PF vai investigar suspeita de superfaturamento em propaganda de governo Bolsonaro


Apuração foi aberta a partir de pedido de dois parlamentares que acusam governo de gastar valores elevados sem justificativa em ações do Ministério da Saúde

Por André Borges

BRASÍLIA - A Polícia Federal instaurou inquérito para apurar suposta prática de superfaturamento em gastos do governo federal com propaganda. O inquérito policial vai investigar indícios de irregularidades em contratos que somam mais de R$ 4,5 milhões firmados pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República com produtoras de vídeos, para elaboração de material a respeito do impacto da pandemia.

A investigação foi aberta pelo delegado José Augusto Campos Versiani, a partir de representação do deputado Elias Vaz (PSB-GO) e do senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) feita ao Ministério Público Federal, em outubro do ano passado.

Presidente Jair Bolsonaro durante reunião do comitê de coordenação de combate à pandemia em junho de 2021 Foto: Marcos Correa/PR
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Os parlamentares afirmam ter identificado gastos milionários para a produção de vídeos por várias empresas contratadas pelo governo federal. “As irregularidades vão desde a cobrança de serviços que não foram prestados, passam por altos salários e número elevado de profissionais, equipamentos pagos e que não foram utilizados e o pagamento de valores muito acima dos de mercado. É dinheiro público usado de forma indevida, enquanto o povo sofre para colocar comida na mesa. O correto seria que os responsáveis devolvessem os recursos para os cofres públicos”, disse Vaz.

O inquérito deve se voltar a contratações firmadas pelo governo com cinco produtoras de vídeo. Uma delas é a Madre Mia Filmes. Os parlamentares sustentam que a companhia produziu dois vídeos de 30 segundos para a campanha do Ministério da Saúde e Secom referente à retomada das atividades econômicas no País, que custaram R$1,14 milhão aos cofres públicos. “São testemunhos de empresários e não há nenhuma celebridade ou artista de renome”, afirmam os parlamentares.

O presidente da República Jair Bolsonaro em cerimônia para assinatura de acordo para produção de vacina no país em junho de 2021 Foto: Dida Sampaio/ Estadão
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Chama a atenção ainda a contratação de 115 profissionais técnicos (fora o elenco) que trabalharam na pré-produção, produção e edição. O número supera o de equipes inteiras de emissoras de TV e, segundo os denunciantes, é suficiente para produzir um filme longa-metragem. “Esses profissionais estariam divididos em seis equipes que viajaram até os estabelecimentos dos entrevistados. A planilha revela, porém, que houve a cobrança de apenas cinco diárias de hospedagem e dez passagens de ida de volta.”

Pandemia

Outra empresa citada é a Vapt Filmes Produções. Segundo os parlamentares, a Vapt Filmes produziu cinco vídeos de 30 segundos para a campanha sobre medidas adotadas pelo governo federal durante a pandemia. “A agência reutilizou banco de imagens, não realizou nenhuma filmagem, lançando na planilha de custos apenas os valores devidos às equipes de edição e o uso de Stock Shot: R$ 650 mil”, declaram os parlamentares.

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“Para a montagem dos vídeos com imagens já disponíveis, a Vapt Filmes informou a contratação de 99 profissionais, ao custo de R$ 419 mil. A trilha sonora e a narração ficaram a cargo da empresa Lira Harmonia Música e Áudio Ltda, cobrando mais R$ 95 mil.”

A representação dos parlamentares cita também a empresa Constelação Filmes. Eles afirmam que a produtora produziu três filmes de 30 segundos para o governo federal, custando pouco mais de R$1 milhão. “A produtora não traz nenhum custo com o elenco, apesar de haver personagens e figurantes. Foram contratados 73 técnicos, com gasto de R$ 505.775 aos cofres da União. Há remunerações elevadíssimas, como o caso de um diretor que recebeu R$ 75 mil por três diárias. Para a gravação dos três vídeos, a produtora locou seis estabelecimentos por três dias. Cada um custou R$ 15mil.”

