O Partido Liberal (PL), sigla do presidente Jair Bolsonaro, omite as doações recebidas e despesas efetuadas no período pré-eleitoral, o que inclui verbas aplicadas na promoção do chefe do Executivo. O PL é um dos únicos partidos sem registro público até agora no sistema online criado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para dar transparência às contas partidárias no ano corrente.
Por causa da decisão do PL, não é possível que qualquer cidadão consulte, por exemplo, quanto o partido recebeu em contribuições financeiras, tampouco quanto desembolsou para a gravação da propaganda partidária estrelada pelo presidente e já exibida na TV, ou mesmo na convenção nacional realizada no Maracanãzinho, no Rio, para oficializar Bolsonaro como candidato à reeleição.
Antes resistente, o presidente começou nesta quarta-feira a usar a própria imagem para pedir, em público, doações ao partido, conforme mostrou a Coluna do Estadão. Em vídeo, Bolsonaro declara: “Não interessa o quanto você possa doar, interessa que venha do coração para o bem do nosso Brasil”.
No ano passado, o maior financiador privado do partido foi a família do deputado Josimar Maranhãozinho (MA). Com valores somados, chegou a R$ 200 mil a quantia transferida ao PL por Maranhãozinho, a esposa Detinha, deputada estadual mais votada do Maranhão em 2018, e o sobrinho Aldir Júnior, vereador em São Luís (MA). Em 2021, o parlamentar e seus familiares ampliaram os repasses que costumam fazer ao diretório nacional do partido. Maranhãozinho passou a ser investigado pela Polícia Federal, suspeito de um esquema de corrupção com emendas parlamentares. Ele foi gravado por policiais manuseando caixas de dinheiro vivo num escritório. O parlamentar nega irregularidades.
Além do PL, outro partido da aliança nacional do Palácio do Planalto, o Progressistas (PP), deixou de informar, até o momento, qualquer movimentação financeira de janeiro a julho de 2022. A estratégia encobre não apenas doações de pessoas físicas feitas aos dois partidos, mas também a parcela de recursos públicos transferidos do Fundo Partidário. Os partidos não justificaram o motivo.
Dos partidos mais competitivos na disputa pela Presidência da República, só o PL de Bolsonaro optou por ocultar os valores. O PT, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o MDB, da senadora Simone Tebet, e o PDT, do ex-ministro Ciro Gomes, já divulgaram receitas e despesas milionárias. Constam no sistema do TSE tanto receitas de dinheiro público quanto privado para essas legendas.
O Estadão apurou que o PL enfrenta dificuldades de arrecadação. O partido tem direito a cerca de R$ 341 milhões em recursos públicos neste ano, somados os fundos partidário e eleitoral. Mas o presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, entende que a quantia é insuficiente para bancar todas as candidaturas competitivas – 12 governadores, 13 senadores e 78 deputados federais, além da campanha presidencial. Integrantes do partido e do comitê bolsonarista chegaram a estimar que poderiam angariar cerca de R$ 400 milhões, mas o desempenho está muito aquém do almejado.
A estratégia de arrecadação do PL passa por Flávio Bolsonaro (RJ), senador e filho do presidente mais presente na coordenação da campanha. No mês passado, ele disse em entrevista ao Estadão que já havia doações chegando ao PL, principalmente de empresários do campo, mas que sentiu resistências. Segundo ele, quem contribui para campanha teme “cancelamento”. Por isso, Flávio indicou que o PL adotaria a estratégia de ocultar ao máximo os nomes dos doadores. “Não dou divulgação porque grande parte das pessoas não quer que seus nomes ganhem publicidade, tem medo de represálias, tem medo de cancelamento”, disse o senador.
O sistema da Justiça Eleitoral não registra ainda a doação de R$ 1,25 milhão, feita pela família Koren de Lima, que reúne os donos do plano de saúde Hapvida. O Estadão confirmou o repasse com integrantes do PL, segundo os quais o aporte foi o maior já registrado. O PL também colocou no ar uma plataforma para receber transferências individuais via Pix, de menor monta.
Controle
A resolução do Tribunal Superior Eleitoral que regulamenta o controle de contas dos partidos exige o registro de receitas e despesas conforme elas ocorrem. No entanto, atrasos são recorrentes e não há uma punição expressa para quem descumpre essa obrigação. Os partidos ainda se valem de uma brecha: o prazo explícito na Lei dos Partidos Políticos e na resolução da Corte para a entrega da prestação de contas anuais vai até 30 de junho do ano seguinte. Na prática, a remessa da documentação comprobatória pode ocorrer de uma só vez e muito depois que o dinheiro entra ou sai das contas dos partidos.
Assim, a prestação de contas do PL referente a 2022, com despesas e receitas ligadas a Bolsonaro, pode vir ao conhecimento público por completo apenas em junho de 2023. Já eventuais doações ao partido que sejam posteriormente transferidas para uso na campanha eleitoral não podem ser omitidas – a sigla é obrigada a identificar os doadores e declarar a receita durante as eleições.
Até 2015, os partidos eram obrigados a enviar balancetes mensais à Justiça Eleitoral nos quatro meses anteriores às eleições e nos dois posteriores, mas essa exigência foi derrubada pelo Congresso.
O TSE informou ao Estadão que o descumprimento da obrigação de registro de receitas e despesas de forma concomitante será analisado em conjunto com demais irregularidades na prestação de contas dos partidos, “podendo levar, em conjunto, à desaprovação das contas”. O ex-ministro da Corte Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, contratado para a campanha de Bolsonaro, diz que o PL não tem obrigação de antecipar as informações. “A prestação de contas do partido é anual. Mostrar antecipadamente é mera liberalidade, da qual o PL jamais fez uso”, afirmou o advogado. O Progressistas também argumentou que a prestação de contas do exercício de 2022 pode ser feita até junho de 2023.