BRASÍLIA - O ataque hacker contra a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, poderia ter ocorrido mesmo se o PL 2630 das Fake News estivesse em vigor. O último texto protocolado pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), não teria o condão de impedir a invasão do perfil, mas poderia atenuar as consequências, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão.
A conta da primeira-dama na rede social X (ex-Twitter) foi invadida na segunda-feira, 12. Foram postadas mensagens misóginas e ofensas à Janja, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao ministro do STF Alexandre de Moraes. Segundo Janja, a rede X levou 1h30 para tirar seu perfil do ar.
O texto protocolado em abril na Câmara obriga as redes sociais a atuarem com “dever de cuidado”, ou seja, de forma diligente “para prevenir e mitigar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços”. As empresas também devem se esforçar para “aprimorar o combate à disseminação de conteúdos ilegais gerados por terceiros” que possam configurar, por exemplo, violência contra a mulher e racismo.
O PL 2630 das Fake News prevê que as redes sociais podem ser responsabilizadas civilmente por descumprir as obrigações do dever de cuidado. As empresas seriam responsáveis de forma solidária, por exemplo, por danos provocados por usuários que publicassem conteúdos ilegais em casos de violação do dever de cuidado.
Na avaliação da pesquisadora do grupo Monitor do Debate Político no Meio Digital (USP), Michele Prado, o tempo que a rede X levou para tirar o perfil do ar foi “muito acima do tolerável”. Segundo Prado, o PL “pode auxiliar nas respostas de crises”.
“Falha grave nas políticas de segurança e confiança da plataforma. A resposta deve ser no menor tempo possível para impedir esse uso nocivo”, afirma. “Digamos um outro cenário. Um extremista violento invade um perfil alheio para transmitir ao vivo um atentado violento. (Seria) uma tragédia com danos imensos a curto e a longo prazo.”
O diretor de pesquisa do Aláfia Lab e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), Rodrigo Carreiro, concorda. “Pelo tamanho do perfil dela, o tempo foi gigante, porque atinge muita gente”, diz. “Uma lei específica ajudaria, primeiro, no estabelecimento de regras de moderação mais rígidas, incluindo sanções caso não forem cumpridas. Com certeza dificultaria a invasão de perfis, que é muito comum de acontecer contra influencers.”
Na terça-feira, 19, Janja declarou que pretende processar a rede social. “Eu não sei nem onde processar, se eu processo no Brasil, se processo nos Estados Unidos, porque processá-los eu vou, de alguma forma”, declarou Janja ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a live “Conversa com o presidente”.
O PL 2630 das Fake News prevê que as redes sociais e serviços de mensagens instantâneas tenham representantes legais no Brasil e que esta informação “deve ser facilmente acessível” nos sites das empresas. Atualmente, não há esta obrigação.
Por que o PL das Fake News está parado?
Após o ataque contra Janja, o governo passou a pressionar pelo andamento do PL 2630. A proposta, que pretende regulamentar as redes sociais pela primeira vez no Brasil, é criticada pelas Big Techs e pela oposição ao Governo Lula.
Orlando Silva afirmou, depois da invasão do perfil, que o hackeamento das contas de Janja são “um estímulo para que o governo do presidente Lula reflita sobre a urgência de aprovação” da proposta. O projeto tem sido chamado de “PL da Censura” pela oposição ao governo petista.
O PL 2630 teve a urgência aprovada em abril e chegou a ser incluído na pauta de votação em maio. Como revelou o Estadão, as Big Techs lideraram uma operação lobby para derrubar o projeto da pauta do Congresso. Diante da pressão contra o PL, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), retirou a proposta da previsão de votações da Casa.
O Estadão apurou que ainda não há acordo entre líderes partidários para o PL 2630 ser analisado pelo plenário da Câmara e por isso o texto continua parado. Em agosto, trechos do texto de Orlando Silva sobre Direito Autoral e remuneração de conteúdos jornalísticos foram retirados do PL e inseridos em outros projetos, em uma estratégia para destravar a regulamentação das big techs. A tentativa não deu certo e nenhuma proposta avançou.
PF investiga ataque hacker
Um dos alvos da operação da Polícia Federal (PF) que investiga os suspeitos do ataque hacker à primeira-dama é produtor de conteúdo musical com teor racista, sexista, misógino e nazista. João Vítor Corrêa Ferreira, de 25 anos, é morador de Ribeirão das Neves (MG) e sua residência foi alvo de um mandado de busca e apreensão na tarde de terça-feira, 13.
No Spotify, sob o apelido “Maníaco”, ele publicava faixas musicais de rock com apologias ao racismo, à misoginia e ao nazismo. O perfil de “Maníaco” no Spotify já está fora do ar, mas contava com o selo de verificado pela plataforma. Ele tinha mais de 4 mil ouvintes mensais e quatro álbuns publicados com músicas ostensivamente preconceituosas.
Questionada sobre o selo de verificado, a assessoria do Spotify esclarece que a política da plataforma para a cessão do selo é distinta de outras redes sociais. O perfil verificado só sinaliza que o usuário em questão é o artista que reivindica ser, e não configura, necessariamente, endosso da plataforma ao conteúdo produzido.