Partidos governam cidades há 24 anos e perpetuam ‘feudos eleitorais’ pelo País


Levantamento em dados do TSE, TREs, Diários Oficiais e no acervo do ‘Estadão’ mapeou 28 municípios em que siglas governam prefeituras há décadas

Por Rayanderson Guerra

RIO – Com menos de 9 mil habitantes, Martins, no interior do Rio Grande do Norte, é governada pelo mesmo partido político há 41 anos – desde 1983. Durante quatro décadas, os martinenses estiveram sempre sob o comando de um prefeito do DEM, ex-PFL. A cidade é um dos 28 feudos espalhados pelo País em que “capitanias hereditárias partidárias” se perpetuaram alheias às passagens de governo, crises econômicas, polarizações políticas e mudanças sociais.

Em outubro, os eleitores da cidade, conhecida como Princesa Serrana, podem dar mais quatro anos para a sigla, agora sob o registro União Brasil.

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Um levantamento do Estadão em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atas de Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados, Diários Oficiais de Justiça e no acervo do jornal mapeou 28 cidades, entre os 5.570 municípios brasileiros, governadas pelo mesmo partido há pelo menos 24 anos. São seis eleições consecutivas de vitórias nas urnas da mesma legenda, apesar de algumas mudanças de nomes das siglas no decorrer dos anos.

Praça Almino Afonso, em Martins, ponto de encontro dos 8.790 habitantes da cidade Foto: @prefeiturademartins via Facebook

Os feudos partidários se perpetuaram em municípios de até 50 mil habitantes com base na tradição política de grupos locais e remontam aos resquícios da ditadura militar no Brasil. Entre 1966 e 1979, o País tinha apenas dois partidos legais, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), de apoio ao governo ditatorial, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição consentida.

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No fim de 1979, uma nova lei orgânica dos partidos políticos, assinada pelo general de Exército João Figueiredo, o último presidente militar, fez ressurgir o pluripartidarismo. Um dos requisitos: as novas siglas deveriam conter a palavra “partido”. O MDB, que fazia oposição ao regime, passou a se chamar PMDB, e a Arena deu origem ao Partido Democrático Social (PDS), embrião do PFL, DEM e, atualmente, União Brasil.

Os nomes mudaram, candidatos novos emergiram, mas a estrutura partidária se manteve. Das 28 cidades mapeadas pelo Estadão, 19 são comandadas pelos herdeiros de MDB e PDS. Nas outras nove, PSDB – criado por uma cisão do MDB – PSB e PDT dividem o protagonismo.

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É o caso de Martins, cidade a 370 quilômetros da capital estadual, Natal. A atual prefeita do município no interior potiguar, Mazé Gurgel (União), busca o quarto mandato à frente da prefeitura. Foi eleita em 2004, 2008 e 2020. A cidade é governada desde 1983 por políticos do DEM, PFL e PDS.

O primeiro prefeito do grupo político que se mantém no poder em Martins foi o empresário Manoel Barreto de Medeiros, alçado a político após três décadas na iniciativa privada, como conta o advogado David de Medeiros Leite, professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). David se encontrou com Manoel Barreto em janeiro de 1995, na praça da Matriz, no centro da cidade.

“Ele vivia em Fortaleza e trabalhava em uma fábrica de sabonetes. Sempre frequentava a cidade e foi chamado por esse grupo político que ficou no poder por décadas. Foi ser ser candidato a prefeito já com certa idade. Era uma figura totalmente metódica, engraçada e conversador”, contou.

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Após o encontro entre os dois no verão daquele ano, David de Medeiros escreveu um texto com as impressões sobre a figura que deu início à mais duradoura capitania partidária do País.

“Como o apóstolo São Paulo, combateu o bom combate e guardou a fé. Ao término da missão, retornou a Fortaleza para, finalmente, ‘curtir’ a aposentadoria. Quatro anos depois, outra convocação e novo apelo de seus conterrâneos. E, como guerreiro que não fugia à luta, voltou e novamente foi eleito”, relatou.