A Punch Filmes é outra companhia incluída no inquérito. A empresa produziu dois vídeos de 30 segundos para o governo, ao custo de R$ 770,5 mil. A União ainda pagou mais R$ 48,5 mil para locução do material, segundo os parlamentares. “A equipe técnica, de 65 profissionais, custou R$ 440,7 mil. O valor gasto com os técnicos é dez vezes superior ao custo do elenco e corresponde a 57% do valor cobrado pela produtora. Não existe distinção entre os técnicos e seus assistentes, todos receberam R$ 12 mil.”

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A quinta empresa mencionada é a Registro Urbano Filmes, que produziu um vídeo de 30 segundos para a campanha do Ministério da Saúde e Secom sobre a retomada das atividades econômicas com ênfase no agronegócio. “São apenas dois personagens, um empresário do setor de avicultura e uma caminhoneira, mas o preço foi salgado: R$ 480 mil, mais a trilha sonora e narração, que foram produzidas pela empresa Lira Harmonia Música e Áudio Ltda por R$ 37,5 mil”, dizem os parlamentares.

A Registro Urbano, de acordo com o levantamento, informou a contratação de 94 profissionais. “Chama a atenção a contratação de muitos profissionais para o mesmo serviço. Por exemplo, dois técnicos para legendar o vídeo e dois intérpretes de libras, apesar de só um aparecer no material.”

Preços

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A reportagem questionou o Ministério da Saúde, a Secom, a Presidência da República e cada uma das empresas citadas sobre o inquérito e as informações levantadas pelos parlamentares. Por meio de nota, o Ministério da Saúde declarou que “avalia tecnicamente os orçamentos encaminhados pelas agências de publicidade” e que “sempre são observados e avaliados os preços já estabelecidos no Sistema de Referência do Governo Federal (SIREF), levando em consideração a urgência, complexidade, necessidade e qualidade de cada material de utilidade pública”. A Secretaria de Comunicação do governo e a Presidência não se manifestaram até a publicação deste texto.

A Madre Mia Filmes informou que foi contratada pelo Ministério da Saúde “por ter apresentado o menor valor, dentre as produtoras consultadas”. A execução do serviço, segundo a empresa, “previa enorme complexidade técnica e operacional, pois o filme teria que ser produzido em 2 dias e em 6 locações simultaneamente: Florianópolis (SC), Betim (MG) , Vitória (ES), Mogi das Cruzes (SP), Boa Vista (RR) e Manaus (AM) - e tudo em tempos de pleno rigor da pandemia por coronavírus, o que exigia cuidados operacionais maiores, protocolos de segurança sanitária e equipes ‘de reserva’ em cada locação para que estivessem de stand-by caso precisassem substituir profissionais que faltassem em razão do contágio pelo vírus da covid-19″.

A produção exigiu, conforme a Madre Mia Filmes, elevado esforço operacional para atender a demanda no curtíssimo prazo e com a qualidade técnica esperada pelo cliente. “Por isso, podemos afirmar que os questionamentos apresentados pelos parlamentares, autores da denúncia, não refletem a realidade e todos os pontos estão sendo esclarecidos às autoridades competentes no curso do processo legal.”

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A Vapt Filmes declarou que “realizou os serviços contratados e objeto de seus questionamentos com a celeridade e a excelência de entrega que a tornam uma produtora diferenciada no mercado publicitário”. Os orçamentos e as planilhas dos serviços, segundo a empresa, são dados públicos e não ultrapassaram em item algum os valores do mercado publicitário e o pagamento de direitos sobre imagens de terceiros.

A Constelação Filmes afirmou que “é uma produtora séria e renomada, que busca honrar com os compromissos estabelecidos com os seus clientes”. Os três filmes contratados, de acordo com a produtora, foram entregues dentro do prazo acordado, respeitando as necessidades do cliente, bem como a base orçamentária da Secom. “Em razão das necessidades emergentes do Ministério da Saúde, foi franqueado apenas o prazo de cinco dias para entrega do material, o que exigiu a realização de produção simultânea”, informou.

