Partidos gastam mais do que comprovam para a Justiça Eleitoral; veja quais são eles


Corte tem cinco anos apara apreciar as contas dos diretórios nacionais das legendas; siglas apresentam documentos fora do prazo e vão ‘trocando a asa do avião’ durante o voo, sem sofrer prejuízos por isso

Por Isabella Alonso Panho
Atualização:

Seis diretórios nacionais de partidos comprovaram menos de 10% dos seus gastos do ano eleitoral de 2022 na prestação de contas que devem apresentar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). PL, Novo, PCdoB, PCB, PMB e PSTU apresentaram documentos que representam uma parcela muito pequena daquilo que dizem ter gasto ao longo de todo o ano passado.

O PCdoB não comprovou nem um real dos R$ 121 milhões que afirmam que foram gastos. PCB comprovou 2% da despesa total declarada; Novo, 6%; PMB e PSTU, 7%, cada; e PL, 8%. O partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) informou ter gastado R$ 491 milhões em 2022, mas juntou comprovantes que, somados, dão R$ 41 milhões.

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O levantamento foi feito pelo Movimento Transparência Partidária, a partir do que está no Portal de Dados Abertos da Corte, nos dias 21 e 22 de agosto. A legislação estabelece que todos as legendas são obrigadas a prestar contas anualmente em prol da transparência do uso dos recursos públicos.

A prestação de contas dos partidos funciona assim: eles precisam declarar os gastos e as receitas do ano todo no Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA), uma plataforma do TSE, até o dia 30 de junho. O que eles colocam lá dá origem a um processo judicial de prestação de contas, no qual os ministros do TSE avaliam se essa contabilidade está correta.

O que o movimento constatou a partir da análise técnica do que é disponibilizado no Portal de Dados Abertos da Justiça Eleitoral é que vários partidos declaram despesas sem comprovação. As siglas têm a possibilidade de ir “consertando” as declarações no curso do processo, sem que sofram sanções por isso – a ponto de milhões de reais não terem uma destinação clara. Parte desse dinheiro vem, inclusive, dos fundos partidário e eleitoral, que são recursos públicos.

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“A Justiça Eleitoral tem cinco anos para julgar as contas dos partidos”, explicou a advogada eleitoral Izabelle Paes, sócia do escritório Callado, Petrin, Paes e Cezar. “Tudo o que foi gasto pelo partido tem que ser informado no sistema. Mas essa não apresentação da documentação não causa prejuízo na análise da prestação de contas.” Em outras palavras, os partidos não sofrem sanções por não apresentarem todos os comprovantes dos seus gastos nesse primeiro momento.

Mudanças no meio do caminho

Ao longo do processo de prestação de contas – que pode durar anos – os partidos podem mudar o que declararam como receita e despesa. “É possível que, a partir do momento que o processo é autuado e a Justiça comece a análise, o partido apresente o que sabe que ficou faltante, ou que faça isso quando for convocado pela equipe técnica do TSE”, afirmou Paes. É como se as siglas pudessem “trocar a asa do avião” durante o voo, sem qualquer prejuízo para o trajeto.

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Plenário do TSE: partidos declaram despesas e receitas em uma plataforma e os dados dão origem a um processo judicial, que vai ser analisados pelos ministros da Corte Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Uma eventual punição vai ocorrer só no fim do processo judicial de prestação de contas, se o partido for intimado e, mesmo assim, não corrigir a sua contabilidade. “As siglas podem ser punidas com a devolução dos recursos irregulares (vindos de fundo partidário ou não) e podem receber uma multa de até 20% sobre esse valor que foi considerado irregular”, disse a advogada.

Há ainda a possibilidade de suspensão do recebimento do fundo partidário por um a 12 meses, dependendo de quão grave for a irregularidade nas contas. Mesmo quando a questão não for relativa a verbas públicas, como é o caso do fundo partidário, as siglas precisam provar que aquele gasto teve a ver com as suas atividades.

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As verbas doadas também precisam ser auditadas. Um partido não pode receber um recurso e usá-lo para outras finalidades que não sejam as suas”

Izabelle Paes, advogada eleitoral

Questionado pela reportagem, o TSE confirmou que os dados que os partidos cadastram no Sistema de Prestação de Contas Anual, o SPCA, podem ser alterados mesmo depois que o processo judicial começa. “Esses dados são atualizados diariamente/semanalmente e estão sujeitos a alterações decorrentes de diligências solicitadas pela Justiça Eleitoral durante o exame das contas.” Os números ficam disponíveis no site do Tribunal.

Partidos afirmam que vão ajustar documentação

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As seis siglas mencionadas na matéria foram procuradas pelo Estadão por meio das assessorias e dos canais disponibilizados por elas no site do TSE. Apenas Novo, PSTU e PCdoB responderam aos questionamentos.

O PSTU disse que, por causa da cláusula de barreira, não recebe recursos do fundo partidário e que declarou, no SPCA, um gasto de “R$ 3.971.498,30, sendo que, deste valor, R$ 3.100.949,86 são recursos do fundo eleitoral e o restante são receitas próprias, ou seja, advindas das contribuições e doações de pessoas físicas”. Fundo eleitoral e fundo partidário são verbas públicas diferentes.

Segundo a sigla, as despesas foram “lançadas e especificadas” e está com prazo aberto no processo de prestação de contas para apresentar novos documentos, a pedido da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa), divisão técnica do TSE. “A agremiação não recebe recursos do fundo partidário e, apesar do relatório técnico da Asepa não ter solicitado, o partido irá apresentar, dentro do prazo processual, toda a documentação.” O PSTU disponibilizou uma pasta com notas fiscais de despesas ao Estadão.