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No Sul, PT sobrevive e mantém ‘dinastia’

O Partido dos Trabalhadores viveu um declínio no número de prefeitos eleitos nas últimas eleições. Em 2020, o partido elegeu um número ainda menor de prefeitos do que em 2016, quando foi varrido pelas denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava Jato e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Foram 189 prefeituras conquistadas, segundo o TSE. Em 2016, no auge da crise, foram 256. E em 2012, 630.

Em município pequeno, não se leva muito em consideração polarização nacional

Valdemar Cibulski, o Polaco, prefeito petista de Itatiba do Sul

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Uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, Itatiba do Sul, com apenas 3.143 habitantes, contraria os resultados eleitorais e mantém o PT no poder há 24 anos, com mais quatro já garantidos. É a cidade em que um governo petista permaneceu por mais tempo na história da sigla. O atual prefeito Valdemar Cibulski, o Polaco, é o único candidato nas eleições municipais deste ano.

Cenário que se repete em Derrubadas e Unistalda, outros dois municípios do Rio Grande do Sul. Os atuais prefeitos não terão adversários.

Itatiba do Sul, no Rio Grande do Sul Foto: Divulgação/Prefeitura de Itatiba do Sul

Cravada no norte do Estado a poucos quilômetros de Santa Catarina, regiões em que o bolsonarismo ganhou espaço nos últimos anos, Itatiba do Sul se mantém alheia aos desdobramentos políticos nacionais, crises envolvendo o partido e mudanças de governo. Segundo Polaco, “cidade pequena” não se importa com polarização política e temas ideológicos. Para ele, a população busca a entrega de serviços.

“Em município pequeno não se leva muito em consideração essa polarização nacional. Quando Bolsonaro ganhou a eleição, eu queria que ele fizesse um bom governo, porque a democracia é isso. A gente não nunca leva muito esse negócio de ‘porque você é do Grêmio ou do Inter, então o Grêmio não vale nada, o Inter não vale nada’. Temos que fazer o que é importante para o nosso município”, disse.

A tese é corroborado pela cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). De acordo com ela, as disputas municipais em pequenas cidades giram em torno da entrega dos prefeitos de serviços públicos e os eleitores levam em consideram a tradição do grupo político para eleger seus representantes.

“A escolha dos prefeitos nestes pequenos municípios são decididas com base no conhecimento da população dos candidatos, na entrega de serviços públicos pela gestão em questão e na influência da máquina pública que, muitas vezes, é usada em ano eleitoral”, explicou.

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RIO – Com menos de 9 mil habitantes, Martins, no interior do Rio Grande do Norte, é governada pelo mesmo partido político há 41 anos – desde 1983. Durante quatro décadas, os martinenses estiveram sempre sob o comando de um prefeito do DEM, ex-PFL. A cidade é um dos 28 feudos espalhados pelo País em que “capitanias hereditárias partidárias” se perpetuaram alheias às passagens de governo, crises econômicas, polarizações políticas e mudanças sociais.

Em outubro, os eleitores da cidade, conhecida como Princesa Serrana, podem dar mais quatro anos para a sigla, agora sob o registro União Brasil.

Um levantamento do Estadão em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atas de Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados, Diários Oficiais de Justiça e no acervo do jornal mapeou 28 cidades, entre os 5.570 municípios brasileiros, governadas pelo mesmo partido há pelo menos 24 anos. São seis eleições consecutivas de vitórias nas urnas da mesma legenda, apesar de algumas mudanças de nomes das siglas no decorrer dos anos.

Praça Almino Afonso, em Martins, ponto de encontro dos 8.790 habitantes da cidade Foto: @prefeiturademartins via Facebook

Os feudos partidários se perpetuaram em municípios de até 50 mil habitantes com base na tradição política de grupos locais e remontam aos resquícios da ditadura militar no Brasil. Entre 1966 e 1979, o País tinha apenas dois partidos legais, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), de apoio ao governo ditatorial, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição consentida.

No fim de 1979, uma nova lei orgânica dos partidos políticos, assinada pelo general de Exército João Figueiredo, o último presidente militar, fez ressurgir o pluripartidarismo. Um dos requisitos: as novas siglas deveriam conter a palavra “partido”. O MDB, que fazia oposição ao regime, passou a se chamar PMDB, e a Arena deu origem ao Partido Democrático Social (PDS), embrião do PFL, DEM e, atualmente, União Brasil.

