Periferia leva Nunes e Boulos ao 2º turno, e Marçal vira ‘caroço’ para direita, diz especialista


Renato Dorgan, cientista político e CEO do Instituto Travessia, avalia que o segundo turno é mais favorável ao atual prefeito e descarta uma migração automática dos votos de Tabata Amaral para o candidato do PSOL

Por Bianca Gomes
Foto: TABA BENEDICTO Taba Benedicto/Estadão
Entrevista comRenato Dorgan CEO do Instituto Travessia

Para Renato Dorgan, cientista político e CEO do Instituto Travessia, o voto periférico teve um papel determinante na eleição para a Prefeitura de São Paulo, sendo o responsável por levar Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) para o segundo turno. Na avaliação do especialista em pesquisas eleitorais, embora tenha sido derrotado no pleito, o influenciador Pablo Marçal (PRTB) se consolidou nesta eleição como um novo player da direita moderna, com apelo nacional e potencial para se tornar um “caroço” para a direita resolver no futuro.

Qual a sua avaliação sobre o resultado da disputada eleição em São Paulo?

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São Paulo teve uma eleição apertada, confirmando o que apontavam as pesquisas. A polarização entre Boulos e Marçal, que dominou as conversas nos últimos dias, repete um cenário já visto em eleições passadas, como nas campanhas de Jânio Quadros, Fernando Henrique e Marta Suplicy, em 2000: fora da “bolha” de informação da classe média paulistana e das regiões mais nobres da cidade, existe uma eleição que realmente define o resultado, a das periferias. Nesses bairros, a Prefeitura intensificou suas ações nos últimos dois anos – especialmente no último – e Nunes garantiu uma votação expressiva. Para se manter à frente durante toda a disputa, ele contou com um apoio denso na periferia. Na minha opinião, a periferia foi quem levou Boulos e Nunes para o segundo turno.

O que esperar para o segundo turno?

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Será um segundo turno um pouco mais civilizado. É claro que haverá embates e acusações mútuas, já que é uma disputa direta, mas acredito que teremos mais espaço para propostas e menos tensão no ar sem Marçal, que tumultuou o processo. Na minha opinião, o cenário inicial aponta para uma vantagem de Nunes, já que Marçal ficou de fora com uma votação quase idêntica à dos dois e, dificilmente, seus eleitores vão migrar para o Boulos. É possível que alguns jovens, principalmente das classes C2/D, possam pular do Marçal para o Boulos, mas tem grandes chances de a maioria optar por um voto útil em Nunes contra Boulos, o que lhe dá uma ligeira vantagem.

Para onde devem ir os votos da Tabata?

A Tabata chegou a 9% dos votos válidos, enquanto o Marçal alcançou 28%. A capacidade de transferência da Tabata vai ser reduzida. Sua declaração de apoio ao Boulos busca atrair o máximo possível de seus eleitores para a candidatura dele, mas não está claro que essa migração é automática. As pesquisas qualitativas mostram que o eleitor de Tabata orbita entre a centro-direita e a centro-esquerda e, apesar de uma parte poder ir para Boulos, há uma fatia que pode migrar para Nunes, especialmente por conta da rejeição ao PT, que é muito presente em São Paulo.

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Renato Dorgan Filho, cientista político e CEO do Instituto Travessia. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como fica o futuro político do Marçal após a eleição?

Ele sai com uma votação muito significativa e realmente é um player da direita moderna, que consegue orbitar mais do que o Bolsonaro entre negros, LGBTs e jovens. Ele fura várias bolhas que o Bolsonaro tem dificuldade de penetrar. Tem uma retórica muito forte e um apelo muito intenso. Eu acho até que ele tem um apelo mais nacional do que local, para São Paulo, apesar de a classe média alta paulistana gostar muito dele, por causa desse estilo superliberal, meio “yuppie” misturado com coaching – algo que a classe média alta, uma grande parte, gosta. A classe média gosta dele, mas a massa, a classe C, D, e a elite mais intelectualizada da cidade se assustam. Eu acho que ele tem um forte apelo nacional, com potencial de sucesso no Sul, no Centro-Oeste e até em partes do Norte. Ele é um player nacional e um problema real para o Bolsonaro, que está inelegível. E a intensidade do apoio de Tarcísio a Nunes mostra o receio de Tarcísio de ser substituído por ele, já que o Tarcísio é mais moderado, uma direita menos espetaculosa. Marçal, sem dúvida, tem futuro: sua votação foi de [eleição] majoritária. Se fosse uma eleição com duas vagas para o Senado em São Paulo, é muito provável que ele tivesse sido eleito. Portanto, ele é, sim, um player nacional e pode se tornar um grande “caroço” para a direita resolver.