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Nesta quinta-feira, 14, após a publicação da reportagem, o partido enviou uma segunda nota afirmando que “como não recebe recursos do fundo partidário não é obrigatório anexar os documentos fiscais (na prestação de contas). O PSTU disse, depois da publicação da matéria, que a informação de que só 7% dos documentos foram entregues é “equivocada” porque “não há que se falar em documento fiscal de transferências de recursos do FEFC (fundo eleitoral), pois não existe documento fiscal neste caso”. Segundo a sigla, o fundo eleitoral, única verba pública que o PSTU recebeu, não tem documento fiscal e foi transferido aos candidatos.

O Novo disse que “a sigla armazena todos os comprovantes fiscais internamente, sendo que estão todos disponíveis para a Justiça Eleitoral assim que requisitados”. Em nota, o partido afirma que a Justiça Eleitoral está apreciando as contas de 2019, 2020 e 2021 e que “está apresentando os comprovantes fiscais conforme demandado pelo tribunal”. As contas de 2016, 2017 e 2018, segundo o Novo, “foram completamente aprovadas”.

“De acordo com as regras em vigor (Art. 29. § 2º, da resolução nº 23.604 do Tribunal Superior Eleitoral), os comprovantes podem ser apresentados somente após a provocação/solicitação do órgão julgador das contas dos partidos. O montante de aproximadamente R$ 3 milhões já apresentado pelo partido Novo se refere a gastos mais comuns que o TSE costuma pedir aos partidos, como por exemplo, gastos referentes à política da mulher”, disse o Novo ao Estadão. O partido não usava recursos do fundo partidário até março deste ano, quando mudou de posição.

Após a publicação da reportagem, o PCdoB disse, por nota, que a prestação de contas “está em análise” e que “havendo necessidade, a partir de parecer preliminar da Asepa, a relatora da prestação de contas, ministra Cármen Lúcia, intimará o partido para que as providências necessárias sejam adotadas, como ocorre em todas as prestações de contas de todos os partidos políticos”.

No dia seguinte à publicação da reportagem, na quinta-feira, 14, o PCdoB enviou uma segunda nota, mudando a explicação sobre o levantamento do Movimento Transparência Partidária. O partido negou que tenha deixado de apresentar as documentações e disse que “prestou sim, conta de sua movimentação financeira no ano de 2022, entregando à Justiça Eleitoral a documentação completa, composta por 3.124 documentos comprobatórios”.

Busca por mais transparência

O advogado e cientista político Marcelo Issa, diretor-executivo do Movimento Transparência Partidária, afirma que, apesar de não haver sanções para os partidos que apresentem depois as provas das suas despesas, o procedimento prejudica a transparência que as siglas devem ter com a sociedade. “A obrigação de prestar contas e apresentar os respectivos documentos comprobatórios existe, embora – lamentavelmente – não exista previsão específica de sanção quando essa obrigação não é integralmente cumprida.”

Marcelo Issa, diretor do Movimento Transparência Partidária, explica que o levantamento tem como objetivo mostrar a lacuna que a legislação tem nas prestações de contas dos partidos  Foto: Divulgação

Ele avalia que o propósito do levantamento é tanto mostrar a postura dos partidos quanto “evidenciar que o marco regulatório e a sistemática operacional envolvidos nesses processos merecem ser aprimorados, para que efetivamente se consiga fazer com que os partidos prestem contas de modo cada vez mais fidedigno e oportuno”.

Além da Lei dos Partidos Políticos (nº 9.096/1995), o TSE edita resoluções que especificam a forma como as legendas devem prestar contas e fazer uso dos seus sistemas, como o SPCA. A legislação diz, especificamente, que a reprovação das contas não pode impedir um partido de participar de eleições e que, se for condenado, pode pedir uma revisão da decisão judicial para abrandar a penalidade.

Seis diretórios nacionais de partidos comprovaram menos de 10% dos seus gastos do ano eleitoral de 2022 na prestação de contas que devem apresentar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). PL, Novo, PCdoB, PCB, PMB e PSTU apresentaram documentos que representam uma parcela muito pequena daquilo que dizem ter gasto ao longo de todo o ano passado.

O PCdoB não comprovou nem um real dos R$ 121 milhões que afirmam que foram gastos. PCB comprovou 2% da despesa total declarada; Novo, 6%; PMB e PSTU, 7%, cada; e PL, 8%. O partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) informou ter gastado R$ 491 milhões em 2022, mas juntou comprovantes que, somados, dão R$ 41 milhões.

O levantamento foi feito pelo Movimento Transparência Partidária, a partir do que está no Portal de Dados Abertos da Corte, nos dias 21 e 22 de agosto. A legislação estabelece que todos as legendas são obrigadas a prestar contas anualmente em prol da transparência do uso dos recursos públicos.

A prestação de contas dos partidos funciona assim: eles precisam declarar os gastos e as receitas do ano todo no Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA), uma plataforma do TSE, até o dia 30 de junho. O que eles colocam lá dá origem a um processo judicial de prestação de contas, no qual os ministros do TSE avaliam se essa contabilidade está correta.

O que o movimento constatou a partir da análise técnica do que é disponibilizado no Portal de Dados Abertos da Justiça Eleitoral é que vários partidos declaram despesas sem comprovação. As siglas têm a possibilidade de ir “consertando” as declarações no curso do processo, sem que sofram sanções por isso – a ponto de milhões de reais não terem uma destinação clara. Parte desse dinheiro vem, inclusive, dos fundos partidário e eleitoral, que são recursos públicos.

“A Justiça Eleitoral tem cinco anos para julgar as contas dos partidos”, explicou a advogada eleitoral Izabelle Paes, sócia do escritório Callado, Petrin, Paes e Cezar. “Tudo o que foi gasto pelo partido tem que ser informado no sistema. Mas essa não apresentação da documentação não causa prejuízo na análise da prestação de contas.” Em outras palavras, os partidos não sofrem sanções por não apresentarem todos os comprovantes dos seus gastos nesse primeiro momento.