Os nomes mudaram, candidatos novos emergiram, mas a estrutura partidária se manteve. Das 28 cidades mapeadas pelo Estadão, 19 são comandadas pelos herdeiros de MDB e PDS. Nas outras nove, PSDB – criado por uma cisão do MDB – PSB e PDT dividem o protagonismo.

É o caso de Martins, cidade a 370 quilômetros da capital estadual, Natal. A atual prefeita do município no interior potiguar, Mazé Gurgel (União), busca o quarto mandato à frente da prefeitura. Foi eleita em 2004, 2008 e 2020. A cidade é governada desde 1983 por políticos do DEM, PFL e PDS.

O primeiro prefeito do grupo político que se mantém no poder em Martins foi o empresário Manoel Barreto de Medeiros, alçado a político após três décadas na iniciativa privada, como conta o advogado David de Medeiros Leite, professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). David se encontrou com Manoel Barreto em janeiro de 1995, na praça da Matriz, no centro da cidade.

“Ele vivia em Fortaleza e trabalhava em uma fábrica de sabonetes. Sempre frequentava a cidade e foi chamado por esse grupo político que ficou no poder por décadas. Foi ser ser candidato a prefeito já com certa idade. Era uma figura totalmente metódica, engraçada e conversador”, contou.

Após o encontro entre os dois no verão daquele ano, David de Medeiros escreveu um texto com as impressões sobre a figura que deu início à mais duradoura capitania partidária do País.

“Como o apóstolo São Paulo, combateu o bom combate e guardou a fé. Ao término da missão, retornou a Fortaleza para, finalmente, ‘curtir’ a aposentadoria. Quatro anos depois, outra convocação e novo apelo de seus conterrâneos. E, como guerreiro que não fugia à luta, voltou e novamente foi eleito”, relatou.

No Sul, PT sobrevive e mantém ‘dinastia’

O Partido dos Trabalhadores viveu um declínio no número de prefeitos eleitos nas últimas eleições. Em 2020, o partido elegeu um número ainda menor de prefeitos do que em 2016, quando foi varrido pelas denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava Jato e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Foram 189 prefeituras conquistadas, segundo o TSE. Em 2016, no auge da crise, foram 256. E em 2012, 630.

Em município pequeno, não se leva muito em consideração polarização nacional

Valdemar Cibulski, o Polaco, prefeito petista de Itatiba do Sul

Uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, Itatiba do Sul, com apenas 3.143 habitantes, contraria os resultados eleitorais e mantém o PT no poder há 24 anos, com mais quatro já garantidos. É a cidade em que um governo petista permaneceu por mais tempo na história da sigla. O atual prefeito Valdemar Cibulski, o Polaco, é o único candidato nas eleições municipais deste ano.

Cenário que se repete em Derrubadas e Unistalda, outros dois municípios do Rio Grande do Sul. Os atuais prefeitos não terão adversários.

Itatiba do Sul, no Rio Grande do Sul Foto: Divulgação/Prefeitura de Itatiba do Sul

Cravada no norte do Estado a poucos quilômetros de Santa Catarina, regiões em que o bolsonarismo ganhou espaço nos últimos anos, Itatiba do Sul se mantém alheia aos desdobramentos políticos nacionais, crises envolvendo o partido e mudanças de governo. Segundo Polaco, “cidade pequena” não se importa com polarização política e temas ideológicos. Para ele, a população busca a entrega de serviços.

“Em município pequeno não se leva muito em consideração essa polarização nacional. Quando Bolsonaro ganhou a eleição, eu queria que ele fizesse um bom governo, porque a democracia é isso. A gente não nunca leva muito esse negócio de ‘porque você é do Grêmio ou do Inter, então o Grêmio não vale nada, o Inter não vale nada’. Temos que fazer o que é importante para o nosso município”, disse.

A tese é corroborado pela cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). De acordo com ela, as disputas municipais em pequenas cidades giram em torno da entrega dos prefeitos de serviços públicos e os eleitores levam em consideram a tradição do grupo político para eleger seus representantes.

