O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, foi autor de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impediria Ricardo Lewandowski, sucessor dele na pasta, de assumir o ministério, caso tivesse sido aprovada. Enquanto deputado federal, Dino propôs que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), após a aposentadoria, cumprissem um período de três anos de “quarentena” em que não poderiam exercer “cargos em comissão ou de mandatos eletivos em quaisquer dos Poderes e entes da federação”.
É exatamente o que ocorre com Lewandowski, que se aposentou da Corte em abril de 2023. Na quinta-feira, 11, nove meses após sair do Supremo, ele foi nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para um cargo no Executivo, como Ministério da Justiça e Segurança Pública. Se a PEC de Dino tivesse ido adiante no Congresso, Lewandowski ainda estaria na “quarentena” e o movimento não seria possível.
Além da quarentena de três anos, a PEC 342/2009 propunha um mandato de 11 anos para os ministros do STF. Pela legislação atual, não há um período fixo para que os ministros permaneçam na Corte, apenas uma idade limite para a aposentadoria compulsória. Essa idade, hoje, é de 75 anos, e foi fixada por uma lei de 2015. Até então, o limite era de 70 anos.
A proposta de Dino foi apensada à PEC 484/2005. No processo legislativo, a apensação é um instrumento que permite a tramitação conjunta de proposições que tratam de assuntos iguais ou semelhantes. A PEC que incorporou a proposta de Dino, no entanto, segue em fase iniciação de tramitação, sem nem sequer ter sido apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Dino criticou indicações em dissertação
A PEC de Flávio Dino reflete uma preocupação de longa data do atual ministro da Justiça. Em 2001, oito anos antes de apresentar a proposta, ele já havia criticado, em sua dissertação de mestrado, as regras para a indicação de juízes em tribunais superiores.
Segundo a dissertação “Autogoverno e controle do Judiciário no Brasil”, apresentada por Dino ao programa de pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), esse modelo de indicação, no qual um político se envolve diretamente com um cargo para o Judiciário, envolve “muitas mediações” que não podem ser esquecidas, tais como “compensação a parlamentares não reeleitos, necessidade de selar alianças partidárias e simpatias pessoais”. Esses fatores, diz o autor, colocariam “em segundo plano o valor da independência judicial”.
A Constituição Federal estabelece que o presidente da República é o responsável por indicar os juízes dos Tribunais Superiores, tais como o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além disso, o presidente indica também os juízes dos Tribunais Regionais. O método é análogo ao que vigora nas Cortes estaduais. Os Tribunais de Justiça (TJ) de cada Estado também tem magistrados escolhidos pelo Executivo – no caso, os governadores de cada localidade.
“Há quem veja maior compatibilidade com o regime democrático no sistema de livre nomeação dos juízes dos Tribunais pelos chefes do Poder Executivo, em virtude de estes serem eleitos diretamente, de modo que as escolhas feitas refletiriam, em última análise, a vontade popular. Esta é, contudo, uma visão puramente formal, pois despreza as inúmeras distorções que o nosso sistema político-eleitoral possui”, analisou Flávio Dino na dissertação.
Dino, em 2001, reconheceu e criticou o modelo de indicações por meio do qual o interesse político pode se sobrepor à independência do Judiciário. Anos depois, em 2023, foi beneficiado pelo sistema em questão ao ser indicado para o STF por Lula.
No anúncio de Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça, Lula comentou as expectativas que reservava a Flávio Dino no Supremo. O presidente afirmou que ter um ministro “com cabeça política” no STF era um “sonho”. No mês passado, Lula já havia declaradao que estava muito feliz em ter “colocado, na Suprema Corte deste País, um ministro comunista”.
Congresso Nacional debate regras para o STF
O Congresso debate novos modelos e regras para a indicação ao Supremo. A ideia de tempo de mandato para ministro do STF não é exclusiva da PEC apresentada por Dino e está presente em outras proposições. Em dezembro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que pretende pautar uma PEC que cria um mandato fixo para os ministros da Corte ainda no início de 2024.
No mesmo mês, em entrevista à GloboNews, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que não é uma regra que ele defenda. Segundo o deputado, a fixação de um mandato poderia comprometer a isenção do Supremo. “Imagine uma pessoa que vá ao STF com 44, 45 anos, e sabe que vai sair com 55. O que é que vai se esperar de isenção de julgamento de alguém que sabe que em dez anos vai sair com 55 anos, em plena atividade?”, afirmou Lira.
Relembre quem saiu do STF para assumir ministério
Ricardo Lewandowski não é o primeiro a deixar o STF e assumir um ministério. Ao todo, 28 magistrados se aposentaram do STF desde a redemocratização, em 1985. Desses, cinco voltaram à vida pública como ministros de Estado, incluindo Lewandowski. Os outros casos são os de Oscar Corrêa, Célio Borja, Nelson Jobim e Francisco Rezek.
Oscar Corrêa e Célio Borja traçaram um caminho similar ao de Ricardo Lewandowski, deixando o Supremo e, depois, assumindo o Ministério da Justiça. Nelson Jobim saiu do STF em 2006 e, no ano seguinte, foi indicado por Lula para o Ministério da Defesa. Francisco Rezek viveu uma dinâmica peculiar: ele é o único magistrado da história a assumir duas vezes uma cadeira no STF. Em 1990, pediu exoneração da Corte para assumir o Ministério das Relações Exteriores e, em 1992, retornou ao STF.