Mudanças no meio do caminho

Ao longo do processo de prestação de contas – que pode durar anos – os partidos podem mudar o que declararam como receita e despesa. “É possível que, a partir do momento que o processo é autuado e a Justiça comece a análise, o partido apresente o que sabe que ficou faltante, ou que faça isso quando for convocado pela equipe técnica do TSE”, afirmou Paes. É como se as siglas pudessem “trocar a asa do avião” durante o voo, sem qualquer prejuízo para o trajeto.

Plenário do TSE: partidos declaram despesas e receitas em uma plataforma e os dados dão origem a um processo judicial, que vai ser analisados pelos ministros da Corte Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Uma eventual punição vai ocorrer só no fim do processo judicial de prestação de contas, se o partido for intimado e, mesmo assim, não corrigir a sua contabilidade. “As siglas podem ser punidas com a devolução dos recursos irregulares (vindos de fundo partidário ou não) e podem receber uma multa de até 20% sobre esse valor que foi considerado irregular”, disse a advogada.

Há ainda a possibilidade de suspensão do recebimento do fundo partidário por um a 12 meses, dependendo de quão grave for a irregularidade nas contas. Mesmo quando a questão não for relativa a verbas públicas, como é o caso do fundo partidário, as siglas precisam provar que aquele gasto teve a ver com as suas atividades.

As verbas doadas também precisam ser auditadas. Um partido não pode receber um recurso e usá-lo para outras finalidades que não sejam as suas”

Izabelle Paes, advogada eleitoral

Questionado pela reportagem, o TSE confirmou que os dados que os partidos cadastram no Sistema de Prestação de Contas Anual, o SPCA, podem ser alterados mesmo depois que o processo judicial começa. “Esses dados são atualizados diariamente/semanalmente e estão sujeitos a alterações decorrentes de diligências solicitadas pela Justiça Eleitoral durante o exame das contas.” Os números ficam disponíveis no site do Tribunal.

Partidos afirmam que vão ajustar documentação

As seis siglas mencionadas na matéria foram procuradas pelo Estadão por meio das assessorias e dos canais disponibilizados por elas no site do TSE. Apenas Novo, PSTU e PCdoB responderam aos questionamentos.

O PSTU disse que, por causa da cláusula de barreira, não recebe recursos do fundo partidário e que declarou, no SPCA, um gasto de “R$ 3.971.498,30, sendo que, deste valor, R$ 3.100.949,86 são recursos do fundo eleitoral e o restante são receitas próprias, ou seja, advindas das contribuições e doações de pessoas físicas”. Fundo eleitoral e fundo partidário são verbas públicas diferentes.

Segundo a sigla, as despesas foram “lançadas e especificadas” e está com prazo aberto no processo de prestação de contas para apresentar novos documentos, a pedido da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa), divisão técnica do TSE. “A agremiação não recebe recursos do fundo partidário e, apesar do relatório técnico da Asepa não ter solicitado, o partido irá apresentar, dentro do prazo processual, toda a documentação.” O PSTU disponibilizou uma pasta com notas fiscais de despesas ao Estadão.

Nesta quinta-feira, 14, após a publicação da reportagem, o partido enviou uma segunda nota afirmando que “como não recebe recursos do fundo partidário não é obrigatório anexar os documentos fiscais (na prestação de contas). O PSTU disse, depois da publicação da matéria, que a informação de que só 7% dos documentos foram entregues é “equivocada” porque “não há que se falar em documento fiscal de transferências de recursos do FEFC (fundo eleitoral), pois não existe documento fiscal neste caso”. Segundo a sigla, o fundo eleitoral, única verba pública que o PSTU recebeu, não tem documento fiscal e foi transferido aos candidatos.

O Novo disse que “a sigla armazena todos os comprovantes fiscais internamente, sendo que estão todos disponíveis para a Justiça Eleitoral assim que requisitados”. Em nota, o partido afirma que a Justiça Eleitoral está apreciando as contas de 2019, 2020 e 2021 e que “está apresentando os comprovantes fiscais conforme demandado pelo tribunal”. As contas de 2016, 2017 e 2018, segundo o Novo, “foram completamente aprovadas”.

“De acordo com as regras em vigor (Art. 29. § 2º, da resolução nº 23.604 do Tribunal Superior Eleitoral), os comprovantes podem ser apresentados somente após a provocação/solicitação do órgão julgador das contas dos partidos. O montante de aproximadamente R$ 3 milhões já apresentado pelo partido Novo se refere a gastos mais comuns que o TSE costuma pedir aos partidos, como por exemplo, gastos referentes à política da mulher”, disse o Novo ao Estadão. O partido não usava recursos do fundo partidário até março deste ano, quando mudou de posição.

Após a publicação da reportagem, o PCdoB disse, por nota, que a prestação de contas “está em análise” e que “havendo necessidade, a partir de parecer preliminar da Asepa, a relatora da prestação de contas, ministra Cármen Lúcia, intimará o partido para que as providências necessárias sejam adotadas, como ocorre em todas as prestações de contas de todos os partidos políticos”.

No dia seguinte à publicação da reportagem, na quinta-feira, 14, o PCdoB enviou uma segunda nota, mudando a explicação sobre o levantamento do Movimento Transparência Partidária. O partido negou que tenha deixado de apresentar as documentações e disse que “prestou sim, conta de sua movimentação financeira no ano de 2022, entregando à Justiça Eleitoral a documentação completa, composta por 3.124 documentos comprobatórios”.