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Marçal é um player nacional e um problema real para o Bolsonaro, que está inelegível. E a intensidade do apoio de Tarcísio a Nunes mostra o receio de Tarcísio de ser substituído por ele, já que o Tarcísio é mais moderado, uma direita menos espetaculosa

Quais forças políticas saem fortalecidas da eleição?

A grande vitória foi dos partidos de centro-direita. As legendas tradicionais, como o MDB e o PSD, saíram muito fortalecidas, e a coalizão em torno de Nunes também se consolidou nesse primeiro turno. Se a vitória de Nunes se confirmar no segundo turno, esse grupo sairá ainda mais fortalecido. Nacionalmente, esses partidos também mostraram força, conquistando diversas vitórias em várias regiões.

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E Lula e Bolsonaro?

Acho que o Bolsonaro não foi tão preponderante na maioria dos lugares, mas foi mais importante que o Lula. Bolsonaro foi importante em algumas chegadas, em disputas nas quais o PL estava empatado. Parece que o PL ainda simboliza o “22″, um certo bolsonarismo, uma certa posição de direita. Então, o Bolsonaro, como cabo eleitoral, não sai fragilizado, mas sai normal. Ele não é um super cabo eleitoral no final desta eleição, mas também não sai mal. Agora, a esquerda é diferente. Nacionalmente, a esquerda não se saiu bem. Em São Paulo, ela sobrevive, mas você vê que teve mais de 50% dos votos verbalizados na direita, enquanto a esquerda não conseguiu passar dos 30%. A Tabata mistura um sentimento de centro-direita e centro-esquerda, é mais centralizada, então não dá para contar ela como voto de esquerda. Acho que o PT mostra um enfraquecimento, e a esquerda em si mostra um teto muito baixo em São Paulo, que não passa de um terço do eleitorado da cidade. Nacionalmente, os resultados das capitais também são ruins.

Como fica o PSDB após essa eleição?

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O PSDB saiu arrasado das eleições em São Paulo, resultado de um processo de autodestruição que começou em 2016. O João Doria ainda conseguiu vencer a Prefeitura e depois o governo estadual, mas, no período pós-Bolsonaro, o partido entrou em decadência no Estado. Covas conseguiu se reeleger em 2020, mas a estrutura já estava fragilizada. A vitória de Tarcísio, com Rodrigo [Garcia] fora do segundo turno, foi um golpe duro, seguido agora pela destruição total com a candidatura de Datena, que foi marcada por uma campanha confusa e perdida. A estratégia começou centrada na Tabata, que seria uma opção melhor, mas acabou se perdendo no meio do caminho. O PSDB não elegeu nenhum vereador, consolidando-se como o grande derrotado na capital. No Estado, a situação não é melhor: com exceção de Santo André, que reelegeu o prefeito, o desempenho foi desastroso nas demais cidades.

O PSDB não elegeu nenhum vereador, consolidando-se como o grande derrotado na capital

Qual sua avaliação sobre o desempenho do Tarcísio como cabo eleitoral?

O Tarcísio, como cabo eleitoral, ajudou o Nunes a se posicionar. Por exemplo, o discurso do Marçal de que Nunes é de esquerda, que ecoa bastante na classe média alta, é desmontado quando você vê Tarcísio apoiando ele, junto com o próprio Bolsonaro, apesar de que o ex-presidente nunca se comprometeu totalmente. Tarcísio se comprometeu de corpo e alma com a candidatura do Nunes porque percebeu que o Marçal poderia ameaçar qualquer pretensão presidencial ao ocupar o espaço da direita com a máquina de prefeito. Se Tarcísio quiser ser presidenciável em 2026 ou 2030, ele precisa, primeiro, enfrentar um prefeito de extrema direita usando a Prefeitura de forma midiática para ganhar projeção nacional. Por isso, ele se lançou de cabeça na campanha do Ricardo Nunes. Esse foi, provavelmente, um dos principais motivos, além da sintonia com o MDB. O governo Tarcísio é mais centralizado, quase parecido com o do PSDB, claro, com algumas figuras diferentes, mas com personagens que já estiveram no poder, como Gilberto Kassab. Nas cidades do Estado, o Tarcísio não foi preponderante em todos os lugares. Há regiões onde ele não foi o protagonista, mas suas apostas em São Paulo, até agora, estão dando certo – e não necessariamente por mérito exclusivo dele, mas por ter escolhido os melhores candidatos. Talvez o Kassab esteja mesmo mostrando para ele o caminho das pedras.

