por qual motivo esses relatórios ou o órgão não aparecem em peças públicas do inquérito das milícias digitais, ou por qual motivo a ordem para a feitura dos documentos não aparece na investigação das fake news, o Supremo ainda não retornou com um posicionamento. O espaço permanece aberto para manifestação.

Alexandre de Moraes, ministro do STF, apontou que relatórios do TSE estavam em inquéritos das milícias digitais e das fake news Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasil

Juristas ouvidos pelo Estadão avaliam que, embora as atribuições constitucionais permitam os atos praticados pelo ministro, tanto a ausência de menção ao órgão no inquérito das milícias digitais quanto a falta de transparência no inquérito das fake news sobre o fato de que a determinação para a AEED produzir relatórios partiu de Moraes prejudicam as partes envolvidas e comprometem a legitimidade e a reputação da Corte.

O jurista e professor do Insper, Luiz Gomes Esteves, ressalta que a menção ao órgão do TSE nas peças do inquérito das milícias digitais é fundamental para garantir a devida transparência às partes investigadas e para fortalecer a legitimidade da instituição perante a sociedade.

“Se esses documentos não existem ou se não constam nos autos do inquérito, eu acho que isso é um problema, um problema de transparência significativo. Sobretudo se considerarmos que as pessoas que estão sendo investigadas e seus defensores precisam ter acesso ao material utilizado para a realização desta investigação. Então, eu imagino que, sim, há um problema de transparência ali”, diz.

Se esses documentos não existem ou não constam nos autos do inquérito, eu acho que isso é um problema, um problema de transparência significativo”

Luiz Gomes Esteves, jurista e professor do Insper

Para o professor de direito penal da USP Gustavo Badaró, o fato de que, no inquérito das fake news, não esteja claramente expresso que os pedidos à AEED foram feitos por determinação do ministro, também é passível de críticas, já que, em sua avaliação, a conduta fere a transparência da decisão.

“Não há menor dúvida: tanto a solicitação quanto a informação elaborada pelo TSE deveriam ser juntadas aos autos [no STF]. O correto seria a própria requisição estar documentada no inquérito. Se um juiz pode solicitar ao setor de desinformação do TSE esse tipo de informação, o correto seria que constasse um ofício nos autos dos inquéritos, ainda que, fisicamente, seja a mesma pessoa, Alexandre de Moraes. O correto seria que houvesse um ofício, um registro, dizendo: ‘Nesta data, solicita-se ao órgão tal do TSE um relatório sobre fulano de tal.’, diz.

Não há menor dúvida: tanto a solicitação quanto a informação elaborada pelo TSE deveriam ser juntadas aos autos [no STF]. O correto seria a própria requisição estar documentada no inquérito.

Gustavo Badaró, professor de direito penal da USP

Na mesma linha, o criminalista e jurista Alberto Toron avalia que o comportamento de Moraes, marcado pela ausência de determinação ao órgão do TSE nas decisões do inquérito das fake news, pode colocar em dúvida sua imparcialidade. ”Grave é isso aparecer como algo espontâneo, quando não o foi, e sim por ordem do ministro. Pior ainda é, no exercício da jurisdição no STF, a clara perda da imparcialidade. Isso me parece grave”, pontua.

Grave é isso aparecer como algo espontâneo, quando não o foi, e sim por ordem do ministro.

Alberto Toron, criminalista

Acúmulo de funções não justifica falta de transparência

O acúmulo de funções e poder no Judiciário, decorrente do desenho constitucional brasileiro, que permite a um mesmo ministro atuar simultaneamente como relator no STF e presidente do TSE, não justifica, por si só, a falta de transparência e de ritos formais na atuação de Moraes nesses casos, conforme explica Luiz Gomes Esteves.

O jurista também ressalta que a comunicação em um processo jurídico deve zelar pela impessoalidade e formalidade, predicados que, segundo ele, faltaram aos assessores do ministro.

“É muito importante que a comunicação seja formalizada, pois todos esses agentes são servidores públicos e precisam fundamentar suas decisões, especialmente aquelas tomadas no âmbito de uma investigação criminal”.

Esteves aponta ainda que o próprio escopo de atuação do órgão, que em tese deveria se limitar ao âmbito eleitoral, aparentemente foi utilizado para outros temas e investigações, extrapolando sua competência jurisdicional.

“Essa assessoria do TSE tem um papel limitado a questões relacionadas ao processo eleitoral; não é uma assessoria que pode produzir informações ou exercer o poder de polícia, sobretudo. Portanto, ela está limitada a questões relacionadas a eleições. Nesse contexto, eu diria que é ainda mais importante, além da elaboração de um ofício ou documento formalizado, compreender se os pedidos de investigação ou de produção de informações estão realmente relacionados ao papel que o TSE desempenha no nosso sistema político”, diz.

“O escopo do inquérito das fake news não se confunde com o da justiça eleitoral. Existem alguns temas investigados no inquérito das fake news que não são relacionados a eleições, assim como há temas de competência da justiça eleitoral que não estão vinculados ao inquérito das fake news. Portanto, é necessário separar as duas coisas e olhar com muito cuidado todas as decisões tomadas no âmbito do inquérito e as decisões relacionadas ao TSE, para entender se alguma dessas decisões tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, ou algum dos pedidos realizados por ele, ultrapassa os limites de sua atuação, seja como relator do inquérito das fake news, seja como presidente do TSE”, completa.

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