Busca por mais transparência

O advogado e cientista político Marcelo Issa, diretor-executivo do Movimento Transparência Partidária, afirma que, apesar de não haver sanções para os partidos que apresentem depois as provas das suas despesas, o procedimento prejudica a transparência que as siglas devem ter com a sociedade. “A obrigação de prestar contas e apresentar os respectivos documentos comprobatórios existe, embora – lamentavelmente – não exista previsão específica de sanção quando essa obrigação não é integralmente cumprida.”

Marcelo Issa, diretor do Movimento Transparência Partidária, explica que o levantamento tem como objetivo mostrar a lacuna que a legislação tem nas prestações de contas dos partidos  Foto: Divulgação

Ele avalia que o propósito do levantamento é tanto mostrar a postura dos partidos quanto “evidenciar que o marco regulatório e a sistemática operacional envolvidos nesses processos merecem ser aprimorados, para que efetivamente se consiga fazer com que os partidos prestem contas de modo cada vez mais fidedigno e oportuno”.

Além da Lei dos Partidos Políticos (nº 9.096/1995), o TSE edita resoluções que especificam a forma como as legendas devem prestar contas e fazer uso dos seus sistemas, como o SPCA. A legislação diz, especificamente, que a reprovação das contas não pode impedir um partido de participar de eleições e que, se for condenado, pode pedir uma revisão da decisão judicial para abrandar a penalidade.

Seis diretórios nacionais de partidos comprovaram menos de 10% dos seus gastos do ano eleitoral de 2022 na prestação de contas que devem apresentar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). PL, Novo, PCdoB, PCB, PMB e PSTU apresentaram documentos que representam uma parcela muito pequena daquilo que dizem ter gasto ao longo de todo o ano passado.

O PCdoB não comprovou nem um real dos R$ 121 milhões que afirmam que foram gastos. PCB comprovou 2% da despesa total declarada; Novo, 6%; PMB e PSTU, 7%, cada; e PL, 8%. O partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) informou ter gastado R$ 491 milhões em 2022, mas juntou comprovantes que, somados, dão R$ 41 milhões.

O levantamento foi feito pelo Movimento Transparência Partidária, a partir do que está no Portal de Dados Abertos da Corte, nos dias 21 e 22 de agosto. A legislação estabelece que todos as legendas são obrigadas a prestar contas anualmente em prol da transparência do uso dos recursos públicos.

A prestação de contas dos partidos funciona assim: eles precisam declarar os gastos e as receitas do ano todo no Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA), uma plataforma do TSE, até o dia 30 de junho. O que eles colocam lá dá origem a um processo judicial de prestação de contas, no qual os ministros do TSE avaliam se essa contabilidade está correta.

O que o movimento constatou a partir da análise técnica do que é disponibilizado no Portal de Dados Abertos da Justiça Eleitoral é que vários partidos declaram despesas sem comprovação. As siglas têm a possibilidade de ir “consertando” as declarações no curso do processo, sem que sofram sanções por isso – a ponto de milhões de reais não terem uma destinação clara. Parte desse dinheiro vem, inclusive, dos fundos partidário e eleitoral, que são recursos públicos.

“A Justiça Eleitoral tem cinco anos para julgar as contas dos partidos”, explicou a advogada eleitoral Izabelle Paes, sócia do escritório Callado, Petrin, Paes e Cezar. “Tudo o que foi gasto pelo partido tem que ser informado no sistema. Mas essa não apresentação da documentação não causa prejuízo na análise da prestação de contas.” Em outras palavras, os partidos não sofrem sanções por não apresentarem todos os comprovantes dos seus gastos nesse primeiro momento.

Mudanças no meio do caminho

Ao longo do processo de prestação de contas – que pode durar anos – os partidos podem mudar o que declararam como receita e despesa. “É possível que, a partir do momento que o processo é autuado e a Justiça comece a análise, o partido apresente o que sabe que ficou faltante, ou que faça isso quando for convocado pela equipe técnica do TSE”, afirmou Paes. É como se as siglas pudessem “trocar a asa do avião” durante o voo, sem qualquer prejuízo para o trajeto.

Plenário do TSE: partidos declaram despesas e receitas em uma plataforma e os dados dão origem a um processo judicial, que vai ser analisados pelos ministros da Corte Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Uma eventual punição vai ocorrer só no fim do processo judicial de prestação de contas, se o partido for intimado e, mesmo assim, não corrigir a sua contabilidade. “As siglas podem ser punidas com a devolução dos recursos irregulares (vindos de fundo partidário ou não) e podem receber uma multa de até 20% sobre esse valor que foi considerado irregular”, disse a advogada.

Há ainda a possibilidade de suspensão do recebimento do fundo partidário por um a 12 meses, dependendo de quão grave for a irregularidade nas contas. Mesmo quando a questão não for relativa a verbas públicas, como é o caso do fundo partidário, as siglas precisam provar que aquele gasto teve a ver com as suas atividades.

As verbas doadas também precisam ser auditadas. Um partido não pode receber um recurso e usá-lo para outras finalidades que não sejam as suas”

Izabelle Paes, advogada eleitoral

Questionado pela reportagem, o TSE confirmou que os dados que os partidos cadastram no Sistema de Prestação de Contas Anual, o SPCA, podem ser alterados mesmo depois que o processo judicial começa. “Esses dados são atualizados diariamente/semanalmente e estão sujeitos a alterações decorrentes de diligências solicitadas pela Justiça Eleitoral durante o exame das contas.” Os números ficam disponíveis no site do Tribunal.

Partidos afirmam que vão ajustar documentação

As seis siglas mencionadas na matéria foram procuradas pelo Estadão por meio das assessorias e dos canais disponibilizados por elas no site do TSE. Apenas Novo, PSTU e PCdoB responderam aos questionamentos.