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Para Renato Dorgan, cientista político e CEO do Instituto Travessia, o voto periférico teve um papel determinante na eleição para a Prefeitura de São Paulo, sendo o responsável por levar Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) para o segundo turno. Na avaliação do especialista em pesquisas eleitorais, embora tenha sido derrotado no pleito, o influenciador Pablo Marçal (PRTB) se consolidou nesta eleição como um novo player da direita moderna, com apelo nacional e potencial para se tornar um “caroço” para a direita resolver no futuro.

Qual a sua avaliação sobre o resultado da disputada eleição em São Paulo?

São Paulo teve uma eleição apertada, confirmando o que apontavam as pesquisas. A polarização entre Boulos e Marçal, que dominou as conversas nos últimos dias, repete um cenário já visto em eleições passadas, como nas campanhas de Jânio Quadros, Fernando Henrique e Marta Suplicy, em 2000: fora da “bolha” de informação da classe média paulistana e das regiões mais nobres da cidade, existe uma eleição que realmente define o resultado, a das periferias. Nesses bairros, a Prefeitura intensificou suas ações nos últimos dois anos – especialmente no último – e Nunes garantiu uma votação expressiva. Para se manter à frente durante toda a disputa, ele contou com um apoio denso na periferia. Na minha opinião, a periferia foi quem levou Boulos e Nunes para o segundo turno.

O que esperar para o segundo turno?

Será um segundo turno um pouco mais civilizado. É claro que haverá embates e acusações mútuas, já que é uma disputa direta, mas acredito que teremos mais espaço para propostas e menos tensão no ar sem Marçal, que tumultuou o processo. Na minha opinião, o cenário inicial aponta para uma vantagem de Nunes, já que Marçal ficou de fora com uma votação quase idêntica à dos dois e, dificilmente, seus eleitores vão migrar para o Boulos. É possível que alguns jovens, principalmente das classes C2/D, possam pular do Marçal para o Boulos, mas tem grandes chances de a maioria optar por um voto útil em Nunes contra Boulos, o que lhe dá uma ligeira vantagem.

Para onde devem ir os votos da Tabata?

A Tabata chegou a 9% dos votos válidos, enquanto o Marçal alcançou 28%. A capacidade de transferência da Tabata vai ser reduzida. Sua declaração de apoio ao Boulos busca atrair o máximo possível de seus eleitores para a candidatura dele, mas não está claro que essa migração é automática. As pesquisas qualitativas mostram que o eleitor de Tabata orbita entre a centro-direita e a centro-esquerda e, apesar de uma parte poder ir para Boulos, há uma fatia que pode migrar para Nunes, especialmente por conta da rejeição ao PT, que é muito presente em São Paulo.

Renato Dorgan Filho, cientista político e CEO do Instituto Travessia. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como fica o futuro político do Marçal após a eleição?

Ele sai com uma votação muito significativa e realmente é um player da direita moderna, que consegue orbitar mais do que o Bolsonaro entre negros, LGBTs e jovens. Ele fura várias bolhas que o Bolsonaro tem dificuldade de penetrar. Tem uma retórica muito forte e um apelo muito intenso. Eu acho até que ele tem um apelo mais nacional do que local, para São Paulo, apesar de a classe média alta paulistana gostar muito dele, por causa desse estilo superliberal, meio “yuppie” misturado com coaching – algo que a classe média alta, uma grande parte, gosta. A classe média gosta dele, mas a massa, a classe C, D, e a elite mais intelectualizada da cidade se assustam. Eu acho que ele tem um forte apelo nacional, com potencial de sucesso no Sul, no Centro-Oeste e até em partes do Norte. Ele é um player nacional e um problema real para o Bolsonaro, que está inelegível. E a intensidade do apoio de Tarcísio a Nunes mostra o receio de Tarcísio de ser substituído por ele, já que o Tarcísio é mais moderado, uma direita menos espetaculosa. Marçal, sem dúvida, tem futuro: sua votação foi de [eleição] majoritária. Se fosse uma eleição com duas vagas para o Senado em São Paulo, é muito provável que ele tivesse sido eleito. Portanto, ele é, sim, um player nacional e pode se tornar um grande “caroço” para a direita resolver.