Sobre o valor, a empresa declarou que “com absoluta convicção que não há discrepância com a prática de mercado, se consideradas todas as variáveis e exigências estabelecidas para a entrega e qualidade do trabalho”.

A Registro Urbano também afirmou que “as alegações são improcedentes e serão demonstradas no momento oportuno”, conforme solicitado. “Não há qualquer irregularidade digna de nota e todos os pontos suscitados serão esclarecidos e comprovados.”

A empresa afirmou que “a atividade publicitária é bastante complexa” e que, “embora a tecnologia tenha desenvolvido a possibilidade de realização de vídeos caseiros com facilidade, isso não diminuiu os custos da produção para vídeos profissionais, principalmente quando há a produção de conteúdo original”. A respeito dos preços, a empresa afirmou que estes “são referenciados e o governo federal possui sistema próprio de verificação de conformidade de valores.

“Sobre a relação das diárias com a quantidade de profissionais, é preciso informar que somente alguns profissionais estratégicos viajaram e a maior parte da equipe foi contratada no local da filmagem. Outros profissionais executam a pós-produção e, quanto menor é o prazo para entrega do resultado final, mais profissionais precisam ser alocados para dar conta da demanda e cumprir o prazo e a qualidade, trabalhando em sintonia e ao mesmo tempo. Por essa razão, houve o deslocamento de apenas dois profissionais, inclusive, pelo fato da produção ocorrer em plena época pandêmica.”

A reportagem não conseguiu contato com a Punch Filmes. O espaço está aberto para sua manifestação.

BRASÍLIA - A Polícia Federal instaurou inquérito para apurar suposta prática de superfaturamento em gastos do governo federal com propaganda. O inquérito policial vai investigar indícios de irregularidades em contratos que somam mais de R$ 4,5 milhões firmados pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República com produtoras de vídeos, para elaboração de material a respeito do impacto da pandemia.

A investigação foi aberta pelo delegado José Augusto Campos Versiani, a partir de representação do deputado Elias Vaz (PSB-GO) e do senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) feita ao Ministério Público Federal, em outubro do ano passado.

Presidente Jair Bolsonaro durante reunião do comitê de coordenação de combate à pandemia em junho de 2021 Foto: Marcos Correa/PR

Os parlamentares afirmam ter identificado gastos milionários para a produção de vídeos por várias empresas contratadas pelo governo federal. “As irregularidades vão desde a cobrança de serviços que não foram prestados, passam por altos salários e número elevado de profissionais, equipamentos pagos e que não foram utilizados e o pagamento de valores muito acima dos de mercado. É dinheiro público usado de forma indevida, enquanto o povo sofre para colocar comida na mesa. O correto seria que os responsáveis devolvessem os recursos para os cofres públicos”, disse Vaz.

O inquérito deve se voltar a contratações firmadas pelo governo com cinco produtoras de vídeo. Uma delas é a Madre Mia Filmes. Os parlamentares sustentam que a companhia produziu dois vídeos de 30 segundos para a campanha do Ministério da Saúde e Secom referente à retomada das atividades econômicas no País, que custaram R$1,14 milhão aos cofres públicos. “São testemunhos de empresários e não há nenhuma celebridade ou artista de renome”, afirmam os parlamentares.

O presidente da República Jair Bolsonaro em cerimônia para assinatura de acordo para produção de vacina no país em junho de 2021 Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Chama a atenção ainda a contratação de 115 profissionais técnicos (fora o elenco) que trabalharam na pré-produção, produção e edição. O número supera o de equipes inteiras de emissoras de TV e, segundo os denunciantes, é suficiente para produzir um filme longa-metragem. “Esses profissionais estariam divididos em seis equipes que viajaram até os estabelecimentos dos entrevistados. A planilha revela, porém, que houve a cobrança de apenas cinco diárias de hospedagem e dez passagens de ida de volta.”