O PSTU disse que, por causa da cláusula de barreira, não recebe recursos do fundo partidário e que declarou, no SPCA, um gasto de “R$ 3.971.498,30, sendo que, deste valor, R$ 3.100.949,86 são recursos do fundo eleitoral e o restante são receitas próprias, ou seja, advindas das contribuições e doações de pessoas físicas”. Fundo eleitoral e fundo partidário são verbas públicas diferentes.

Segundo a sigla, as despesas foram “lançadas e especificadas” e está com prazo aberto no processo de prestação de contas para apresentar novos documentos, a pedido da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa), divisão técnica do TSE. “A agremiação não recebe recursos do fundo partidário e, apesar do relatório técnico da Asepa não ter solicitado, o partido irá apresentar, dentro do prazo processual, toda a documentação.” O PSTU disponibilizou uma pasta com notas fiscais de despesas ao Estadão.

Nesta quinta-feira, 14, após a publicação da reportagem, o partido enviou uma segunda nota afirmando que “como não recebe recursos do fundo partidário não é obrigatório anexar os documentos fiscais (na prestação de contas). O PSTU disse, depois da publicação da matéria, que a informação de que só 7% dos documentos foram entregues é “equivocada” porque “não há que se falar em documento fiscal de transferências de recursos do FEFC (fundo eleitoral), pois não existe documento fiscal neste caso”. Segundo a sigla, o fundo eleitoral, única verba pública que o PSTU recebeu, não tem documento fiscal e foi transferido aos candidatos.

O Novo disse que “a sigla armazena todos os comprovantes fiscais internamente, sendo que estão todos disponíveis para a Justiça Eleitoral assim que requisitados”. Em nota, o partido afirma que a Justiça Eleitoral está apreciando as contas de 2019, 2020 e 2021 e que “está apresentando os comprovantes fiscais conforme demandado pelo tribunal”. As contas de 2016, 2017 e 2018, segundo o Novo, “foram completamente aprovadas”.

“De acordo com as regras em vigor (Art. 29. § 2º, da resolução nº 23.604 do Tribunal Superior Eleitoral), os comprovantes podem ser apresentados somente após a provocação/solicitação do órgão julgador das contas dos partidos. O montante de aproximadamente R$ 3 milhões já apresentado pelo partido Novo se refere a gastos mais comuns que o TSE costuma pedir aos partidos, como por exemplo, gastos referentes à política da mulher”, disse o Novo ao Estadão. O partido não usava recursos do fundo partidário até março deste ano, quando mudou de posição.

Após a publicação da reportagem, o PCdoB disse, por nota, que a prestação de contas “está em análise” e que “havendo necessidade, a partir de parecer preliminar da Asepa, a relatora da prestação de contas, ministra Cármen Lúcia, intimará o partido para que as providências necessárias sejam adotadas, como ocorre em todas as prestações de contas de todos os partidos políticos”.

No dia seguinte à publicação da reportagem, na quinta-feira, 14, o PCdoB enviou uma segunda nota, mudando a explicação sobre o levantamento do Movimento Transparência Partidária. O partido negou que tenha deixado de apresentar as documentações e disse que “prestou sim, conta de sua movimentação financeira no ano de 2022, entregando à Justiça Eleitoral a documentação completa, composta por 3.124 documentos comprobatórios”.

Busca por mais transparência

O advogado e cientista político Marcelo Issa, diretor-executivo do Movimento Transparência Partidária, afirma que, apesar de não haver sanções para os partidos que apresentem depois as provas das suas despesas, o procedimento prejudica a transparência que as siglas devem ter com a sociedade. “A obrigação de prestar contas e apresentar os respectivos documentos comprobatórios existe, embora – lamentavelmente – não exista previsão específica de sanção quando essa obrigação não é integralmente cumprida.”

Marcelo Issa, diretor do Movimento Transparência Partidária, explica que o levantamento tem como objetivo mostrar a lacuna que a legislação tem nas prestações de contas dos partidos  Foto: Divulgação

Ele avalia que o propósito do levantamento é tanto mostrar a postura dos partidos quanto “evidenciar que o marco regulatório e a sistemática operacional envolvidos nesses processos merecem ser aprimorados, para que efetivamente se consiga fazer com que os partidos prestem contas de modo cada vez mais fidedigno e oportuno”.

Além da Lei dos Partidos Políticos (nº 9.096/1995), o TSE edita resoluções que especificam a forma como as legendas devem prestar contas e fazer uso dos seus sistemas, como o SPCA. A legislação diz, especificamente, que a reprovação das contas não pode impedir um partido de participar de eleições e que, se for condenado, pode pedir uma revisão da decisão judicial para abrandar a penalidade.

Seis diretórios nacionais de partidos comprovaram menos de 10% dos seus gastos do ano eleitoral de 2022 na prestação de contas que devem apresentar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). PL, Novo, PCdoB, PCB, PMB e PSTU apresentaram documentos que representam uma parcela muito pequena daquilo que dizem ter gasto ao longo de todo o ano passado.

O PCdoB não comprovou nem um real dos R$ 121 milhões que afirmam que foram gastos. PCB comprovou 2% da despesa total declarada; Novo, 6%; PMB e PSTU, 7%, cada; e PL, 8%. O partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) informou ter gastado R$ 491 milhões em 2022, mas juntou comprovantes que, somados, dão R$ 41 milhões.

O levantamento foi feito pelo Movimento Transparência Partidária, a partir do que está no Portal de Dados Abertos da Corte, nos dias 21 e 22 de agosto. A legislação estabelece que todos as legendas são obrigadas a prestar contas anualmente em prol da transparência do uso dos recursos públicos.