Marçal é um player nacional e um problema real para o Bolsonaro, que está inelegível. E a intensidade do apoio de Tarcísio a Nunes mostra o receio de Tarcísio de ser substituído por ele, já que o Tarcísio é mais moderado, uma direita menos espetaculosa

Quais forças políticas saem fortalecidas da eleição?

A grande vitória foi dos partidos de centro-direita. As legendas tradicionais, como o MDB e o PSD, saíram muito fortalecidas, e a coalizão em torno de Nunes também se consolidou nesse primeiro turno. Se a vitória de Nunes se confirmar no segundo turno, esse grupo sairá ainda mais fortalecido. Nacionalmente, esses partidos também mostraram força, conquistando diversas vitórias em várias regiões.

E Lula e Bolsonaro?

Acho que o Bolsonaro não foi tão preponderante na maioria dos lugares, mas foi mais importante que o Lula. Bolsonaro foi importante em algumas chegadas, em disputas nas quais o PL estava empatado. Parece que o PL ainda simboliza o “22″, um certo bolsonarismo, uma certa posição de direita. Então, o Bolsonaro, como cabo eleitoral, não sai fragilizado, mas sai normal. Ele não é um super cabo eleitoral no final desta eleição, mas também não sai mal. Agora, a esquerda é diferente. Nacionalmente, a esquerda não se saiu bem. Em São Paulo, ela sobrevive, mas você vê que teve mais de 50% dos votos verbalizados na direita, enquanto a esquerda não conseguiu passar dos 30%. A Tabata mistura um sentimento de centro-direita e centro-esquerda, é mais centralizada, então não dá para contar ela como voto de esquerda. Acho que o PT mostra um enfraquecimento, e a esquerda em si mostra um teto muito baixo em São Paulo, que não passa de um terço do eleitorado da cidade. Nacionalmente, os resultados das capitais também são ruins.

Como fica o PSDB após essa eleição?

O PSDB saiu arrasado das eleições em São Paulo, resultado de um processo de autodestruição que começou em 2016. O João Doria ainda conseguiu vencer a Prefeitura e depois o governo estadual, mas, no período pós-Bolsonaro, o partido entrou em decadência no Estado. Covas conseguiu se reeleger em 2020, mas a estrutura já estava fragilizada. A vitória de Tarcísio, com Rodrigo [Garcia] fora do segundo turno, foi um golpe duro, seguido agora pela destruição total com a candidatura de Datena, que foi marcada por uma campanha confusa e perdida. A estratégia começou centrada na Tabata, que seria uma opção melhor, mas acabou se perdendo no meio do caminho. O PSDB não elegeu nenhum vereador, consolidando-se como o grande derrotado na capital. No Estado, a situação não é melhor: com exceção de Santo André, que reelegeu o prefeito, o desempenho foi desastroso nas demais cidades.

O PSDB não elegeu nenhum vereador, consolidando-se como o grande derrotado na capital

Qual sua avaliação sobre o desempenho do Tarcísio como cabo eleitoral?

O Tarcísio, como cabo eleitoral, ajudou o Nunes a se posicionar. Por exemplo, o discurso do Marçal de que Nunes é de esquerda, que ecoa bastante na classe média alta, é desmontado quando você vê Tarcísio apoiando ele, junto com o próprio Bolsonaro, apesar de que o ex-presidente nunca se comprometeu totalmente. Tarcísio se comprometeu de corpo e alma com a candidatura do Nunes porque percebeu que o Marçal poderia ameaçar qualquer pretensão presidencial ao ocupar o espaço da direita com a máquina de prefeito. Se Tarcísio quiser ser presidenciável em 2026 ou 2030, ele precisa, primeiro, enfrentar um prefeito de extrema direita usando a Prefeitura de forma midiática para ganhar projeção nacional. Por isso, ele se lançou de cabeça na campanha do Ricardo Nunes. Esse foi, provavelmente, um dos principais motivos, além da sintonia com o MDB. O governo Tarcísio é mais centralizado, quase parecido com o do PSDB, claro, com algumas figuras diferentes, mas com personagens que já estiveram no poder, como Gilberto Kassab. Nas cidades do Estado, o Tarcísio não foi preponderante em todos os lugares. Há regiões onde ele não foi o protagonista, mas suas apostas em São Paulo, até agora, estão dando certo – e não necessariamente por mérito exclusivo dele, mas por ter escolhido os melhores candidatos. Talvez o Kassab esteja mesmo mostrando para ele o caminho das pedras.