“A escolha dos prefeitos nestes pequenos municípios são decididas com base no conhecimento da população dos candidatos, na entrega de serviços públicos pela gestão em questão e na influência da máquina pública que, muitas vezes, é usada em ano eleitoral”, explicou.

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RIO – Com menos de 9 mil habitantes, Martins, no interior do Rio Grande do Norte, é governada pelo mesmo partido político há 41 anos – desde 1983. Durante quatro décadas, os martinenses estiveram sempre sob o comando de um prefeito do DEM, ex-PFL. A cidade é um dos 28 feudos espalhados pelo País em que “capitanias hereditárias partidárias” se perpetuaram alheias às passagens de governo, crises econômicas, polarizações políticas e mudanças sociais.

Em outubro, os eleitores da cidade, conhecida como Princesa Serrana, podem dar mais quatro anos para a sigla, agora sob o registro União Brasil.

Um levantamento do Estadão em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atas de Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados, Diários Oficiais de Justiça e no acervo do jornal mapeou 28 cidades, entre os 5.570 municípios brasileiros, governadas pelo mesmo partido há pelo menos 24 anos. São seis eleições consecutivas de vitórias nas urnas da mesma legenda, apesar de algumas mudanças de nomes das siglas no decorrer dos anos.

Praça Almino Afonso, em Martins, ponto de encontro dos 8.790 habitantes da cidade Foto: @prefeiturademartins via Facebook

Os feudos partidários se perpetuaram em municípios de até 50 mil habitantes com base na tradição política de grupos locais e remontam aos resquícios da ditadura militar no Brasil. Entre 1966 e 1979, o País tinha apenas dois partidos legais, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), de apoio ao governo ditatorial, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição consentida.

No fim de 1979, uma nova lei orgânica dos partidos políticos, assinada pelo general de Exército João Figueiredo, o último presidente militar, fez ressurgir o pluripartidarismo. Um dos requisitos: as novas siglas deveriam conter a palavra “partido”. O MDB, que fazia oposição ao regime, passou a se chamar PMDB, e a Arena deu origem ao Partido Democrático Social (PDS), embrião do PFL, DEM e, atualmente, União Brasil.

Os nomes mudaram, candidatos novos emergiram, mas a estrutura partidária se manteve. Das 28 cidades mapeadas pelo Estadão, 19 são comandadas pelos herdeiros de MDB e PDS. Nas outras nove, PSDB – criado por uma cisão do MDB – PSB e PDT dividem o protagonismo.

É o caso de Martins, cidade a 370 quilômetros da capital estadual, Natal. A atual prefeita do município no interior potiguar, Mazé Gurgel (União), busca o quarto mandato à frente da prefeitura. Foi eleita em 2004, 2008 e 2020. A cidade é governada desde 1983 por políticos do DEM, PFL e PDS.

O primeiro prefeito do grupo político que se mantém no poder em Martins foi o empresário Manoel Barreto de Medeiros, alçado a político após três décadas na iniciativa privada, como conta o advogado David de Medeiros Leite, professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). David se encontrou com Manoel Barreto em janeiro de 1995, na praça da Matriz, no centro da cidade.

“Ele vivia em Fortaleza e trabalhava em uma fábrica de sabonetes. Sempre frequentava a cidade e foi chamado por esse grupo político que ficou no poder por décadas. Foi ser ser candidato a prefeito já com certa idade. Era uma figura totalmente metódica, engraçada e conversador”, contou.

Após o encontro entre os dois no verão daquele ano, David de Medeiros escreveu um texto com as impressões sobre a figura que deu início à mais duradoura capitania partidária do País.

“Como o apóstolo São Paulo, combateu o bom combate e guardou a fé. Ao término da missão, retornou a Fortaleza para, finalmente, ‘curtir’ a aposentadoria. Quatro anos depois, outra convocação e novo apelo de seus conterrâneos. E, como guerreiro que não fugia à luta, voltou e novamente foi eleito”, relatou.

No Sul, PT sobrevive e mantém ‘dinastia’

O Partido dos Trabalhadores viveu um declínio no número de prefeitos eleitos nas últimas eleições. Em 2020, o partido elegeu um número ainda menor de prefeitos do que em 2016, quando foi varrido pelas denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava Jato e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Foram 189 prefeituras conquistadas, segundo o TSE. Em 2016, no auge da crise, foram 256. E em 2012, 630.