A prestação de contas dos partidos funciona assim: eles precisam declarar os gastos e as receitas do ano todo no Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA), uma plataforma do TSE, até o dia 30 de junho. O que eles colocam lá dá origem a um processo judicial de prestação de contas, no qual os ministros do TSE avaliam se essa contabilidade está correta.

O que o movimento constatou a partir da análise técnica do que é disponibilizado no Portal de Dados Abertos da Justiça Eleitoral é que vários partidos declaram despesas sem comprovação. As siglas têm a possibilidade de ir “consertando” as declarações no curso do processo, sem que sofram sanções por isso – a ponto de milhões de reais não terem uma destinação clara. Parte desse dinheiro vem, inclusive, dos fundos partidário e eleitoral, que são recursos públicos.

“A Justiça Eleitoral tem cinco anos para julgar as contas dos partidos”, explicou a advogada eleitoral Izabelle Paes, sócia do escritório Callado, Petrin, Paes e Cezar. “Tudo o que foi gasto pelo partido tem que ser informado no sistema. Mas essa não apresentação da documentação não causa prejuízo na análise da prestação de contas.” Em outras palavras, os partidos não sofrem sanções por não apresentarem todos os comprovantes dos seus gastos nesse primeiro momento.

Mudanças no meio do caminho

Ao longo do processo de prestação de contas – que pode durar anos – os partidos podem mudar o que declararam como receita e despesa. “É possível que, a partir do momento que o processo é autuado e a Justiça comece a análise, o partido apresente o que sabe que ficou faltante, ou que faça isso quando for convocado pela equipe técnica do TSE”, afirmou Paes. É como se as siglas pudessem “trocar a asa do avião” durante o voo, sem qualquer prejuízo para o trajeto.

Plenário do TSE: partidos declaram despesas e receitas em uma plataforma e os dados dão origem a um processo judicial, que vai ser analisados pelos ministros da Corte Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Uma eventual punição vai ocorrer só no fim do processo judicial de prestação de contas, se o partido for intimado e, mesmo assim, não corrigir a sua contabilidade. “As siglas podem ser punidas com a devolução dos recursos irregulares (vindos de fundo partidário ou não) e podem receber uma multa de até 20% sobre esse valor que foi considerado irregular”, disse a advogada.

Há ainda a possibilidade de suspensão do recebimento do fundo partidário por um a 12 meses, dependendo de quão grave for a irregularidade nas contas. Mesmo quando a questão não for relativa a verbas públicas, como é o caso do fundo partidário, as siglas precisam provar que aquele gasto teve a ver com as suas atividades.

As verbas doadas também precisam ser auditadas. Um partido não pode receber um recurso e usá-lo para outras finalidades que não sejam as suas”

Izabelle Paes, advogada eleitoral

Questionado pela reportagem, o TSE confirmou que os dados que os partidos cadastram no Sistema de Prestação de Contas Anual, o SPCA, podem ser alterados mesmo depois que o processo judicial começa. “Esses dados são atualizados diariamente/semanalmente e estão sujeitos a alterações decorrentes de diligências solicitadas pela Justiça Eleitoral durante o exame das contas.” Os números ficam disponíveis no site do Tribunal.

Partidos afirmam que vão ajustar documentação

As seis siglas mencionadas na matéria foram procuradas pelo Estadão por meio das assessorias e dos canais disponibilizados por elas no site do TSE. Apenas Novo, PSTU e PCdoB responderam aos questionamentos.

O PSTU disse que, por causa da cláusula de barreira, não recebe recursos do fundo partidário e que declarou, no SPCA, um gasto de “R$ 3.971.498,30, sendo que, deste valor, R$ 3.100.949,86 são recursos do fundo eleitoral e o restante são receitas próprias, ou seja, advindas das contribuições e doações de pessoas físicas”. Fundo eleitoral e fundo partidário são verbas públicas diferentes.

Segundo a sigla, as despesas foram “lançadas e especificadas” e está com prazo aberto no processo de prestação de contas para apresentar novos documentos, a pedido da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa), divisão técnica do TSE. “A agremiação não recebe recursos do fundo partidário e, apesar do relatório técnico da Asepa não ter solicitado, o partido irá apresentar, dentro do prazo processual, toda a documentação.” O PSTU disponibilizou uma pasta com notas fiscais de despesas ao Estadão.

Nesta quinta-feira, 14, após a publicação da reportagem, o partido enviou uma segunda nota afirmando que “como não recebe recursos do fundo partidário não é obrigatório anexar os documentos fiscais (na prestação de contas). O PSTU disse, depois da publicação da matéria, que a informação de que só 7% dos documentos foram entregues é “equivocada” porque “não há que se falar em documento fiscal de transferências de recursos do FEFC (fundo eleitoral), pois não existe documento fiscal neste caso”. Segundo a sigla, o fundo eleitoral, única verba pública que o PSTU recebeu, não tem documento fiscal e foi transferido aos candidatos.

O Novo disse que “a sigla armazena todos os comprovantes fiscais internamente, sendo que estão todos disponíveis para a Justiça Eleitoral assim que requisitados”. Em nota, o partido afirma que a Justiça Eleitoral está apreciando as contas de 2019, 2020 e 2021 e que “está apresentando os comprovantes fiscais conforme demandado pelo tribunal”. As contas de 2016, 2017 e 2018, segundo o Novo, “foram completamente aprovadas”.

“De acordo com as regras em vigor (Art. 29. § 2º, da resolução nº 23.604 do Tribunal Superior Eleitoral), os comprovantes podem ser apresentados somente após a provocação/solicitação do órgão julgador das contas dos partidos. O montante de aproximadamente R$ 3 milhões já apresentado pelo partido Novo se refere a gastos mais comuns que o TSE costuma pedir aos partidos, como por exemplo, gastos referentes à política da mulher”, disse o Novo ao Estadão. O partido não usava recursos do fundo partidário até março deste ano, quando mudou de posição.