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Para Renato Dorgan, cientista político e CEO do Instituto Travessia, o voto periférico teve um papel determinante na eleição para a Prefeitura de São Paulo, sendo o responsável por levar Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) para o segundo turno. Na avaliação do especialista em pesquisas eleitorais, embora tenha sido derrotado no pleito, o influenciador Pablo Marçal (PRTB) se consolidou nesta eleição como um novo player da direita moderna, com apelo nacional e potencial para se tornar um “caroço” para a direita resolver no futuro.

Qual a sua avaliação sobre o resultado da disputada eleição em São Paulo?

São Paulo teve uma eleição apertada, confirmando o que apontavam as pesquisas. A polarização entre Boulos e Marçal, que dominou as conversas nos últimos dias, repete um cenário já visto em eleições passadas, como nas campanhas de Jânio Quadros, Fernando Henrique e Marta Suplicy, em 2000: fora da “bolha” de informação da classe média paulistana e das regiões mais nobres da cidade, existe uma eleição que realmente define o resultado, a das periferias. Nesses bairros, a Prefeitura intensificou suas ações nos últimos dois anos – especialmente no último – e Nunes garantiu uma votação expressiva. Para se manter à frente durante toda a disputa, ele contou com um apoio denso na periferia. Na minha opinião, a periferia foi quem levou Boulos e Nunes para o segundo turno.

O que esperar para o segundo turno?

Será um segundo turno um pouco mais civilizado. É claro que haverá embates e acusações mútuas, já que é uma disputa direta, mas acredito que teremos mais espaço para propostas e menos tensão no ar sem Marçal, que tumultuou o processo. Na minha opinião, o cenário inicial aponta para uma vantagem de Nunes, já que Marçal ficou de fora com uma votação quase idêntica à dos dois e, dificilmente, seus eleitores vão migrar para o Boulos. É possível que alguns jovens, principalmente das classes C2/D, possam pular do Marçal para o Boulos, mas tem grandes chances de a maioria optar por um voto útil em Nunes contra Boulos, o que lhe dá uma ligeira vantagem.

Para onde devem ir os votos da Tabata?

A Tabata chegou a 9% dos votos válidos, enquanto o Marçal alcançou 28%. A capacidade de transferência da Tabata vai ser reduzida. Sua declaração de apoio ao Boulos busca atrair o máximo possível de seus eleitores para a candidatura dele, mas não está claro que essa migração é automática. As pesquisas qualitativas mostram que o eleitor de Tabata orbita entre a centro-direita e a centro-esquerda e, apesar de uma parte poder ir para Boulos, há uma fatia que pode migrar para Nunes, especialmente por conta da rejeição ao PT, que é muito presente em São Paulo.

Renato Dorgan Filho, cientista político e CEO do Instituto Travessia. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como fica o futuro político do Marçal após a eleição?

Ele sai com uma votação muito significativa e realmente é um player da direita moderna, que consegue orbitar mais do que o Bolsonaro entre negros, LGBTs e jovens. Ele fura várias bolhas que o Bolsonaro tem dificuldade de penetrar. Tem uma retórica muito forte e um apelo muito intenso. Eu acho até que ele tem um apelo mais nacional do que local, para São Paulo, apesar de a classe média alta paulistana gostar muito dele, por causa desse estilo superliberal, meio “yuppie” misturado com coaching – algo que a classe média alta, uma grande parte, gosta. A classe média gosta dele, mas a massa, a classe C, D, e a elite mais intelectualizada da cidade se assustam. Eu acho que ele tem um forte apelo nacional, com potencial de sucesso no Sul, no Centro-Oeste e até em partes do Norte. Ele é um player nacional e um problema real para o Bolsonaro, que está inelegível. E a intensidade do apoio de Tarcísio a Nunes mostra o receio de Tarcísio de ser substituído por ele, já que o Tarcísio é mais moderado, uma direita menos espetaculosa. Marçal, sem dúvida, tem futuro: sua votação foi de [eleição] majoritária. Se fosse uma eleição com duas vagas para o Senado em São Paulo, é muito provável que ele tivesse sido eleito. Portanto, ele é, sim, um player nacional e pode se tornar um grande “caroço” para a direita resolver.

Marçal é um player nacional e um problema real para o Bolsonaro, que está inelegível. E a intensidade do apoio de Tarcísio a Nunes mostra o receio de Tarcísio de ser substituído por ele, já que o Tarcísio é mais moderado, uma direita menos espetaculosa

Quais forças políticas saem fortalecidas da eleição?

