BRASÍLIA – A Polícia Federal flagrou uma tentativa de pagamento de propina com recursos transportados em avião de Salvador até a capital federal. Deflagrada na terça-feira, 10, a operação Overclean começou com uma “ação controlada” uma semana antes que levou a apreensão de R$ 1,5 milhão.
Na terça-feira, 03, agentes da PF seguiram o empresário Alex Rezende Parente e o ex-coordenador do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) na Bahia, Lucas Lobão. Os policiais monitoraram a dupla desde o hangar em Salvador (BA) até o desembarque em Brasília, em um jatinho Learjet. Os dois transportavam R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo, que segundo a Polícia Federal era destinado ao pagamento de propina na capital federal. A defesa dos investigados ainda não se manifestou.
A operação Overclean foi deflagrada por uma uma força-tarefa conjunta da Polícia Federal, do Ministério Público Federal (MPF) e da Controladoria-Geral da União (CGU), com cooperação da Agência Americana de Investigações de Segurança Interna dos Estados Unidos (Homeland Security Investigations). Segundo as autoridades, o grupo criminoso, formado por políticos e empresários, movimentou R$ 1,4 bilhão e se dedicava a desviar verbas públicas de contratos de engenharia, inclusive de emendas parlamentares.
A ação controlada foi autorizada pelo juiz federal Fábio Moreira Ramiro, da Justiça Federal na Bahia, e realizada por agentes do Setor de Inteligência da Polícia Federal na Bahia (SIP/BA).
“A operação foi motivada por suspeitas de práticas ilícitas, envolvendo o transporte de valores em espécie de Salvador/BA para Brasília/DF, em uma aeronave privada, incluindo a possível vinculação dos montantes ao pagamento de propinas a servidores públicos em Brasília, conforme depoimentos e evidências obtidas por ocasião da abordagem no aeroporto de Brasília. A ação resultou na apreensão de aproximadamente R$ 1.538.700,00 e revelou indícios de envolvimento de Marcos Moura, apontado como o mentor da organização criminosa responsável pelo esquema”, diz um trecho do relatório da PF.
O jatinho usado foi um Learjet 60XR fabricado em 2008 e identificado pela matrícula PP-ONE. A aeronave pesa 10,6 toneladas e tem nove assentos – pode transportar até sete passageiros, além dos dois tripulantes. O avião pertence à empresa de táxi aéreo Atlântico Transportes LTDA, de Salvador. Não há outra menção à empresa na decisão judicial que autorizou a operação.
“Durante a operação de ação controlada, uma equipe da Polícia Federal acompanhou os passos de Alex Rezende Parente e Lucas Maciel Lobão Vieira desde o hangar em Salvador, onde monitorou a chegada do veículo de Alex e o desembarque das malas, que foram transportadas para a aeronave na presença de Lobão. Apesar da oportunidade de abordagem inicial em Salvador, a equipe optou por retardar a ação, considerando que a interceptação em Brasília ofereceria melhores condições para coletar provas e identificar a real extensão das atividades criminosas”, diz a PF no relatório, mencionado pelo juiz Fábio Moreira Ramiro.
Segundo a PF, o voo daquela terça-feira foi organizado pelo empresário de Salvador José Marcos Moura, conhecido na capital baiana como “Rei do Lixo” por vencer vários contratos de limpeza urbana no Estado da Bahia. Ele também foi preso nesta terça-feira (10), quando a operação Overclean foi deflagrada.
Além dos R$ 1,5 milhão em espécie, os policiais federais baianos também encontraram no avião uma planilha “contendo relação de contratos e valores, com menção a ‘MM’ (possível referência a MARCOS MOURA), totalizando mais de R$ 200 milhões em contratos suspeitos no Rio de Janeiro e Amapá”. Não há mais detalhes sobre esta planilha na decisão judicial à qual o Estadão teve acesso.
No despacho, o juiz explica que as apurações da operação Overclean tiveram origem com investigações da CGU na Bahia a respeito de um pregão eletrônico realizado pela Coordenação Estadual do DNOCS na Bahia em 2021, na qual a empresa Allpha Pavimentações e Serviços de Construções LTDA foi uma das vencedoras – a firma venceu dois itens do edital, com lances de R$ 12,5 milhões e R$ 14,1 milhões, respectivamente.
“O IPL foi instaurado para apurar esquema de fraudes e desvios de recursos públicos envolvendo o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e a empresa Allpha Pavimentações e Serviços de Construções Ltda, especialmente, mas não somente, por meio do Pregão Eletrônico SRP n. 003/2021, que teve como objeto a contratação de serviços comuns de engenharia para revestimento primário e asfáltico de vias públicas”, escreveu o magistrado.
Dupla do avião liderava quadrilha, diz PF
De acordo com a decisão judicial que autorizou a operação Overclean, a quadrilha era chefiada pelo empresário Alex Rezende Parente. O irmão dele, Fábio, e o ex-coordenador do Dnocs na Bahia, Lucas Maciel Lobão Vieira, integravam o “núcleo central” do grupo, segundo as investigações da Polícia Federal.
De acordo com a corporação, Alex era o responsável por coordenar as fraudes a licitações e negociar com os servidores públicos o pagamento de propinas. Já Fábio Rezende Parente agiria como o braço financeiro do grupo, cuidando da transferência dos recursos.
Lucas Lobão agia dentro do DNOCS para favorecer a contratação da empresa Allpha Pavimentações, de propriedade de Alex e Fábio. Ele deixou o Dnocs em setembro de 2021, depois que uma auditoria da CGU na Bahia apontou sobrepreço de quase R$ 200 milhões na compra de 470 caixas d’água. Mesmo depois de demitido, Lucas Lobão “passou a trabalhar, informalmente, com a empresa Allpha Pavimentações, visando facilitar/intermediar os pleitos da referida junto ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas na Bahia”, diz um trecho da decisão judicial.