Após a publicação da reportagem, o PCdoB disse, por nota, que a prestação de contas “está em análise” e que “havendo necessidade, a partir de parecer preliminar da Asepa, a relatora da prestação de contas, ministra Cármen Lúcia, intimará o partido para que as providências necessárias sejam adotadas, como ocorre em todas as prestações de contas de todos os partidos políticos”.

No dia seguinte à publicação da reportagem, na quinta-feira, 14, o PCdoB enviou uma segunda nota, mudando a explicação sobre o levantamento do Movimento Transparência Partidária. O partido negou que tenha deixado de apresentar as documentações e disse que “prestou sim, conta de sua movimentação financeira no ano de 2022, entregando à Justiça Eleitoral a documentação completa, composta por 3.124 documentos comprobatórios”.

Busca por mais transparência

O advogado e cientista político Marcelo Issa, diretor-executivo do Movimento Transparência Partidária, afirma que, apesar de não haver sanções para os partidos que apresentem depois as provas das suas despesas, o procedimento prejudica a transparência que as siglas devem ter com a sociedade. “A obrigação de prestar contas e apresentar os respectivos documentos comprobatórios existe, embora – lamentavelmente – não exista previsão específica de sanção quando essa obrigação não é integralmente cumprida.”

Marcelo Issa, diretor do Movimento Transparência Partidária, explica que o levantamento tem como objetivo mostrar a lacuna que a legislação tem nas prestações de contas dos partidos  Foto: Divulgação

Ele avalia que o propósito do levantamento é tanto mostrar a postura dos partidos quanto “evidenciar que o marco regulatório e a sistemática operacional envolvidos nesses processos merecem ser aprimorados, para que efetivamente se consiga fazer com que os partidos prestem contas de modo cada vez mais fidedigno e oportuno”.

Além da Lei dos Partidos Políticos (nº 9.096/1995), o TSE edita resoluções que especificam a forma como as legendas devem prestar contas e fazer uso dos seus sistemas, como o SPCA. A legislação diz, especificamente, que a reprovação das contas não pode impedir um partido de participar de eleições e que, se for condenado, pode pedir uma revisão da decisão judicial para abrandar a penalidade.

Seis diretórios nacionais de partidos comprovaram menos de 10% dos seus gastos do ano eleitoral de 2022 na prestação de contas que devem apresentar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). PL, Novo, PCdoB, PCB, PMB e PSTU apresentaram documentos que representam uma parcela muito pequena daquilo que dizem ter gasto ao longo de todo o ano passado.

O PCdoB não comprovou nem um real dos R$ 121 milhões que afirmam que foram gastos. PCB comprovou 2% da despesa total declarada; Novo, 6%; PMB e PSTU, 7%, cada; e PL, 8%. O partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) informou ter gastado R$ 491 milhões em 2022, mas juntou comprovantes que, somados, dão R$ 41 milhões.

O levantamento foi feito pelo Movimento Transparência Partidária, a partir do que está no Portal de Dados Abertos da Corte, nos dias 21 e 22 de agosto. A legislação estabelece que todos as legendas são obrigadas a prestar contas anualmente em prol da transparência do uso dos recursos públicos.

A prestação de contas dos partidos funciona assim: eles precisam declarar os gastos e as receitas do ano todo no Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA), uma plataforma do TSE, até o dia 30 de junho. O que eles colocam lá dá origem a um processo judicial de prestação de contas, no qual os ministros do TSE avaliam se essa contabilidade está correta.

O que o movimento constatou a partir da análise técnica do que é disponibilizado no Portal de Dados Abertos da Justiça Eleitoral é que vários partidos declaram despesas sem comprovação. As siglas têm a possibilidade de ir “consertando” as declarações no curso do processo, sem que sofram sanções por isso – a ponto de milhões de reais não terem uma destinação clara. Parte desse dinheiro vem, inclusive, dos fundos partidário e eleitoral, que são recursos públicos.

“A Justiça Eleitoral tem cinco anos para julgar as contas dos partidos”, explicou a advogada eleitoral Izabelle Paes, sócia do escritório Callado, Petrin, Paes e Cezar. “Tudo o que foi gasto pelo partido tem que ser informado no sistema. Mas essa não apresentação da documentação não causa prejuízo na análise da prestação de contas.” Em outras palavras, os partidos não sofrem sanções por não apresentarem todos os comprovantes dos seus gastos nesse primeiro momento.

Mudanças no meio do caminho

Ao longo do processo de prestação de contas – que pode durar anos – os partidos podem mudar o que declararam como receita e despesa. “É possível que, a partir do momento que o processo é autuado e a Justiça comece a análise, o partido apresente o que sabe que ficou faltante, ou que faça isso quando for convocado pela equipe técnica do TSE”, afirmou Paes. É como se as siglas pudessem “trocar a asa do avião” durante o voo, sem qualquer prejuízo para o trajeto.

Plenário do TSE: partidos declaram despesas e receitas em uma plataforma e os dados dão origem a um processo judicial, que vai ser analisados pelos ministros da Corte Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Uma eventual punição vai ocorrer só no fim do processo judicial de prestação de contas, se o partido for intimado e, mesmo assim, não corrigir a sua contabilidade. “As siglas podem ser punidas com a devolução dos recursos irregulares (vindos de fundo partidário ou não) e podem receber uma multa de até 20% sobre esse valor que foi considerado irregular”, disse a advogada.

