BRASÍLIA - A Polícia Federal concluiu e encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma investigação sobre responsabilidades da cúpula da segurança pública do Distrito Federal na preparação para os atos do 8 de Janeiro de 2023. Segundo o relatório final, a pasta então chefiada por Anderson Torres produziu, mas não disseminou, um relatório de inteligência considerado fundamental para a resposta das forças de segurança aos ataques às sedes dos Três Poderes, em 2023.
A PF aponta que “as falhas da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF) são evidentes, especialmente pela ausência inesperada de seu principal líder, Anderson Torres, em um momento de extrema relevância aliada a falta de ações coordenadas e a difusão restrita de informações cruciais contidas no Relatório de Inteligência nº 06/2023″. Torres, que era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal na época do 8 de janeiro, havia antecipado suas férias para o dia 6 e saiu do País.
O documento do fim da investigação, de 230 páginas, ao qual o Estadão teve acesso, destaca que “esses foram fatores decisivos que contribuíram diretamente para a ineficiência da resposta das forças de segurança”. “A ausência de articulação e de difusão de dados comprometeram a capacidade de antecipar e enfrentar os atos de violência, revelando um despreparo que não pôde conter a escalada dos eventos ocorridos em 8 de janeiro de 2023″, diz o relatório final, de novembro, assinado pelo delegado Raphael Soares Astini.
Procurados, a defesa de Anderson Torres e o governo do Distrito Federal não se manifestaram.
O relatório de inteligência nº 6, elaborado no dia 6 de janeiro de 2023, destacava a convocação para um evento denominado “Tomada de Poder pelo Povo”, entre 7 e 8 de janeiro, e apontava possibilidade de participação de pessoas armadas com intenção de praticar atos violentos contra órgãos públicos e bloqueios em refinarias e distribuidoras de combustíveis.
Esse documento, produzido pela Subsecretaria de Inteligência da secretaria de Segurança, chefiado pela delegada Marília Ferreira Alencar, não foi enviado para as demais agências que atuam na proteção a Brasília.
Relatório da PF
Havia até versões impressas com a marca d’água de cada instituição que deveria receber o documento. Mas a decisão de não disseminá-las, de acordo com a PF, foi transmitida à analista que trabalhou na elaboração do relatório nº 6 pelo coordenador de assuntos institucionais da Subsecretaria de Inteligência do DF, coronel Jorge Henrique da Silva Pinto.
“Não se sabe ao certo se a decisão de restringir a difusão do relatório foi exclusivamente de Jorge Henrique ou se foi uma determinação direta de Marília Ferreira Alencar, então Subsecretária de Inteligência. Contudo, tal ponto é de menor relevância no contexto geral, pois, estando na posição de comando, caberia a Marília, garantir a aplicação dos princípios fundamentais da atividade de inteligência, especialmente por sua vasta experiência na área”, diz o relatório final.
A Subsecretaria de Inteligência enviou o relatório nº 6 para o gabinete do então secretário, Anderson Torres, nessa altura ex-ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro (PL), e para a para a Subsecretaria de Operações Integradas, chefiada pela coronel Cíntia Queiroz de Castro. O protocolo de ações definido pela cúpula da segurança do DF, também no dia 6, não levou em conta a análise de risco. A coronel segue no cargo até hoje.
Leia Também:
“Uma das falhas mais significativas foi a não difusão adequada do Relatório de Inteligência nº 06/2023. Este relatório, que deveria ter sido amplamente compartilhado com outras forças, foi restrito a poucos destinatários, apesar da sugestão e da elaboração de versões específicas”, destacou a PF.
Os planos de ação para manifestações na capital federal são discutidos no Centro Integrado de Operações de Brasília (Ciob). A estrutura conta com a participação de órgãos federais, mas é chefiada pela Subsecretaria de Operações Integradas do governo do DF, posto ocupado por Cíntia Queiroz. É a quem cabe a palavra final sobre a estrutura necessária para as manifestações em Brasília.
Em depoimentos, Torres e Castro afirmaram que não leram o relatório. O então secretário viajou aos Estados Unidos no mesmo dia, à noite, e passou o comando da pasta para o seu secretário-executivo, Fernando de Sousa Oliveira.
Os departamentos de segurança da Câmara, do Senado e do STF já se manifestaram formalmente em ações que tramitam sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes dizendo que as atribuições definidas para cada Poder no chamado Protocolo de Ações Integradas (PAI) eram incompatíveis com os riscos que eles mesmos reportaram ao governo do DF.
Disseram, por exemplo, que as ações e estruturas recomendadas para cada órgão pela cúpula da segurança do Distrito Federal eram inferiores até mesmo que as previstas para outras manifestações, com menos riscos, já realizadas em Brasília.
Na véspera dos ataques, houve uma reunião também considerada determinante para o desfecho violento. O chefe da Polícia Federal, Andrei Rodrigues pediu uma reunião na Secretaria de Segurança do DF para tratar do “elevado grau de ameaça” apontado pelos serviços de inteligência e disse que a movimentação dos bolsonaristas, por si só, já configurava, em tese, ato criminoso contra o Estado Democrático de Direito. Os representantes da secretaria do DF responderam que se tratava de simples manifestação de cunho pacífico e não levaram as cobranças em conta.
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal disse que não se manifesta sobre investigações em andamento. A defesa de Fernando de Sousa não foi localizada. Em manifestações feitas à PF, os advogados dele alegam falhas na execução do planejamento por parte da Polícia Militar. A defesa de Marília ressaltou, na investigação, que, embora a SSP-DF tenha a atribuição de promover a integração das agências de inteligência, não há hierarquia entre essas agências.
A reportagem não localizou Jorge Henrique Silva Pinto. As defesas de Anderson Torres e de Cíntia Queiroz não comentaram.