A Operação Muditia, deflagrada por uma força-tarefa entre o Ministério Público e a Polícia Militar de São Paulo neste mês, apontou a existência de um esquema de fraudes em licitações de prefeituras e câmaras municipais em 12 cidades do Estado para favorecer o Primeiro Comando da Capital (PCC). Políticos, servidores públicos, advogados e empresários foram presos, são investigados ou são apontados como suspeitos de atuarem para viabilizar os desvios.
O empresário Vagner Borges Dias é apontado pelos investigadores como o líder da quadrilha e foi a partir da quebra de sigilo das mensagens dele que a investigação expandiu para os demais alvos. Foragido da Justiça, ele é cantor de pagode, conhecido pelo nome artístico Latrell Brito, e era a quem vereadores cooptados recorriam para cobrar propina sobre os contratos públicos, segundo a investigação.
Vagner Borges Dias levava uma vida de ostentação, com viagens ao exterior, tem registro de Caçador, Atirador e Colecionador (CAC) e possui ao menos três armas de fogo. Mensagens obtidas pelo Ministério Público mostram que ele foi pressionado pelo PCC a repassar para integrantes da facção parte dos R$ 14 milhões obtidos pela empresa dele, a Vagner Borges Dias ME, em um contrato para prestar serviços de limpeza para o Metrô. A estatal afirmou que o contrato foi encerrado no ano passado e que a empresa apresentou os documentos e garantias exigidos pelo edital.
Vagner, ou Latrell, seria sócio, segundo a investigação, de Márcio Zeca da Silva. Conhecido como “Gordo”, ele foi condenado por tráfico de drogas em 2023, após por ter sido flagrado, em 2021, com 200 porções de cocaína escondidas no fundo falso de uma Mercedes. De acordo com a Promotoria, ele tem histórico de envolvimento com o PCC, assumindo, inclusive, a liderança de negócios com o objetivo de lavar o dinheiro obtido pelo tráfico.
As investigações apontam que o esquema usava diferentes empresas e representantes para dar ares de concorrência às licitações que visavam vencer. Carlos Roberto Galvão Júnior, o “Juninho”, é dono da empresa Centermix. Na visão do Ministério Público, ele apenas emprestou o nome e atuava como “laranja”.
Ao mesmo tempo, Antônio Carlos de Morais se apresentava nos pregões presenciais e eletrônicos como representante das empresas investigadas, além de comandar a parte burocrática e administrativa da operação – há mensagens em que ele orienta servidores públicos sobre como os editais deveriam ser feitos para beneficiar a quadrilha. O pagamento de propinas aos agentes públicos seria responsabilidade de Wellington Costa, o “Bola”, com quem os promotores encontraram registros de envelopes com dinheiro vivo.
Vereadores e agentes públicos
O Ministério Público denunciou quatro vereadores e três servidores públicos por suposta participação na organização criminosa. Flávio Batista de Souza (Podemos), o Inha, foi vice-prefeito e secretário municipal de Ferraz de Vasconcelos e está no terceiro mandato como vereador. Preso pela Muditia, ele caiu no grampo cobrando que Latrell pagasse a propina combinada sobre um contrato de serviço de limpeza para a prefeitura da cidade na Grande São Paulo.
Outro vereador preso, Ricardo Queixão (PSD), de Cubatão, enviou mensagens ao pagodeiro pedindo propina no final de 2020 para comprar o terno que usaria na posse como vereador dias depois – ele tem mandato na Câmara Municipal desde 2013.
Luiz Carlos Alves Dias (MDB), o Luizão Arquiteto, também foi preso. Vereador há três mandatos em Santa Isabel, ele tinha uma arma de fogo não registrada em casa, que foi apreendida. Já Gabriel dos Santos (PSD), vereador de Arujá e único parlamentar que não está preso, alegou que os R$ 80 mil em espécie encontrados pela operação em sua residência eram uma premiação que recebeu pela sua atuação como golfista.
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Também foram denunciados Eduardo Antônio Sesti Júnior, ex-secretário de Administração da prefeitura de Itatiba; Fabiana de Abreu Silva, ex-assessora especial de Políticas Estratégicas da prefeitura de Cubatão, exonerada após a Muditia e atualmente em prisão domiciliar; e Jesus Cristian Ermendel dos Reis, servidor da Câmara de Arujá, que integrava a equipe responsável pelos pregões realizados pela Casa.
Completando o rol de políticos, está Dario Reisinger Ferreira, presidente do União Brasil em Suzano, que expressou intenção de concorrer a vice-prefeito da cidade na eleição em outubro. Ele estava foragido, mas se entregou à Justiça na terça-feira, 23.
O advogado entrou na mira da operação ao assinar pedidos de impugnação de editais e licitações no Tribunal de Contas do Estado e por atuar em nome de empresas suspeitas de terem sido criadas em nome de “laranjas” e com a única finalidade de perder licitações, segundo o Ministério Público, dando ares de legalidade ao conluio.
Ele teve um habeas corpus negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A defesa de Dario argumenta que a prisão foi ilegal e que o MP tenta criminalizar a atuação profissional dele como advogado, além de afirmar que ele foi arrastado ao inquérito exclusivamente por representar pessoas físicas e jurídicas investigadas. Os demais citados foram procurados pelo Estadão após a operação, mas não responderam.
Advogado de André do Rap
O advogado Áureo Tupinambá de Oliveira Fausto Filho também foi detido pela operação. Representante do líder do PCC, André do Rap, perante a Justiça, ele também era diretor-secretário da Câmara Municipal de Cubatão, cargo do qual foi exonerado no dia 16 de abril após ter sido preso.
O Ministério Público suspeita que ele tinha uma linha direta com Latrell Brito, com quem trocava mensagens para discutir propina e ajustar os contratos do Legislativo municipal para que a empresa do cantor de pagode levasse vantagem.
O criminalista Marcelo Cruz, que defende Áureo, afirma que as mensagens trocadas com Latrell não apontam “eventual responsabilidade criminal” de seu cliente. “A extração de meros trechos de conversas sem a exposição de todo o seu contexto acaba levando a interpretação equivocada”, disse. “Finalizamos registrando que o investigado, desde que tomou conhecimento dos fatos, vem se colocando à disposição para esclarecimentos”, concluiu.
Operação Fim da Linha
O Ministério Público também investiga a infiltração do PCC em empresas de ônibus que mantêm contrato com a Prefeitura de São Paulo. Uma das empresas na mira da Operação Fim da Linha, também deflagrada em abril, foi a Transwolff, cujos diretores aparecem em casos ligados a integrantes ou parentes de membros da facção criminosa.
O presidente afastado da empresa, Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, foi preso no início de abril. Ele atua no setor de transporte há quase três décadas e era um dos líderes dos perueiros clandestinos na capital nos anos 1990. Em 2006, ele teria participado da tentativa de resgate de Nivaldo Eli Flausino Alves, o Branco, irmão de um dos chefes do PCC, Antonio José Muller Junior, o Granada.
Outro diretor da empresa é Róbson Flares Lopes Pontes, preso na mesma operação. Ele é irmão de Gilberto Flares Lopes Pontes, o Dinamarca, ex-integrante da cúpula do PCC que foi alvo da Operação Sharks, que mirou as lideranças da facção. Dinamarca foi morto em 2021. Na quarta-feira, 24, a Justiça aceitou a denúncia contra os dois dirigentes da empresa e outros acusados. O Estadão não conseguiu localizar os defensores deles.