Pandemia

Outra empresa citada é a Vapt Filmes Produções. Segundo os parlamentares, a Vapt Filmes produziu cinco vídeos de 30 segundos para a campanha sobre medidas adotadas pelo governo federal durante a pandemia. “A agência reutilizou banco de imagens, não realizou nenhuma filmagem, lançando na planilha de custos apenas os valores devidos às equipes de edição e o uso de Stock Shot: R$ 650 mil”, declaram os parlamentares.

“Para a montagem dos vídeos com imagens já disponíveis, a Vapt Filmes informou a contratação de 99 profissionais, ao custo de R$ 419 mil. A trilha sonora e a narração ficaram a cargo da empresa Lira Harmonia Música e Áudio Ltda, cobrando mais R$ 95 mil.”

A representação dos parlamentares cita também a empresa Constelação Filmes. Eles afirmam que a produtora produziu três filmes de 30 segundos para o governo federal, custando pouco mais de R$1 milhão. “A produtora não traz nenhum custo com o elenco, apesar de haver personagens e figurantes. Foram contratados 73 técnicos, com gasto de R$ 505.775 aos cofres da União. Há remunerações elevadíssimas, como o caso de um diretor que recebeu R$ 75 mil por três diárias. Para a gravação dos três vídeos, a produtora locou seis estabelecimentos por três dias. Cada um custou R$ 15mil.”

A Punch Filmes é outra companhia incluída no inquérito. A empresa produziu dois vídeos de 30 segundos para o governo, ao custo de R$ 770,5 mil. A União ainda pagou mais R$ 48,5 mil para locução do material, segundo os parlamentares. “A equipe técnica, de 65 profissionais, custou R$ 440,7 mil. O valor gasto com os técnicos é dez vezes superior ao custo do elenco e corresponde a 57% do valor cobrado pela produtora. Não existe distinção entre os técnicos e seus assistentes, todos receberam R$ 12 mil.”

A quinta empresa mencionada é a Registro Urbano Filmes, que produziu um vídeo de 30 segundos para a campanha do Ministério da Saúde e Secom sobre a retomada das atividades econômicas com ênfase no agronegócio. “São apenas dois personagens, um empresário do setor de avicultura e uma caminhoneira, mas o preço foi salgado: R$ 480 mil, mais a trilha sonora e narração, que foram produzidas pela empresa Lira Harmonia Música e Áudio Ltda por R$ 37,5 mil”, dizem os parlamentares.

A Registro Urbano, de acordo com o levantamento, informou a contratação de 94 profissionais. “Chama a atenção a contratação de muitos profissionais para o mesmo serviço. Por exemplo, dois técnicos para legendar o vídeo e dois intérpretes de libras, apesar de só um aparecer no material.”

Preços

A reportagem questionou o Ministério da Saúde, a Secom, a Presidência da República e cada uma das empresas citadas sobre o inquérito e as informações levantadas pelos parlamentares. Por meio de nota, o Ministério da Saúde declarou que “avalia tecnicamente os orçamentos encaminhados pelas agências de publicidade” e que “sempre são observados e avaliados os preços já estabelecidos no Sistema de Referência do Governo Federal (SIREF), levando em consideração a urgência, complexidade, necessidade e qualidade de cada material de utilidade pública”. A Secretaria de Comunicação do governo e a Presidência não se manifestaram até a publicação deste texto.

A Madre Mia Filmes informou que foi contratada pelo Ministério da Saúde “por ter apresentado o menor valor, dentre as produtoras consultadas”. A execução do serviço, segundo a empresa, “previa enorme complexidade técnica e operacional, pois o filme teria que ser produzido em 2 dias e em 6 locações simultaneamente: Florianópolis (SC), Betim (MG) , Vitória (ES), Mogi das Cruzes (SP), Boa Vista (RR) e Manaus (AM) - e tudo em tempos de pleno rigor da pandemia por coronavírus, o que exigia cuidados operacionais maiores, protocolos de segurança sanitária e equipes ‘de reserva’ em cada locação para que estivessem de stand-by caso precisassem substituir profissionais que faltassem em razão do contágio pelo vírus da covid-19″.