Em município pequeno, não se leva muito em consideração polarização nacional

Valdemar Cibulski, o Polaco, prefeito petista de Itatiba do Sul

Uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, Itatiba do Sul, com apenas 3.143 habitantes, contraria os resultados eleitorais e mantém o PT no poder há 24 anos, com mais quatro já garantidos. É a cidade em que um governo petista permaneceu por mais tempo na história da sigla. O atual prefeito Valdemar Cibulski, o Polaco, é o único candidato nas eleições municipais deste ano.

Cenário que se repete em Derrubadas e Unistalda, outros dois municípios do Rio Grande do Sul. Os atuais prefeitos não terão adversários.

Itatiba do Sul, no Rio Grande do Sul Foto: Divulgação/Prefeitura de Itatiba do Sul

Cravada no norte do Estado a poucos quilômetros de Santa Catarina, regiões em que o bolsonarismo ganhou espaço nos últimos anos, Itatiba do Sul se mantém alheia aos desdobramentos políticos nacionais, crises envolvendo o partido e mudanças de governo. Segundo Polaco, “cidade pequena” não se importa com polarização política e temas ideológicos. Para ele, a população busca a entrega de serviços.

“Em município pequeno não se leva muito em consideração essa polarização nacional. Quando Bolsonaro ganhou a eleição, eu queria que ele fizesse um bom governo, porque a democracia é isso. A gente não nunca leva muito esse negócio de ‘porque você é do Grêmio ou do Inter, então o Grêmio não vale nada, o Inter não vale nada’. Temos que fazer o que é importante para o nosso município”, disse.

A tese é corroborado pela cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). De acordo com ela, as disputas municipais em pequenas cidades giram em torno da entrega dos prefeitos de serviços públicos e os eleitores levam em consideram a tradição do grupo político para eleger seus representantes.

“A escolha dos prefeitos nestes pequenos municípios são decididas com base no conhecimento da população dos candidatos, na entrega de serviços públicos pela gestão em questão e na influência da máquina pública que, muitas vezes, é usada em ano eleitoral”, explicou.

Siga o ‘Estadão’ nas redes sociais

RIO – Com menos de 9 mil habitantes, Martins, no interior do Rio Grande do Norte, é governada pelo mesmo partido político há 41 anos – desde 1983. Durante quatro décadas, os martinenses estiveram sempre sob o comando de um prefeito do DEM, ex-PFL. A cidade é um dos 28 feudos espalhados pelo País em que “capitanias hereditárias partidárias” se perpetuaram alheias às passagens de governo, crises econômicas, polarizações políticas e mudanças sociais.

Em outubro, os eleitores da cidade, conhecida como Princesa Serrana, podem dar mais quatro anos para a sigla, agora sob o registro União Brasil.

Um levantamento do Estadão em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atas de Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados, Diários Oficiais de Justiça e no acervo do jornal mapeou 28 cidades, entre os 5.570 municípios brasileiros, governadas pelo mesmo partido há pelo menos 24 anos. São seis eleições consecutivas de vitórias nas urnas da mesma legenda, apesar de algumas mudanças de nomes das siglas no decorrer dos anos.

Praça Almino Afonso, em Martins, ponto de encontro dos 8.790 habitantes da cidade Foto: @prefeiturademartins via Facebook

Os feudos partidários se perpetuaram em municípios de até 50 mil habitantes com base na tradição política de grupos locais e remontam aos resquícios da ditadura militar no Brasil. Entre 1966 e 1979, o País tinha apenas dois partidos legais, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), de apoio ao governo ditatorial, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição consentida.

No fim de 1979, uma nova lei orgânica dos partidos políticos, assinada pelo general de Exército João Figueiredo, o último presidente militar, fez ressurgir o pluripartidarismo. Um dos requisitos: as novas siglas deveriam conter a palavra “partido”. O MDB, que fazia oposição ao regime, passou a se chamar PMDB, e a Arena deu origem ao Partido Democrático Social (PDS), embrião do PFL, DEM e, atualmente, União Brasil.