Há ainda a possibilidade de suspensão do recebimento do fundo partidário por um a 12 meses, dependendo de quão grave for a irregularidade nas contas. Mesmo quando a questão não for relativa a verbas públicas, como é o caso do fundo partidário, as siglas precisam provar que aquele gasto teve a ver com as suas atividades.

As verbas doadas também precisam ser auditadas. Um partido não pode receber um recurso e usá-lo para outras finalidades que não sejam as suas”

Izabelle Paes, advogada eleitoral

Questionado pela reportagem, o TSE confirmou que os dados que os partidos cadastram no Sistema de Prestação de Contas Anual, o SPCA, podem ser alterados mesmo depois que o processo judicial começa. “Esses dados são atualizados diariamente/semanalmente e estão sujeitos a alterações decorrentes de diligências solicitadas pela Justiça Eleitoral durante o exame das contas.” Os números ficam disponíveis no site do Tribunal.

Partidos afirmam que vão ajustar documentação

As seis siglas mencionadas na matéria foram procuradas pelo Estadão por meio das assessorias e dos canais disponibilizados por elas no site do TSE. Apenas Novo, PSTU e PCdoB responderam aos questionamentos.

O PSTU disse que, por causa da cláusula de barreira, não recebe recursos do fundo partidário e que declarou, no SPCA, um gasto de “R$ 3.971.498,30, sendo que, deste valor, R$ 3.100.949,86 são recursos do fundo eleitoral e o restante são receitas próprias, ou seja, advindas das contribuições e doações de pessoas físicas”. Fundo eleitoral e fundo partidário são verbas públicas diferentes.

Segundo a sigla, as despesas foram “lançadas e especificadas” e está com prazo aberto no processo de prestação de contas para apresentar novos documentos, a pedido da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa), divisão técnica do TSE. “A agremiação não recebe recursos do fundo partidário e, apesar do relatório técnico da Asepa não ter solicitado, o partido irá apresentar, dentro do prazo processual, toda a documentação.” O PSTU disponibilizou uma pasta com notas fiscais de despesas ao Estadão.

Nesta quinta-feira, 14, após a publicação da reportagem, o partido enviou uma segunda nota afirmando que “como não recebe recursos do fundo partidário não é obrigatório anexar os documentos fiscais (na prestação de contas). O PSTU disse, depois da publicação da matéria, que a informação de que só 7% dos documentos foram entregues é “equivocada” porque “não há que se falar em documento fiscal de transferências de recursos do FEFC (fundo eleitoral), pois não existe documento fiscal neste caso”. Segundo a sigla, o fundo eleitoral, única verba pública que o PSTU recebeu, não tem documento fiscal e foi transferido aos candidatos.

O Novo disse que “a sigla armazena todos os comprovantes fiscais internamente, sendo que estão todos disponíveis para a Justiça Eleitoral assim que requisitados”. Em nota, o partido afirma que a Justiça Eleitoral está apreciando as contas de 2019, 2020 e 2021 e que “está apresentando os comprovantes fiscais conforme demandado pelo tribunal”. As contas de 2016, 2017 e 2018, segundo o Novo, “foram completamente aprovadas”.

“De acordo com as regras em vigor (Art. 29. § 2º, da resolução nº 23.604 do Tribunal Superior Eleitoral), os comprovantes podem ser apresentados somente após a provocação/solicitação do órgão julgador das contas dos partidos. O montante de aproximadamente R$ 3 milhões já apresentado pelo partido Novo se refere a gastos mais comuns que o TSE costuma pedir aos partidos, como por exemplo, gastos referentes à política da mulher”, disse o Novo ao Estadão. O partido não usava recursos do fundo partidário até março deste ano, quando mudou de posição.

Após a publicação da reportagem, o PCdoB disse, por nota, que a prestação de contas “está em análise” e que “havendo necessidade, a partir de parecer preliminar da Asepa, a relatora da prestação de contas, ministra Cármen Lúcia, intimará o partido para que as providências necessárias sejam adotadas, como ocorre em todas as prestações de contas de todos os partidos políticos”.

No dia seguinte à publicação da reportagem, na quinta-feira, 14, o PCdoB enviou uma segunda nota, mudando a explicação sobre o levantamento do Movimento Transparência Partidária. O partido negou que tenha deixado de apresentar as documentações e disse que “prestou sim, conta de sua movimentação financeira no ano de 2022, entregando à Justiça Eleitoral a documentação completa, composta por 3.124 documentos comprobatórios”.

Busca por mais transparência

O advogado e cientista político Marcelo Issa, diretor-executivo do Movimento Transparência Partidária, afirma que, apesar de não haver sanções para os partidos que apresentem depois as provas das suas despesas, o procedimento prejudica a transparência que as siglas devem ter com a sociedade. “A obrigação de prestar contas e apresentar os respectivos documentos comprobatórios existe, embora – lamentavelmente – não exista previsão específica de sanção quando essa obrigação não é integralmente cumprida.”

Marcelo Issa, diretor do Movimento Transparência Partidária, explica que o levantamento tem como objetivo mostrar a lacuna que a legislação tem nas prestações de contas dos partidos  Foto: Divulgação

Ele avalia que o propósito do levantamento é tanto mostrar a postura dos partidos quanto “evidenciar que o marco regulatório e a sistemática operacional envolvidos nesses processos merecem ser aprimorados, para que efetivamente se consiga fazer com que os partidos prestem contas de modo cada vez mais fidedigno e oportuno”.

Além da Lei dos Partidos Políticos (nº 9.096/1995), o TSE edita resoluções que especificam a forma como as legendas devem prestar contas e fazer uso dos seus sistemas, como o SPCA. A legislação diz, especificamente, que a reprovação das contas não pode impedir um partido de participar de eleições e que, se for condenado, pode pedir uma revisão da decisão judicial para abrandar a penalidade.

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