A produção exigiu, conforme a Madre Mia Filmes, elevado esforço operacional para atender a demanda no curtíssimo prazo e com a qualidade técnica esperada pelo cliente. “Por isso, podemos afirmar que os questionamentos apresentados pelos parlamentares, autores da denúncia, não refletem a realidade e todos os pontos estão sendo esclarecidos às autoridades competentes no curso do processo legal.”

A Vapt Filmes declarou que “realizou os serviços contratados e objeto de seus questionamentos com a celeridade e a excelência de entrega que a tornam uma produtora diferenciada no mercado publicitário”. Os orçamentos e as planilhas dos serviços, segundo a empresa, são dados públicos e não ultrapassaram em item algum os valores do mercado publicitário e o pagamento de direitos sobre imagens de terceiros.

A Constelação Filmes afirmou que “é uma produtora séria e renomada, que busca honrar com os compromissos estabelecidos com os seus clientes”. Os três filmes contratados, de acordo com a produtora, foram entregues dentro do prazo acordado, respeitando as necessidades do cliente, bem como a base orçamentária da Secom. “Em razão das necessidades emergentes do Ministério da Saúde, foi franqueado apenas o prazo de cinco dias para entrega do material, o que exigiu a realização de produção simultânea”, informou.

Sobre o valor, a empresa declarou que “com absoluta convicção que não há discrepância com a prática de mercado, se consideradas todas as variáveis e exigências estabelecidas para a entrega e qualidade do trabalho”.

A Registro Urbano também afirmou que “as alegações são improcedentes e serão demonstradas no momento oportuno”, conforme solicitado. “Não há qualquer irregularidade digna de nota e todos os pontos suscitados serão esclarecidos e comprovados.”

A empresa afirmou que “a atividade publicitária é bastante complexa” e que, “embora a tecnologia tenha desenvolvido a possibilidade de realização de vídeos caseiros com facilidade, isso não diminuiu os custos da produção para vídeos profissionais, principalmente quando há a produção de conteúdo original”. A respeito dos preços, a empresa afirmou que estes “são referenciados e o governo federal possui sistema próprio de verificação de conformidade de valores.

“Sobre a relação das diárias com a quantidade de profissionais, é preciso informar que somente alguns profissionais estratégicos viajaram e a maior parte da equipe foi contratada no local da filmagem. Outros profissionais executam a pós-produção e, quanto menor é o prazo para entrega do resultado final, mais profissionais precisam ser alocados para dar conta da demanda e cumprir o prazo e a qualidade, trabalhando em sintonia e ao mesmo tempo. Por essa razão, houve o deslocamento de apenas dois profissionais, inclusive, pelo fato da produção ocorrer em plena época pandêmica.”

A reportagem não conseguiu contato com a Punch Filmes. O espaço está aberto para sua manifestação.

BRASÍLIA - A Polícia Federal instaurou inquérito para apurar suposta prática de superfaturamento em gastos do governo federal com propaganda. O inquérito policial vai investigar indícios de irregularidades em contratos que somam mais de R$ 4,5 milhões firmados pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República com produtoras de vídeos, para elaboração de material a respeito do impacto da pandemia.

A investigação foi aberta pelo delegado José Augusto Campos Versiani, a partir de representação do deputado Elias Vaz (PSB-GO) e do senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) feita ao Ministério Público Federal, em outubro do ano passado.

Presidente Jair Bolsonaro durante reunião do comitê de coordenação de combate à pandemia em junho de 2021 Foto: Marcos Correa/PR

Os parlamentares afirmam ter identificado gastos milionários para a produção de vídeos por várias empresas contratadas pelo governo federal. “As irregularidades vão desde a cobrança de serviços que não foram prestados, passam por altos salários e número elevado de profissionais, equipamentos pagos e que não foram utilizados e o pagamento de valores muito acima dos de mercado. É dinheiro público usado de forma indevida, enquanto o povo sofre para colocar comida na mesa. O correto seria que os responsáveis devolvessem os recursos para os cofres públicos”, disse Vaz.