A grande vitória foi dos partidos de centro-direita. As legendas tradicionais, como o MDB e o PSD, saíram muito fortalecidas, e a coalizão em torno de Nunes também se consolidou nesse primeiro turno. Se a vitória de Nunes se confirmar no segundo turno, esse grupo sairá ainda mais fortalecido. Nacionalmente, esses partidos também mostraram força, conquistando diversas vitórias em várias regiões.

E Lula e Bolsonaro?

Acho que o Bolsonaro não foi tão preponderante na maioria dos lugares, mas foi mais importante que o Lula. Bolsonaro foi importante em algumas chegadas, em disputas nas quais o PL estava empatado. Parece que o PL ainda simboliza o “22″, um certo bolsonarismo, uma certa posição de direita. Então, o Bolsonaro, como cabo eleitoral, não sai fragilizado, mas sai normal. Ele não é um super cabo eleitoral no final desta eleição, mas também não sai mal. Agora, a esquerda é diferente. Nacionalmente, a esquerda não se saiu bem. Em São Paulo, ela sobrevive, mas você vê que teve mais de 50% dos votos verbalizados na direita, enquanto a esquerda não conseguiu passar dos 30%. A Tabata mistura um sentimento de centro-direita e centro-esquerda, é mais centralizada, então não dá para contar ela como voto de esquerda. Acho que o PT mostra um enfraquecimento, e a esquerda em si mostra um teto muito baixo em São Paulo, que não passa de um terço do eleitorado da cidade. Nacionalmente, os resultados das capitais também são ruins.

Como fica o PSDB após essa eleição?

O PSDB saiu arrasado das eleições em São Paulo, resultado de um processo de autodestruição que começou em 2016. O João Doria ainda conseguiu vencer a Prefeitura e depois o governo estadual, mas, no período pós-Bolsonaro, o partido entrou em decadência no Estado. Covas conseguiu se reeleger em 2020, mas a estrutura já estava fragilizada. A vitória de Tarcísio, com Rodrigo [Garcia] fora do segundo turno, foi um golpe duro, seguido agora pela destruição total com a candidatura de Datena, que foi marcada por uma campanha confusa e perdida. A estratégia começou centrada na Tabata, que seria uma opção melhor, mas acabou se perdendo no meio do caminho. O PSDB não elegeu nenhum vereador, consolidando-se como o grande derrotado na capital. No Estado, a situação não é melhor: com exceção de Santo André, que reelegeu o prefeito, o desempenho foi desastroso nas demais cidades.

O PSDB não elegeu nenhum vereador, consolidando-se como o grande derrotado na capital

Qual sua avaliação sobre o desempenho do Tarcísio como cabo eleitoral?

O Tarcísio, como cabo eleitoral, ajudou o Nunes a se posicionar. Por exemplo, o discurso do Marçal de que Nunes é de esquerda, que ecoa bastante na classe média alta, é desmontado quando você vê Tarcísio apoiando ele, junto com o próprio Bolsonaro, apesar de que o ex-presidente nunca se comprometeu totalmente. Tarcísio se comprometeu de corpo e alma com a candidatura do Nunes porque percebeu que o Marçal poderia ameaçar qualquer pretensão presidencial ao ocupar o espaço da direita com a máquina de prefeito. Se Tarcísio quiser ser presidenciável em 2026 ou 2030, ele precisa, primeiro, enfrentar um prefeito de extrema direita usando a Prefeitura de forma midiática para ganhar projeção nacional. Por isso, ele se lançou de cabeça na campanha do Ricardo Nunes. Esse foi, provavelmente, um dos principais motivos, além da sintonia com o MDB. O governo Tarcísio é mais centralizado, quase parecido com o do PSDB, claro, com algumas figuras diferentes, mas com personagens que já estiveram no poder, como Gilberto Kassab. Nas cidades do Estado, o Tarcísio não foi preponderante em todos os lugares. Há regiões onde ele não foi o protagonista, mas suas apostas em São Paulo, até agora, estão dando certo – e não necessariamente por mérito exclusivo dele, mas por ter escolhido os melhores candidatos. Talvez o Kassab esteja mesmo mostrando para ele o caminho das pedras.

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Entrevista por Bianca Gomes

Repórter de Política em São Paulo. Antes, foi estagiária e trainee do Estadão e trabalhou por três anos na sucursal do Jornal O Globo em São Paulo, escrevendo sobre política e cidades. Formada pela ESPM.

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