Os nomes mudaram, candidatos novos emergiram, mas a estrutura partidária se manteve. Das 28 cidades mapeadas pelo Estadão, 19 são comandadas pelos herdeiros de MDB e PDS. Nas outras nove, PSDB – criado por uma cisão do MDB – PSB e PDT dividem o protagonismo.

É o caso de Martins, cidade a 370 quilômetros da capital estadual, Natal. A atual prefeita do município no interior potiguar, Mazé Gurgel (União), busca o quarto mandato à frente da prefeitura. Foi eleita em 2004, 2008 e 2020. A cidade é governada desde 1983 por políticos do DEM, PFL e PDS.

O primeiro prefeito do grupo político que se mantém no poder em Martins foi o empresário Manoel Barreto de Medeiros, alçado a político após três décadas na iniciativa privada, como conta o advogado David de Medeiros Leite, professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). David se encontrou com Manoel Barreto em janeiro de 1995, na praça da Matriz, no centro da cidade.

“Ele vivia em Fortaleza e trabalhava em uma fábrica de sabonetes. Sempre frequentava a cidade e foi chamado por esse grupo político que ficou no poder por décadas. Foi ser ser candidato a prefeito já com certa idade. Era uma figura totalmente metódica, engraçada e conversador”, contou.

Após o encontro entre os dois no verão daquele ano, David de Medeiros escreveu um texto com as impressões sobre a figura que deu início à mais duradoura capitania partidária do País.

“Como o apóstolo São Paulo, combateu o bom combate e guardou a fé. Ao término da missão, retornou a Fortaleza para, finalmente, ‘curtir’ a aposentadoria. Quatro anos depois, outra convocação e novo apelo de seus conterrâneos. E, como guerreiro que não fugia à luta, voltou e novamente foi eleito”, relatou.

No Sul, PT sobrevive e mantém ‘dinastia’

O Partido dos Trabalhadores viveu um declínio no número de prefeitos eleitos nas últimas eleições. Em 2020, o partido elegeu um número ainda menor de prefeitos do que em 2016, quando foi varrido pelas denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava Jato e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Foram 189 prefeituras conquistadas, segundo o TSE. Em 2016, no auge da crise, foram 256. E em 2012, 630.

Em município pequeno, não se leva muito em consideração polarização nacional

Valdemar Cibulski, o Polaco, prefeito petista de Itatiba do Sul

Uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, Itatiba do Sul, com apenas 3.143 habitantes, contraria os resultados eleitorais e mantém o PT no poder há 24 anos, com mais quatro já garantidos. É a cidade em que um governo petista permaneceu por mais tempo na história da sigla. O atual prefeito Valdemar Cibulski, o Polaco, é o único candidato nas eleições municipais deste ano.

Cenário que se repete em Derrubadas e Unistalda, outros dois municípios do Rio Grande do Sul. Os atuais prefeitos não terão adversários.

Itatiba do Sul, no Rio Grande do Sul Foto: Divulgação/Prefeitura de Itatiba do Sul

Cravada no norte do Estado a poucos quilômetros de Santa Catarina, regiões em que o bolsonarismo ganhou espaço nos últimos anos, Itatiba do Sul se mantém alheia aos desdobramentos políticos nacionais, crises envolvendo o partido e mudanças de governo. Segundo Polaco, “cidade pequena” não se importa com polarização política e temas ideológicos. Para ele, a população busca a entrega de serviços.

“Em município pequeno não se leva muito em consideração essa polarização nacional. Quando Bolsonaro ganhou a eleição, eu queria que ele fizesse um bom governo, porque a democracia é isso. A gente não nunca leva muito esse negócio de ‘porque você é do Grêmio ou do Inter, então o Grêmio não vale nada, o Inter não vale nada’. Temos que fazer o que é importante para o nosso município”, disse.

A tese é corroborado pela cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). De acordo com ela, as disputas municipais em pequenas cidades giram em torno da entrega dos prefeitos de serviços públicos e os eleitores levam em consideram a tradição do grupo político para eleger seus representantes.

“A escolha dos prefeitos nestes pequenos municípios são decididas com base no conhecimento da população dos candidatos, na entrega de serviços públicos pela gestão em questão e na influência da máquina pública que, muitas vezes, é usada em ano eleitoral”, explicou.

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