O inquérito deve se voltar a contratações firmadas pelo governo com cinco produtoras de vídeo. Uma delas é a Madre Mia Filmes. Os parlamentares sustentam que a companhia produziu dois vídeos de 30 segundos para a campanha do Ministério da Saúde e Secom referente à retomada das atividades econômicas no País, que custaram R$1,14 milhão aos cofres públicos. “São testemunhos de empresários e não há nenhuma celebridade ou artista de renome”, afirmam os parlamentares.

O presidente da República Jair Bolsonaro em cerimônia para assinatura de acordo para produção de vacina no país em junho de 2021 Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Chama a atenção ainda a contratação de 115 profissionais técnicos (fora o elenco) que trabalharam na pré-produção, produção e edição. O número supera o de equipes inteiras de emissoras de TV e, segundo os denunciantes, é suficiente para produzir um filme longa-metragem. “Esses profissionais estariam divididos em seis equipes que viajaram até os estabelecimentos dos entrevistados. A planilha revela, porém, que houve a cobrança de apenas cinco diárias de hospedagem e dez passagens de ida de volta.”

Pandemia

Outra empresa citada é a Vapt Filmes Produções. Segundo os parlamentares, a Vapt Filmes produziu cinco vídeos de 30 segundos para a campanha sobre medidas adotadas pelo governo federal durante a pandemia. “A agência reutilizou banco de imagens, não realizou nenhuma filmagem, lançando na planilha de custos apenas os valores devidos às equipes de edição e o uso de Stock Shot: R$ 650 mil”, declaram os parlamentares.

“Para a montagem dos vídeos com imagens já disponíveis, a Vapt Filmes informou a contratação de 99 profissionais, ao custo de R$ 419 mil. A trilha sonora e a narração ficaram a cargo da empresa Lira Harmonia Música e Áudio Ltda, cobrando mais R$ 95 mil.”

A representação dos parlamentares cita também a empresa Constelação Filmes. Eles afirmam que a produtora produziu três filmes de 30 segundos para o governo federal, custando pouco mais de R$1 milhão. “A produtora não traz nenhum custo com o elenco, apesar de haver personagens e figurantes. Foram contratados 73 técnicos, com gasto de R$ 505.775 aos cofres da União. Há remunerações elevadíssimas, como o caso de um diretor que recebeu R$ 75 mil por três diárias. Para a gravação dos três vídeos, a produtora locou seis estabelecimentos por três dias. Cada um custou R$ 15mil.”

A Punch Filmes é outra companhia incluída no inquérito. A empresa produziu dois vídeos de 30 segundos para o governo, ao custo de R$ 770,5 mil. A União ainda pagou mais R$ 48,5 mil para locução do material, segundo os parlamentares. “A equipe técnica, de 65 profissionais, custou R$ 440,7 mil. O valor gasto com os técnicos é dez vezes superior ao custo do elenco e corresponde a 57% do valor cobrado pela produtora. Não existe distinção entre os técnicos e seus assistentes, todos receberam R$ 12 mil.”

A quinta empresa mencionada é a Registro Urbano Filmes, que produziu um vídeo de 30 segundos para a campanha do Ministério da Saúde e Secom sobre a retomada das atividades econômicas com ênfase no agronegócio. “São apenas dois personagens, um empresário do setor de avicultura e uma caminhoneira, mas o preço foi salgado: R$ 480 mil, mais a trilha sonora e narração, que foram produzidas pela empresa Lira Harmonia Música e Áudio Ltda por R$ 37,5 mil”, dizem os parlamentares.

A Registro Urbano, de acordo com o levantamento, informou a contratação de 94 profissionais. “Chama a atenção a contratação de muitos profissionais para o mesmo serviço. Por exemplo, dois técnicos para legendar o vídeo e dois intérpretes de libras, apesar de só um aparecer no material.”

Preços

A reportagem questionou o Ministério da Saúde, a Secom, a Presidência da República e cada uma das empresas citadas sobre o inquérito e as informações levantadas pelos parlamentares. Por meio de nota, o Ministério da Saúde declarou que “avalia tecnicamente os orçamentos encaminhados pelas agências de publicidade” e que “sempre são observados e avaliados os preços já estabelecidos no Sistema de Referência do Governo Federal (SIREF), levando em consideração a urgência, complexidade, necessidade e qualidade de cada material de utilidade pública”. A Secretaria de Comunicação do governo e a Presidência não se manifestaram até a publicação deste texto.

A Madre Mia Filmes informou que foi contratada pelo Ministério da Saúde “por ter apresentado o menor valor, dentre as produtoras consultadas”. A execução do serviço, segundo a empresa, “previa enorme complexidade técnica e operacional, pois o filme teria que ser produzido em 2 dias e em 6 locações simultaneamente: Florianópolis (SC), Betim (MG) , Vitória (ES), Mogi das Cruzes (SP), Boa Vista (RR) e Manaus (AM) - e tudo em tempos de pleno rigor da pandemia por coronavírus, o que exigia cuidados operacionais maiores, protocolos de segurança sanitária e equipes ‘de reserva’ em cada locação para que estivessem de stand-by caso precisassem substituir profissionais que faltassem em razão do contágio pelo vírus da covid-19″.

A produção exigiu, conforme a Madre Mia Filmes, elevado esforço operacional para atender a demanda no curtíssimo prazo e com a qualidade técnica esperada pelo cliente. “Por isso, podemos afirmar que os questionamentos apresentados pelos parlamentares, autores da denúncia, não refletem a realidade e todos os pontos estão sendo esclarecidos às autoridades competentes no curso do processo legal.”

A Vapt Filmes declarou que “realizou os serviços contratados e objeto de seus questionamentos com a celeridade e a excelência de entrega que a tornam uma produtora diferenciada no mercado publicitário”. Os orçamentos e as planilhas dos serviços, segundo a empresa, são dados públicos e não ultrapassaram em item algum os valores do mercado publicitário e o pagamento de direitos sobre imagens de terceiros.

A Constelação Filmes afirmou que “é uma produtora séria e renomada, que busca honrar com os compromissos estabelecidos com os seus clientes”. Os três filmes contratados, de acordo com a produtora, foram entregues dentro do prazo acordado, respeitando as necessidades do cliente, bem como a base orçamentária da Secom. “Em razão das necessidades emergentes do Ministério da Saúde, foi franqueado apenas o prazo de cinco dias para entrega do material, o que exigiu a realização de produção simultânea”, informou.

Sobre o valor, a empresa declarou que “com absoluta convicção que não há discrepância com a prática de mercado, se consideradas todas as variáveis e exigências estabelecidas para a entrega e qualidade do trabalho”.

A Registro Urbano também afirmou que “as alegações são improcedentes e serão demonstradas no momento oportuno”, conforme solicitado. “Não há qualquer irregularidade digna de nota e todos os pontos suscitados serão esclarecidos e comprovados.”

A empresa afirmou que “a atividade publicitária é bastante complexa” e que, “embora a tecnologia tenha desenvolvido a possibilidade de realização de vídeos caseiros com facilidade, isso não diminuiu os custos da produção para vídeos profissionais, principalmente quando há a produção de conteúdo original”. A respeito dos preços, a empresa afirmou que estes “são referenciados e o governo federal possui sistema próprio de verificação de conformidade de valores.

“Sobre a relação das diárias com a quantidade de profissionais, é preciso informar que somente alguns profissionais estratégicos viajaram e a maior parte da equipe foi contratada no local da filmagem. Outros profissionais executam a pós-produção e, quanto menor é o prazo para entrega do resultado final, mais profissionais precisam ser alocados para dar conta da demanda e cumprir o prazo e a qualidade, trabalhando em sintonia e ao mesmo tempo. Por essa razão, houve o deslocamento de apenas dois profissionais, inclusive, pelo fato da produção ocorrer em plena época pandêmica.”

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